8 de fevereiro de 2012

Lukács e a atualidade do Marxismo

Lukács e a atualidade do Marxismo

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Crédito: nybooks

Ricardo Costa, secretário de Formação Política do PCB

Georg Lukács nasceu um Budapeste, oriundo de família burguesa. Recusou-se a seguir a vida dos negócios para dedicar-se ao estudo das artes e da literatura, tendo grande talento para a crítica. Pela Universidade de Budapeste, torna-se doutor em Leis em 1906 e em Filosofia, em 1909. Desenvolve sólida formação humanista, ao conviver com intelectuais como Béla Bartók, Eugene Varga, Max Weber, Ernst Bloch, Mannheim e outros, sofrendo forte influência da sociologia e da filosofia neokantiana.

Aprofundou suas leituras de Marx, Engels e Rosa Luxemburgo após a Revolução de 1917 e, no ano seguinte, entusiasmado com as possibilidades do processo revolucionário mundial, ingressou no Partido Comunista da Hungria. Em março de 1919, eclode a revolução húngara e é proclamada a República Proletária dos Conselhos, a Comuna Húngara, sob a liderança de Béla Kun.

Lukács é designado vice-comissário do Povo para a Cultura e a Educação Pública, realizando profunda reforma educacional, socialização das editoras e abertura dos museus e teatros aos trabalhadores. Em agosto, porém, as tropas fascistas de Horthy massacram a experiência socialista na Hungria (5.000 pessoas executadas, 75.000 presas e 100.000 forçadas ao exílio) e obrigam o PC a atuar na clandestinidade.

No exílio em Viena, após livrar-se da extradição e da condenação à morte graças à ampla mobilização de intelectuais alemães, prepara os originais de História e Consciência de Classe. Por sofrer forte influência do pensamento de Hegel, acabou se tornando um de seus livros mais polêmicos, renegado pelo próprio autor na sua maturidade intelectual e política, mas que serviu de referência e inspiração para teóricos da Escola de Frankfurt (como Adorno e Benjamin) e do existencialismo (Sartre).

A obra ataca o marxismo vulgar da II Internacional, a vertente revisionista de Bernstein e o positivismo dominante nas ciências sociais, além de se alinhar com Rosa Luxemburgo na perspectiva da eclosão da revolução proletária mundial, que não veio. Neste livro, Lukács formula a teoria da reificação (no capitalismo, os fenômenos sociais e as relações entre os homens assumem sempre a aparência de coisas), assim como desenvolve a análise segundo a qual a realidade só pode ser estudada cientificamente a partir do ponto de vista da totalidade.

O ponto polêmico é a ideia de que somente o proletariado pode conhecer a realidade em sua totalidade, pois ciência e consciência coincidiriam nele, por ele ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do conhecimento, ou melhor, o conhecimento de si mesmo significaria o conhecimento de toda a sociedade.

Mas esta consciência não é dada de forma imediata; seria, isto sim, produto da luta de classes: pela resistência à sua redução a mera condição de mercadoria, pela luta contra a coisificação da força de trabalho, o operariado tenderia a descobrir e questionar o processo de reificação, revelando o caráter fetichista de toda a mercadoria. Assim, a consciência de si do proletariado seria, simultaneamente, o conhecimento do conjunto das relações capitalistas.

O livro foi objeto de vigorosa condenação por parte da Internacional Comunista em seu V Congresso (1924), atacado por Bukharin e Zinoviev pelas “recaídas no velho hegelianismo” e pelo “revisionismo teórico”. Lukács acabou por afastar-se da política partidária ao ser ameaçado de expulsão do PC húngaro após a divulgação de suas Teses de Blum (pseudônimo usado na clandestinidade), derrotadas no II Congresso do Partido (1929), por defender a “ditadura democrática do proletariado e do campesinato” e retratar a classe trabalhadora como herdeira da melhor tradição da humanidade – incluindo aí a tradição revolucionária burguesa – e não apenas a criadora da nova cultura operária.

Lukács entendia que a alternativa ao fascismo de Horthy deveria ser um regime de liberdades políticas, construído a partir de uma ampla frente política. Na época, a Internacional Comunista passou a repudiar a aliança com a socialdemocracia, advogando a tática da “classe contra classe”.

Em 1930, Lukács segue para Moscou, onde, trabalhando no Instituto Marx-Engels, aprofunda seus conhecimentos sobre o pensamento marxiano ao dedicar-se à leitura dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, o que o permite superar as concepções idealistas presentes em História e Consciência de Classe. No plano teórico cultural, busca construir uma estética marxista, aprofundando a concepção do realismo crítico, em contraposição aonaturalismo próprio da literatura burguesa e mesmo da arte proposta pelo “realismo socialista” (stalinista), método voltado à mera descrição dos fenômenos.

Com o fim da guerra e a derrota do fascismo, Lukács retorna a Budapeste, é eleito membro do parlamento húngaro e volta a participar ativamente da vida cultural europeia, mas, entre 1949 e 1953, sofre perseguição dos seguidores de Stálin, através de campanha de “descrédito ideológico” orquestrada por militantes e dirigentes do PC húngaro. Volta, então, suas energias a escrever A Destruição da Razão, importante obra na qual investiga as raízes históricas da tragédia alemã (do caminho prussiano ao nazismo), identificando a Alemanha como o “país clássico do irracionalismo” e criticando a postura da intelectualidade moderna (com destaque para Nietzsche), representante da decadência ideológica da burguesia na etapa imperialista, cujas características principais seriam o ataque ao materialismo dialético e a apologia ao capitalismo.

Deflagrado o processo de “desestalinização” no XX Congresso do PCUS, Lukács defende a democratização da Hungria, participa do renovado Comitê Central do PC húngaro e assume o cargo de Ministro da Educação e Cultura do governo de Nagy (1956). Mas se demite ao discordar da aproximação às potências ocidentais. As tropas do Pacto de Varsóvia intervêm, Lukács é deportado para a Romênia e, quando retorna a seu país, é expulso do PC. Na década de 1960, após a publicação de sua Estética, ambiciosa tentativa de constituir uma teoria marxista das manifestações artísticas, dedica-se à elaboração de uma Ética marxista, resultando, após estudos iniciais sobre os fundamentos dos valores inscritos na práxis humana, na redação da Ontologia do Ser Social, obra somente publicada na íntegra postumamente.

Por mais críticas que tivesse aos Estados socialistas de seu tempo, fortemente marcados por práticas antidemocráticas e burocratizantes, em entrevista do início de 1970, Lukács não deixava dúvidas a respeito de seu posicionamento político e ideológico, ao qual foi fiel em toda a vida: “O pior socialismo é preferível ao melhor capitalismo”.

Fonte: Imprensa Popular. Edição Fevereiro de 2012

8000 presos políticos na Colômbia: rompamos o silêncio! Exigir a liberdade para os presos políticos é parte medular da construção de uma verdadeira paz com justiça social

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Texto de Azalea Robles, imagens de Areito

Estima-se em mais de 7.500 os homens e as mulheres que atualmente são vítimas do encarceramento político na Colômbia, um último informe de finais de 2011, fala de 9.500 presos políticos; a cifra de 7.500 é uma cifra com a qual vêm trabalhando as organizações de defesa de direitos humanos já há alguns anos, o que indica que muito provavelmente essa cifra hoje estaria defasada, dado o incremento de encarceramentos políticos nos últimos anos sob os governos de Uribe e agora de Santos, sob o qual estes encarceramentos políticos continuam se incrementando de maneira exponencial. A existência de milhares de presos políticos é testemunho da guerra repressiva desatada pelo estado colombiano contra a reivindicação social; portanto exigir a liberdade para os presos políticos é parte medular da construção de uma verdadeira paz com justiça social.

Na Colômbia, o capitalismo expressa os estertores de um agonizante: o terror correspondente ao saque dos recursos para benefício do grande capital é aplicado da maneira mais escancarada contra a população, com a finalidade de expulsar quantidades enormes de pessoas das zonas cobiçadas, e de eliminar reivindicações. E, nesses tempos nos quais o capitalismo mundial aprofunda ao extremo as contradições entre acumulação capitalista e a sobrevivência da espécie, as estratégias repressivas desenvolvidas na Colômbia são destinadas também a ser aplicadas na região, o que constitui mais uma razão para se solidarizar com o povo colombiano – além das razões éticas.

Para aprofundar mais, segue esse texto que faz parte de uma série de textos sobre o tema:

Milhares de presos políticos são o rosto da empatia crivada de balas


A quantidade alarmante de presos políticos manifesta uma situação gravíssima de repressão contra o pensamento crítico, contra a reivindicação social e o direito à participação política, só comparável a situação das liberdades feridas de uma ditadura militar.

1. Introdução a uma realidade tornada invisível

Há pelo menos 7.500 presos políticos na Colômbia, outro triste “recorde” de um Estado cujo nível de repressão e de extermínio da oposição ultrapassa inclusive o das ditaduras assumidas como tal e que, contudo, goza de amplo beneplácito da diplomacia internacional, porque a chamada “comunidade internacional” fecha muito facilmente os olhos sobre os genocídios se estes permitem o saque dos recursos do país invadido. A maioria dos presos políticos na Colômbia são civis encarcerados sob montagens judiciais: sindicalistas, jornalistas, acadêmicos, estudantes, ambientalistas e camponeses presos para calar sua reivindicação social, desagregar a organização política e calar o pensamento crítico. A prática repressiva dos encarceramentos arbitrários seguem se agravando. 90% dos presos políticos são civis, os presos políticos e de guerra das organizações políticas e militares FARC e ELN são aproximadamente 10% do total de presos políticos.

Apresento nesta introdução dois testemunhos de presos políticos por serem esclarecedores de uma realidade silenciada:

O professor Miguel Ángel Beltrán, preso político por anos: “A atitude de que todo aquele que investiga a realidade social com uma lente crítica é apelidado de guerrilheiro provém de um Estado que persegue e criminaliza aqueles que pensamos diferente. Meus escritos foram tomados como prova para me acusar de delito de rebelião, o que constitui uma clara perseguição ao pensamento crítico. O propósito do regime de me manter privado da liberdade é enviar uma clara mensagem aos acadêmicos críticos e à universidade pública em geral: ‘cuidado ao estudar o conflito social e armado com uma perspectiva diferente da oficial, porque vejam o que lhes pode acontecer’. E isto cala alguns setores.” [1]

7.500 presos políticos: estudantes, camponeses, ambientalistas, advogados, investigadores, sindicalistas, defensores de direitos humanos... Encarcerados sob montagens judiciais.

Marinelly Hernández, presa política e de guerra é testemunha das aberrantes torturas que o Estado colombiano comete contra os familiares dos insurgentes, uma realidade silenciada: “Ao nosso pai, o Exército colombiano, em união com os paramilitares o pendurou vivo pelas suas mãos introduzindo ganchos em suas extremidades como se fosse carne de matadouro, logo cortaram seu estômago e todo seu corpo com uma navalha, depois destruíram seus lábios como se talha os pescados, por último, lhe deram um tiro de graça em sua cabeça; segunda o médico legista, o nosso pai foi torturado vivo. Meu papai tinha 70 anos de idade. Como é possível que façam isso com um ancião, taxando ele de guerrilheiro? Por acaso de eu ser revolucionária, teriam que cobrar isso com a vida de meu pai?” [2]

Marinelly, de uma família camponesa, narra que durante sua infância viveu na própria carne as agressões que o Exército colombiano desatou contra o campesinato por pertencer ao partido opositor União Patriótica (UP); foi testemunha de múltiplos assassinatos de camponeses, amigos e familiares, cujos corpos eram abandonados com sinais de tortura ou desmembramento:“parte da guerra suja e psicológica que implementaram para assustar aos lutadores populares.”

A prisioneira explica que as violações do Estado colombiano a empurraram para a insurgência, como sua “única forma de preservar a vida, lutar por ela e reclamar nossos direitos” e evitar“terminar massacrada, torturada ou deficiente para ser exemplificada como caem muitos camponeses, ou terminar sendo deslocada e vivendo de esmolas nas cidades”. [Ibid. ]

O trabalho dos defensores de direitos humanos e advogados de presos políticos é dificilíssimo, sendo estes vítimas de uma encarniçada perseguição estatal que acarretaram desaparecimentos forçados, assassinatos e até encarceramentos de defensores e advogados de presos políticos. Por esta razão, os estudos, denúncias e a comunicação com os mesmos presos se vê dificultada. A perseguição contra os que exercem a solidariedade com os presos políticos, o isolamento, as transferências, os castigos contra os presos, defensores de direitos humanos e as ameaças contra familiares unidos ao silêncio implacável dos meios de comunicação de massa, constituem o ocultamento de uma realidade cujas dimensões manifestam o caráter profundamente antidemocrático do Estado colombiano.

Esta subestimação midiática dos milhares de presos políticos domesticou inclusive as mentes de grande parte da “esquerda”, que não os reclama devidamente; adotando como prioridade as reivindicações que impõem os mass-media e deixando quase esquecidos os milhares de mulheres e homens que estão hoje atrás das grades por empenhar suas vidas na defesa dos direitos humanos e da justiça social.

À dramática situação de ferir o direito de consciência, opinião e organização social é somada que os presos e presas estão sofrendo condições insalubres de reclusão, com a superlotação extrema e a proliferação de epidemias correspondente; sofrendo penúrias da mínima vitalidade que são formas de tortura e de ferir a integridade e a saúde, como a privação do acesso à água por períodos prolongados [3]; sofrendo atentados contra sua saúde e direitos básicos como o fornecimento de alimentação em estado de decomposição ou contaminada até mesmo por matéria fecal [4], como se comprovou em vários presídios.

Da mesma maneira, é denunciada a prática de isolar certos presos políticos em meio de pátios paramilitares, como medida evidente de atentar contra suas vidas. A isso se somam outroscrimes de Estado contra a população carcerária, como o são as torturas físicas e psicológicas e a tortura de negar a assistência médica.

A declaração do último encontro em solidariedade com os 7.500 presos políticos, expressou:

“O Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário é a principal entidade do Estado comprometida com as torturas, tratos crueis e desumanos e com sua participação na comissão de delitos de lesa-humanidade. Denunciamos a entrega de prisioneiros políticos, por parte do INPEC, aos grupos paramilitares nas saídas dos centros de reclusão e a morte dos prisioneiros (…) A superlotação obedece ao aumento de internos como política criminosa do Estado de aumentar o número de condutas puníveis e as penas para delitos que ‘atentam contra a segurança do Estado’. Se mantém as condições degradantes expostas na sentença de tutela T-153 de 1998, que declarou que o sistema penitenciário colombiano violava de maneira massiva e estrutural os direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade, definindo a situação como um Estado de coisas inconstitucional.” [5]
Apenas finalizado o encontro, as retaliações do Estado se desataram: tomando sanções arbitrárias contra presas e presos políticos e atacando com especial brutalidade contra o protesto pacífico dos presos no cárcere de Valledupar que estavam amarrados a 15 metros do solo há semanas em protesto pelas torturas, privação de água e tratos degradantes que lhes infligem [6]. A polícia procedeu a soltá-los com violência das estruturas as quais estavam amarrados provocando quedas de até 15 metros dos presos; para logo enclausurá-los e torturar os que ainda estavam conscientes. Os presos do presídio relatam que ouviam gritos atrozes de tortura e que assim mesmo viram como a polícia arrancava corpos inertes em lençois. Contaram mais de 30 feridos e 5 prisioneiros acabaram entre a vida e a morte. [Ibíd.]

2. Atentado contra as liberdades só comparável a uma ditadura militar: a sociedade inteira é agredida

A quantidade alarmante de presos políticos manifesta uma situação gravíssima de repressão contra o pensamento crítico, contra a reivindicação social e o direito à participação política, só comparável à situação de ferir as liberdades de uma ditadura militar. A existência de milhares de presos políticos é relevante não somente para as mulheres e homens que são vítimas do encarceramento por suas ideias, não somente para seus familiares que são afundados na dor e na perseguição, senão também para a sociedade em seu conjunto: com efeito, os presos políticos são seres humanos arrancados da sociedade, privando esta do capital humano de seres encarcerados precisamente por sua entrega à comunidade, pelo seu indispensável trabalho documental, jurídico, docente, jornalístico, sociológico, sindical, ambientalista. É um atentado contra o desenvolvimento de um povo. O que busca o Estado é desarticular a organização social, fazer desaparecer o tecido sócio-político que luta por uma mudança nas relações de poder, de desigualdade social, da propriedade da terra. A desigualdade social na Colômbia é extrema. A Colômbia é o 3º país mais desigual do mundo, exatamente atrás do Haiti. Na Colômbia morrem anualmente 20.000 crianças por falta de água potável, no 4º país com mais riqueza hídrica do mundo. Diante da reivindicação social natural que surge desta situação de iniquidade, o Estado, funcional para o grande capital nacional e transnacional que se enriquece com base na exploração do trabalho e o saque dos recursos, reprime de maneira brutal: com suas ferramentas oficiais (exército, polícia, fiscais) e paraestatais (a ferramenta paramilitar) aumenta os assassinatos, os desaparecimentos forçados e os encarceramentos arbitrários de intelectuais críticos, de ativistas de processos comunitários, de organizações estudantis, camponesas, indígenas, afrodescendentes, pela moradia, ambientalistas, sindicalistas, etc.

Traduzido para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) por Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves

O original se encontra em:

Intervenção Militar Imperialista no Oriente Médio Ameaça a Paz Mundial

Intervenção Militar Imperialista no Oriente Médio Ameaça a Paz Mundial

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Crédito: PC Chile
PARTIDO COMUNISTA DO CHILE

COMITÊ CENTRAL

DECLARAÇÃO

INTERVENÇÃO MILITAR IMPERIALISTA NO ORIENTE MÉDIO AMEAÇA A PAZ MUNDIAL


A ofensiva imperialista dos Estados Unidos e das potências também imperiais da União Europeia sobre a Síria e o Irã, está criando uma situação que ameaça desembocar numa agressão militar contra ambos os países.

A última guerra impulsionada pelos EUA e a OTAN na Líbia causou milhares de mortos e uma brutal destruição do país. O evidente objetivo do novo colonialismo norte-americano e europeu foi apoderar-se dos recursos naturais desse país e impor seu suposto direito de dominação no mundo.

Com objetivos similares, os Estados Unidos e seus colaboradores estão alocando tropas no Golfo Pérsico e nas proximidades da Síria. A agressão norte-americana e da OTAN já conduz ao início de uma guerra civil na Síria, que dá bases para uma agressão militar como a realizada na Líbia.

A isso se somam ações terroristas, como os assassinatos de cientistas iranianos e atentados no interior desse país. Neste caso, é a afirmação de que o Irã pretende construir bombas nucleares o que justifica tais ações. Sabe-se o que custou ao povo do Iraque a invasão de seu país, tendo como base informações falsas. Sabe-se, também, que o único Estado possuidor de armamento nuclear no Oriente Médio é Israel, adito ao poder imperial. A implantação de ações militares no Irã é um projeto já anunciado pelos chefes militares e políticos norte-americanos.

Devemos rechaçar o caminho da guerra e criar as condições para que se abra espaço para uma política de paz e colaboração internacional, que permita aos cidadãos sírios e iranianos decidirem seu próprio destino. A democracia não será alcançada, como afirmam os promotores destas políticas, com bombardeios, morte e destruição.

A agressão imperial em curso deve ser contida. É um assunto de todos os povos e ainda mais urgente em nossa América Latina. A persistente investida contra países latino-americanos que desenvolvem políticas independentes aos ditames imperiais, leva a crer que o império poderia expressar-se também em nosso continente com agressões semelhantes a que está em curso no Oriente Médio. Caso sejam impostas estas políticas de dominação extrema, o mundo inteiro será ameaçado.

Propomos ao Governo do Chile contribuir com um caminho que suspenda as sanções contra a Síria e o Irã, ponha fim à ingerência nos assuntos internos desses países, renuncie à participação numa guerra contra eles e abra espaços para ações que objetivem uma saída pacífica, efetivamente, garantindo a autodeterminação de seus povos.


PARTIDO COMUNISTA DO CHILE

Santiago do Chile, 1º de fevereiro de 2012

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza (PCB)

“VAZOU! A AGENDA DA LIGA ÁRABE PARA A SÍRIA”

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4/2/2012, Pepe EscobarAsia Times Online - The Roving Eye

Exposed: The Arab agenda in Syria

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Eis aqui, em ritmo de curso intensivo, uma síntese das maquinações “democráticas” da Liga Árabe – de fato, Liga do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), porque quem realmente manda nessa organização pan-árabe são duas das seis monarquias do Golfo Persa que integram o CCG, também conhecido como Clube Contrarrevolucionário do Golfo, a saber: o Qatar e a Casa de Saud.

O CCG criou um grupo na Liga Árabe para monitorar o que se passa na Síria. O Conselho Nacional Sírio – baseado na opinião de Turquia e França, países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – apoiou com entusiasmo a iniciativa. Não por acaso e muito significativamente, o Líbano, vizinho da Turquia, não aprovou a constituição do tal grupo de ‘monitores’.

Quando os mais de 160 monitores, depois de um mês de investigações, publicaram seu relatório... Surpresa! O relatório não repetia a versão do CCG – segundo a qual o governo de Bashar al-Assad-do-Mal estaria unilateralmente e indiscriminadamente, matando o próprio povo, o que tornaria absolutamente necessária e urgente uma “mudança de regime”.

O Comitê Ministerial da Liga Árabe já aprovara o relatório, por quatro votos a favor (Argélia, Egito, Sudão e Omã, membro do CCG) é só um voto contrário (adivinhem: claro, o Qatar – atualmente na presidência da Liga Árabe, porque o emirado comprou da Autoridade Palestina o turno, na presidência rotativa da instituição).

Então aconteceu que o relatório foi ou completamente ignorado (pela mídia-empresa ocidental) ou detonado sem piedade (pela mídia árabe que, praticamente toda ela, é financiada ou pela Casa de Saud ou pelo Qatar). O relatório não foi sequer discutido – porque o Conselho de Cooperação do Golfo impediu que, traduzido do árabe ao inglês, fosse publicado no website da Liga Árabe.

Até que, afinal, o relatório vazou. Pode ser lido em inglês, na íntegra em:Report of Arab League Observer Mission”.

O documento é absolutamente claro e assertivo: não há nenhum tipo de repressão letal organizada pelo governo sírio contra manifestantes pacíficos. Em vez disso, o relatório denuncia as muitas gangues armadas como responsáveis pela morte de centenas de civis e de mais de mil soldados do exército sírio, em atentados organizados e letais (explosões de ônibus de transporte de civis, ataques a bomba contra trens carregados de óleo diesel, ataques a bomba contra ônibus de transporte de policiais e ataques a bomba contra pontes e oleodutos).

O relatório não confirma a versão oficial distribuída pelo CCGOTAN para o caso sírio, de levante popular esmagado por tanques e balas. Na mesma direção do relatório, também Rússia e China, do grupo BRICS, e muitos países do mundo em desenvolvimento vêem o governo sírio em luta de resistência contra grupos de mercenários estrangeiros pesadamente armados. O relatório caminha na direção de confirmar essas suspeitas.

O Conselho Nacional Sírio é constituído de “irmãos” da Fraternidade Muçulmana aliados à Casa de Saud e ao Qatar – que recebem também o discreto e incômodo apoio de Israel, nos bastidores. Legitimidade não é o forte do CNS. Quanto ao Exército Sírio Livre (ESL), há desertores e há quem se oponha ao regime de Assad, mas, sobretudo, o ESL está infestado de mercenários estrangeiros armados pelo Conselho de Cooperação do Golfo, especialmente gangues salafistas.

Seja como for, o CCGOTAN, impedido de aplicar na Síria o modelão padrão de implantar “democracia” à custa de bombardear até destruir o país sendo isso necessário para livrar-se do ditador-do-mal proverbial, não se deixará paralisar. A Casa de Saud e o Qatar, líderes do CCG, já desmentiram e desqualificaram o próprio relatório dos próprios monitores, e já partiram, desembestados, para decidir, de vez, a questão: trabalham hoje para impor mudança de regime na Síria, como interessa ao CCGOTAN, usando o Conselho de Segurança da ONU como seu instrumento.

Assim se vê claramente que o atual movimento “liderado pelos árabes para assegurar solução pacífica a dez meses de conflitos” na Síria, através da ONU, nada é além de evidente tentativa de derrubar o governo sírio, o que se chama hoje ‘mudança de regime’. A discussão prossegue.

Até aqui, os suspeitos de sempre – Washington, Londres e Paris – já foram obrigados a garantir à comunidade internacional que não se trata de obter autorização da ONU para que a OTAN destrua a Síria como destruiu a Líbia. A secretária de Estado Hillary Clinton defende o golpe como “uma via para transição política, que preservará a unidade e as instituições sírias”.

Mas Rússia e China, dois BRICS, estão vendo as coisas como as coisas são. Um terceiro BRICS – a Índia – além do Paquistão e da África do Sul, também já levantou sérias objeções ao projeto de resolução que o CCGOTAN tenta impor ao Conselho de Segurança da ONU.

Não haverá outra zona aérea de exclusão à moda líbia; afinal, o regime de Assad não está usando aviões Migs contra civis. Qualquer resolução para mudança de regime na Síria será vetada por Rússia e China. O próprio bloco CCGOTAN está desarranjado, porque os diferentes subgrupos – Washington, Ancara e o duo Casa de Saud/Doha – têm diferentes agendas geopolíticas de longo prazo. Isso, para nem falar de um parceiro comercial e vizinho crucialmente importante da Síria, o Iraque, que também se opõe a qualquer esquema para mudança de regime.

Tudo isso considerado... Por que a Casa de Saud e o Qatar, tão interessados em “democracia” na Síria... Por que não usam todo o seu imponente arsenal de armas norte-americanas para, na calada da noite – como fizeram no Bahrain – invadir a Síria e executar a tal “mudança de regime”, eles mesmos?

Postado por Castor Filho às 2/03/2012 12:31:00 REDECASTORPHOTO
Democracia, segurança pública e a coragem para agir na política

Democracia, segurança pública e a coragem para agir na política

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Crédito: Boitempo
Edson Teles.

Democracia com violência de Estado e especulação imobiliária: duas questões cruciais que nos chamam a atenção nos recentes episódios de ação da Polícia Militar do Estado de São Paulo, para “restabelecer a ordem e a legalidade”, os quais se configuraram como violentos e sem eficácia do ponto de vista do interesse público.

A chamada Cracolândia (nome aparentemente cunhado pela grande mídia que, de certo modo significante, remete a um lugar de diversões, a estilo do nome do parque Disneylândia) e o bairro Pinheirinho, em São José dos Campos, têm algo em comum além do fato de terem sido o palco das recentes violações de direitos sofridas por parte de uma parcela da população que parece não ter “direito a ter direitos” (nas palavras críticas de Hannah Arendt). Ambos os locais possuem em comum o fato de serem áreas de forte especulação imobiliária.

Os usuários de crack do centro de São Paulo encontram-se na região que o governo definiu para a execução do projeto “Nova Luz”, em referência ao discurso que assinala esta área como decadente, repleta de marginais, abandonada, suja… Neste projeto higienista, a Prefeitura pretende vender ao sistema privado o direito de desapropriar e estabelecer as prioridades da nova ocupação do bairro de acordo com interesses particulares, em detrimento do bem público. A área classificada pelos governos como abandonada sedia um dos maiores centros brasileiros de comércio de equipamentos eletrônicos e de informática. Quem já foi à Santa Efigênia, ou mesmo à rua 25 de março, constata, ao contrário, a decadência da presença do poder público, com ausência de serviços essenciais, inclusive os de saúde pública, como a limpeza das ruas. A ação repressiva da PM somente espalhou os chamados craqueiros para outros locais da região central, passando longe de ser solução, mas abrindo a possibilidade de formalizar o “progresso” imobiliário e comercial da região.

No bairro Pinheirinho, o conhecido especulador financeiro Naji Nahas detém, por meio de uma empresa falida, de sua propriedade, a área de moradia de quase 1.600 famílias. Pertencente a um casal de alemães mortos em 1969, não se sabe ao certo como o terreno, de posse do Estado por falta de herdeiros legais, acabou como propriedade de Nahas. Sabemos que o Estado, via decisão de uma juíza de São José dos Campos, confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou o despejo deste enorme contingente de pessoas, sem lhes garantir o direito à moradia, autorizando jogá-las na incerteza da ausência de um teto, inclusive com o uso de cassetetes, balas de borracha e gás de pimenta. Autorizado pelas leis, o governo optou pela violência em lugar de discutir uma alternativa de moradia ou mesmo de permanência no local.

Em várias ocasiões, na história da humanidade, pudemos ver a cena de pessoas amontoadas, crianças, idosos, doentes, sem seus pertences. Normalmente, fruto de algum tsunami ou catástrofe natural, ou mesmo de uma guerra. Em Pinheirinho, vimos a mesma cena, contudo, provocada pelo Judiciário e pelo governo do Estado, com o apoio do aparato repressivo da Polícia Militar. É chocante.

De fato, o poder público, aliado ao interesse privado da especulação, coloca-se favorável a uma ideia da expansão imobiliária como sinal de desenvolvimento. É histórico, em qualquer área urbana, que tais “reformas” levam a uma valorização financeira do metro quadrado, lançando a população pobre para além dos limites das atuais condições já precárias de moradia. Para que o projeto especulativo se concretize nestas áreas é necessário limpá-las da presença dos pobres. Leiam o comentário postado na página da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo:

“Após a limpeza, já era possível circular tanto a pé como de carro pelas alamedas Cleveland, Dino Bueno e Glete e a rua Helvétia, que ficam no entorno da praça Júlio Prestes. Locais que eram usados como esconderijos e moradia dos usuários de drogas foram desocupados e estabelecimentos comerciais funcionavam normalmente.” (03.01.2012)

Experimentamos, nestes casos, uma clara demonstração de um projeto autoritário para as relações entre o poder público (podemos ler, inclusive, o Estado de Direito) e a população. Apesar de a Constituição brasileira tratar o direito à moradia como absoluto e o direito à propriedade como relativo à sua função social, o Estado, por meio de seus diversos poderes, em caso de conflito, tem atuado em favor do “desenvolvimento”. Para tanto, tem feito uso sistemático, especialmente em São Paulo, de uma Polícia Militar cada vez mais violenta (nunca esta instituição matou tanto na última década quanto no ano de 2011!) e repressiva (espanca estudantes da USP dentro do campus). Sua organização e disciplina, subordinadas ao comando do Exército, são regidas pelas mesmas regras impostas pela Constituição outorgada pela ditadura em 1969. Com a mudança do regime de exceção para a democracia, não houve a revisão ou reforma das instituições ligadas à segurança nacional e pública, mantendo nestes setores uma ideologia agressiva com a população não proprietária e garantindo a impunidade para as violências praticadas por seus agentes.

Tal situação evidencia o modelo que os setores patrimonialistas e da elite brasileira, com a anuência da classe média e o silêncio amedrontado de uma parcela da esquerda que perdeu seus compromissos de classe, escolheram para uma democracia limitada, muitas vezes de fachada com um verniz reluzente, outras vezes com características autoritárias.

Vivemos um momento grave de nossa vida social em que precisamos refletir sobre qual democracia queremos e, mais do que isto, agir com radicalidade para denunciar um modo autoritário e manipulador de se fazer política. Conflitos como os vividos neste mês de janeiro em São Paulo demandam daqueles que se sentem ofendidos por tamanha violência uma atitude corajosa de ruptura com o modelo conciliatório da transição “lenta, gradual e segura”, sob o qual construímos o nosso Estado de Direito.

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Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pela Boitempo, organizou com Vladimir Safatle a coletânea de ensaios O que resta da ditadura: a exceção brasileira (2010). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

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Para aprofundar a discussão sobre a herança social, política e cultural da ditadura militar, recomendamos a leitura de O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), coletânea de ensaios organizada por Edson Teles e Vladimir Safatle, agora também disponível à venda em ebook nas livrarias Cultura e Gato Sabido.

5 de fevereiro de 2012

PCB participa de ato nacional em solidariedade ao Pinheirinho

PCB participa de ato nacional em solidariedade ao Pinheirinho

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Cerca de cinco mil pessoas participaram neste dia 2 de fevereiro do ato nacional em solidariedade à comunidade de Pinheirinho, assentamento de sem teto composto por 1.600 famílias na cidade de são José dos Campos, em São Paulo. O assentamento foi invadido no mês passado pela Polícia Militar do governo Alckmin e todos os moradores foram desalojados brutalmente, tendo suas casas sido destruídas num verdadeiro ato de guerra contra a população.

O ato nacional contou com a participação unitária de quatro centrais sindicais, a Conlutas, as duas intersindicais, o MST, a CUT, o MTST, centenas de sindicatos e movimentos sociais e populares de vários Estados do Brasil, além de partidos políticos, como o PSTU, o PCB, o PSOL e o PT, delegações internacionais e outras organizações de esquerda e revolucionárias do país. Durante o ato foram lidas ainda mensagem de várias organizações sindicais e populares do Brasil e do exterior, além de organizações de solidariedade de vários países.

A manifestação começou com uma concentração na Praça Afonso Pena, quando falaram aos manifestantes as várias organizações do movimento popular. Depois os manifestantes seguiram por quatro quilômetros em passeata, cantando palavras de ordem contra a repressão e de solidariedade aos moradores de Pinheirinho, tais como “Quem luta, não está sozinho, somos todos Pinheirinho”.

Posteriormente, os manifestantes se concentraram em frente à prefeitura Municipal de São José dos Campos, onde falaram as organizações nacionais, como a Conlutas, as duas Intersindicais, Unidos Prá Lutar, representante dos moradores de Pinheirinho e os partidos políticos como o PSTU, o PCB, o PSOL e o PT. Representado no ato por uma delegação de companheiros, falou no ato em nome do PCB o camarada Edmilson Costa, membro da Comissão Política do Comitê Central, que afirmou que a repressão pode ter destruído as casas dos moradores, mas não destruiu a solidariedade e a resistência dos trabalhadores.

“Prova disso é este ato unitário está reunindo operários, camponeses, os movimentos sociais e os partidos de esquerda”.

O ato nacional significou um importante momento de unidade de ação das forças do movimento popular e dos partidos de esquerda e indicou concretamente que somente a unidade do bloco de forças populares e revolucionárias é capaz de derrotar as forças conservadoras e o capital no Brasil.

Cuba bombardeou o Haiti com médicos - Uma verdade escondida da Internet

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Uma verdade escondida da Internet

AMELIA DUARTE DE LA ROSA, enviada especial ao Haiti

Há vários dias, circula na Internet um infográfico que o Cubadebate divulgou em seu portal, para mostrar o apoio de muitos às mentiras expostas sobre a Ilha em meio à nova campanha midiática anti-cubana. A imagem, publicada em vários sites, foi criada em abril de 2010 pelo designer e blogueiro madrilense Francisco Arnau.

Com o título Haiti: tem quem te ajuda e tem quem te USA, Arnau colocou no seu blog Ciudad Futura e na rede social Twitter a ilustração que exterioriza o que os jornalistas Emily J. Kirk e John M. Kirk chamaram, em um artigo, um dos segredos melhor guardados do mundo: a cooperação médica cubana no Haiti.

Os veículos informativos internacionais ignoraram durante anos os esforços e a solidariedade de Cuba. Em compensação, souberam sim dar cobertura, insuflar e tergiversar acontecimentos para satanizar a Ilha. A presença da colaboração médica durante 13 anos no Haiti é um dos esforços vítimas do silenciamento e a censura midiática arbitrária e premeditada.

Logo depois do terremoto, quando a tragédia do Haiti encabeçava as manchetes de todas as notícias, vários governos e organizações não governamentais aproveitaram a circunstância para se mostrar caridosos e ganhar pontos no protagonismo humanitário. No entanto, apesar de 744 médicos cubanos estarem trabalhando nesta terra em janeiro de 2010 —produto da colaboração iniciada em 1998, quando o furacão George arrasou o país—, a imprensa apresentava a ajuda norte-americana como a primeira na fila de respostas.

Em uma reportagem publicada em 2010, Emily J. Kirk e John M. Kirk dizem que: "A cobertura informativa da cooperação médica cubana após o devastador terremoto do Haiti foi certamente escassa. Enquanto a Fox News cantava os louvores da ajuda norte-americana na reportagem intitulada Eua encabeça a resposta global ao terremoto do Haiti, a CNN também retransmitia centenas de notícias e, de fato, uma delas girava em torno a um médico cubano ao que, no entanto, dizia ser um médico espanhol".

Mais adiante, mencionam que em março de 2010 "o site da CNN, por exemplo, tinha 601 notícias do terremoto no Haiti, das quais somente 18 aludiam (superficialmente) à ajuda cubana. De maneira similar, o The New York Times e o The Washington Postpublicaram 750 reportagens sobre o terremoto e a ajuda prestada, mas nenhuma expunha o mais mínimo detalhe da ajuda cubana. A função desempenhada pelos médicos cubanos, porém, foi na verdade extraordinariamente importante".

Outro artigo publicado no Kaos en la red, escrito por José Manzaneda, explica que "os cooperadores da brigada médica cubana no Haiti foram a assistência sanitária mais importante ao povo haitiano durante as primeiras 72 horas após o terremoto. Esta informação foi censurada pelos grandes meios de comunicação. No dia 15 de janeiro, o jornal El País publicou um infográfico sobre a ayuda financeira e as equipes de ajuda, na qual Cuba nem sequer aparecia entre os 23 estados que deram colaboração. A rede norte-americana Fox News chegou a afirmar que Cuba é dos poucos vizinhos do Caribe que não deram ajuda.

Até Steve Clemons, que dirige um dos principais programas da New America Foundation, e é editor do blog político The Washington Note escreveu, poucos dias depois do terremoto, um artigo onde dizia que: "Cuba se converteu em um provisor nato de ajuda frente às catástrofes, com programas de assistência médica em todo o mundo". O especialista também recomendou que os EUA deveriam reconhecer a ajuda de Cuba ao Haiti e retirar a Ilha da lista de países terroristas.

Não obstante, uma rápida busca na web sobre a ajuda de Cuba no Haiti durante o terremoto e a epidemia de cólera não traz resultados de notícias procedentes das grandes agências de notícia ou de corporações midiáticas. Nem sequer aparece quando, em abril de 2011, o ex-presidente norte-americano William Clinton, enviado especial da ONU ao Haiti, admitiu a importância da colaboração cubana no empobrecido país. A busca também não mostra que há mais de um ano, nenhum haitiano atendido pelos médicos cubanos morre de cólera.

No entanto, ainda que os meios de comunicação ignorem a ajuda de Cuba, o governo haitiano não fez o mesmo. Em sua visita mais recente a nosso país [Cuba], o presidente Michel Martelly agradeceu a colaboração cubana —uma das poucas que ainda permanecem e continuará no Haiti, apesar de qualquer tentativa de manipulá-la ou desconhecê-la.

Fonte: Traduzido do Granma.
O passado que a Argentina enfrenta com a coragem que o Brasil não tem

O passado que a Argentina enfrenta com a coragem que o Brasil não tem

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Crédito: ConversaAfiada


Luiz Cláudio Cunha - Especial para Sul21

A frase inesperada congelou a plateia colorida de azul, branco e marrom cáqui que lotava na segunda-feira, 12 de dezembro, o Salão San Martín, o espaço nobre do Edifício Libertador, sede do comando do Exército em Buenos Aires.  Perfilados diante do ministro da Defesa, Arturo Puricelli, os brigadeiros, almirantes e generais do Alto Comando das Forças Armadas argentinas ouviram, crispados, a sentença súbita e cortante da autoridade que subvertia o rígido protocolo castrense:

—  Juro por la pátria, mi madre y los 30 mil desaparecidos! - improvisou o advogado e diplomata Alfredo Waldo Forti, 61 anos, ao prestar o juramento de praxe para renovar seu mandato como Secretário de Assuntos Internacionais da Defesa. Nenhum militar aplaudiu, mas nenhum protestou. Todos respeitaram a frase atrevida de Forti, que dava ali o seu corajoso testemunho pessoal diante da corporação fardada que legou à Argentina, no período da chamada ‘guerra suja’ de 1976 a 1983, o desonroso título de ditadura mais sangrenta entre os regimes militares que sufocaram a democracia no Cone Sul do continente, na segunda metade do Século 20.
Nélida Azucena Sosa de Forti: presa no avião quando saía do país com os 6 filhos

Forti e sua mãe são símbolos dessa violência - ele como sobrevivente, ela como um nome a mais na multidão de desaparecidos políticos no período da repressão militar. A bela morena Nélida Azucena Sosa de Forti, ex-integrante dos Montoneros, o movimento guerrilheiro da esquerda peronista, tinha acabado de embarcar no voo 284 da Aerolíneas Argentinas que sairia do aeroporto de Ezeiza rumo a Caracas, na manhã de 18 de fevereiro de 1977.

Fugindo do clima político cada vez mais fechado do país, desde o golpe militar desfechado um ano antes, Azucena levava consigo os seis filhos, de 6 a 16 anos, incluindo Alfredo, o mais velho. Já com os cintos afivelados para a decolagem, tiveram que desembarcar, chamados de repente para resolver ‘problemas de documentação’. A mãe e as crianças foram recebidas por agentes armados da polícia de Buenos Aires, subordinada ao Primeiro Corpo de Exército. Com os olhos vendados, foram colocadas em dois carros e levadas para o Pozo de Quilmes, um quartel da Brigada de Investigações da polícia localizado numa cidade da região metropolitana, ao sul da capital.
Forti para Bussi: "Não tenho problema nenhum em cravar a faca cinco vezes em você. Mas a formação que recebi de minha mãe me diz que esta não seria a maneira certa"

Uma semana depois, as crianças reapareceram, vendadas com lençol e amarradas na árvore de uma praça no Parque Patrícios. Azucena ainda foi vista por um prisioneiro de Quilmes na primeira semana de março, até ser transferida para a chefatura de polícia de San Miguel de Tucumán, sua cidade de origem, 1.300 km a noroeste de Buenos Aires. A ordem de prisão e transferência para Tucumán partiu do general Antonio Domingo Bussi, que comandava a repressão mais feroz à guerrilha rural mais ativa do país na menor província da Argentina.

Azucena foi vista com vida, pela última vez, no centro clandestino de detenção conhecido como Arsenales, na saída norte da cidade, onde funcionava a Companhia de Arsenais Miguel de Azcuénaga, da V Brigada de Infantaria. Era um típico campo de concentração, cercado por duas cercas de alambrado separadas por uma faixa de terra vigiada por soldados e cães e altas torres de sentinelas.

Alfredo Forti e seus cinco irmãos nunca mais tiveram notícias de Azucena. No final da década de 1990, advogado com banca em Washington e consagrado assessor político dos governos do Peru, Equador e Guatemala, ele descobriu que dividia casualmente o mesmo voo da Aerolíneas com o algoz de sua mãe, Bussi, então um septuagenário general reformado. Naqueles tempos, a refeição era servida com talheres de metal, não de plástico. Em pleno voo, Forti deixou sua poltrona e foi até onde se sentava o general. Sem se apresentar, inclinou-se sobre ele, entreabriu o paletó e lhe disse:
Até o parceiro norte-americano exigia explicações sobre a mãe de Forti

— Estás vendo esta faca? Não tenho problema nenhum em cravá-la cinco vezes em você. Mas a formação que recebi de minha mãe me diz que esta não seria a maneira certa de resolver as coisas. Eu quero te ver apodrecer no cárcere! - amaldiçoou Forti, deixando para trás, tremendo, o homem que fazia a Argentina estremecer na década de 1970.

Caso americano
O nome de Bussi fazia abalar o prestígio da Argentina até nos Estados Unidos, no auge da ditadura. O National Security Archive da Universidade George Washington revelou, em 2002, o conteúdo de 4.600 documentos secretos do Departamento de Estado que abordavam violações de direitos humanos no país. O telegrama 04997 que a Embaixada em Buenos Aires enviou a Washington, no dia 29 de junho de 1978, relacionava os nomes de 103 pessoas das quais o governo norte-americano exigia informações. Um dos “casos de direitos humanos de interesse para os Estados Unidos” era o nº 71-77-5, de Nélida Azucena Sosa de Forti, com o status de “desaparecida”.
Cópia do telegrama da embaixada

Azucena e milhares de compatriotas começam a desaparecer quando emerge, no mapa argentino, a sinistra figura do CCD. É a sigla dos Centros Clandestinos de Detenção, instalações secretas das Forças Armadas para executar o mesmo plano que Adolf Hitler, em 1941, batizou poeticamente de Nacht und Nebel (Noite e Névoa): um projeto de Estado para o desaparecimento de opositores ao regime. Os generais argentinos, como seus confrades nazistas, programaram a eliminação física dos dissidentes numa operação que começava com os sequestros, geralmente sob o manto da noite, e depois se completava pela névoa do desaparecimento sem pistas, sem rastros.

Havia método na loucura, como bradava Hamlet. Os CCD, apesar das diferenças, tinham uma estrutura básica e eficiente: uma ou duas salas de tortura, alojamento decente para abrigar os guardas e torturadores e espaço amplo e indecente para receber os presos. Todos tinham serviço médico e, em alguns casos, até um capelão para atender a consciência pesada dos mantenedores da ordem.

Inspiração brasileira

Começaram em meados da década de 1970 como pequenas casas ou porões clandestinos e, à medida que endurecia o regime, cresciam os CCD, espalhados pelos maiores quartéis do país, todos engolfados no turbilhão da tortura. Em 1976, ano do golpe de 24 de março, 610 CCD assombravam o país. Havia 68 deles só na província de Buenos Aires, 13 apenas na capital - incluindo os notórios CCD da ESMA, a temida Escola de Mecânica da Armada, e do Campo de Mayo, o maior quartel do país.
Bussi: uma das mais terríveis faces da repressão argentina.

A província de Tucumán, onde reinaria o general Bussi, tinha 16 CCD, a metade deles apenas na capital, San Miguel, terra onde nasceu a cantora Mercedes Sosa e onde desapareceu Azucena. Era um número espantosamente grande de terror disseminado por um único país. Os CCD excediam, em número, aos DOI-CODI da ditadura no Brasil (1964-1985), um país três vezes mais extenso, quase cinco vezes mais populoso e assolado por um regime de arbítrio três vezes mais longevo do que a da ditadura na Argentina (1976-1983).

A receita brasileira surgiu bem antes, em 1969, com a modelar OBAN, a Operação Bandeirante do II Exército, em São Paulo, que inovou unindo inteligência e violência das Forças Armadas, da Polícia Militar e dos policiais mais truculentos das delegacias da capital, onde despontou a liderança do delegado Sérgio Fleury, que se tornaria o símbolo internacional da repressão brasileira como estrela maior do DOPS.

Um ano depois, a fórmula de sucesso foi definitivamente militarizada, sob o comando do Exército, com a criação dos Destacamentos de Operações de Informações, os DOI do serviço sujo, que saíam às ruas para combater, sequestrar e torturar os militantes da guerrilha urbana. Eram coordenados pelos Centros de Operações de Defesa Interna, os CODI. Nascia a marca mais letal do regime brasileiro: os DOI-CODI, parceria macabra que se estendia pelos dez mais importantes comandos militares do país, nas grandes capitais.

Essa dezena de repartições públicas do terror, na estimativa do historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de Como eles agiam - os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política (ed. Record, 2001), abrigava cerca de 1.000 pessoas diretamente envolvidas com a repressão e a tortura - a quinta parte do efetivo do SNI, 5.000 arapongas, no auge do Governo Figueiredo. Antecipando os CCD argentinos, os militares brasileiros ainda montaram sete centros clandestinos de tortura em cinco Estados diferentes.
DOI-CODI Hilton e CCD Sheraton, maus locais de hospedagem

Hilton e Sheraton

Um sítio em Sergipe, um apartamento em Goiânia, uma casa no Recife, três locais em São Paulo (uma casa na avenida 23 de Maio, um sítio em Atibaia e uma chácara em Parelheiros, na zona rural paulistana) e a ‘Casa da Morte’, uma residência de aspecto acolhedor, com varanda e lareira na sala, numa rua tranquila de Petrópolis, na serra fluminense. O lugar, como um superlativo dos horrores comandados pelo CODI, ganhou um cifrado apelido dos militares que o frequentavam: “Codão”.

Os DOI-CODI mais importantes estavam nas duas maiores cidades brasileiras. O do Rio de Janeiro, instalado no quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, registrou 735 denúncias de torturas, segundo o projeto Brasil Nunca Mais. Num espaço de 21 meses, entre julho de 1972 e março de 1974, quando o I Exército era comandado pelo general linha-dura Sylvio Frota, morreram ali 29 presos. O maior e mais notório DOI-CODI do país era o de São Paulo, com 250 homens da PM e da polícia civil, integrado ainda por 10 oficiais do Exército, 25 sargentos e cinco cabos sob o comando de seu fundador, o major Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Ele redesenhou o 36º Distrito Policial, uma decadente delegacia a cinco quadras do ginásio do Ibirapuera, para instalar ali o DOI-CODI que se tornou o símbolo mais sangrento do regime: passaram por lá 2.541 ‘subversivos’ e 51 ‘terroristas’ morreram trocando bala com sua equipe barra-pesada, na heroica versão do próprio Ustra. Nos 40 meses em que o major reinou ali, entre 1970 e 1974, houve 502 denúncias de tortura (uma a cada 60 horas) e 40 mortos (um por mês) nos interrogatórios, segundo levantamento da Arquidiocese de São Paulo.

O centro de torturas de Ustra ficava na esquina da rua Tutóia com Tomás Carvalhal. Quando um preso era levado para lá, os agentes do DOI-CODI brincavam com a fama do lugar: “Agora você vai conhecer o Tutóia Hilton“, diziam. O que era Hilton, no Brasil, era conhecido como Sheraton na Argentina. O CCD Sheraton funcionava na subcomissaria de polícia de Villa Insuperable, em La Matanza, o mais populoso dos municípios da região metropolitana de Buenos Aires, onde vivem 13 milhões de pessoas, a maior aglomeração do continente, abaixo só de São Paulo.
O ministro Martinez de Hoz, com um CCD (Centro Clandestino de Detenção) em sua empresa

Era um prédio de dois andares, com a garagem e as celas no térreo e a sala de tortura no andar superior, situado a quatro quadras da avenida General Paz, uma movimentada via de 24 km de extensão que margeia a capital ao norte e a oeste.  Um CCD chegou a funcionar em 1975 na maior siderúrgica do país, a Acindar, presidida por José Alfredo Martinez de Hoz, a versão portenha de Delfim Netto, o poderoso ministro da Economia ao longo dos cinco anos do brutal governo do general Jorge Videla.

A patota dos Falcon

Talvez para amenizar a sombra que pairava sobre os CCD, os generais da névoa argentina lhes outorgavam codinomes ou apelidos singelos, quase inocentes, que camuflavam sua lúgubre destinação: El Campito, La Perla, Los Plátanos, El Banco, El Chalecito, La Casita de Los Mártires, El Olimpo, El Motel, La Escuelita para Mudos.  Como os DOI brasileiros, os CCD argentinos contavam com seus grupos de busca e apreensão, os GT (ou grupos de tarefas), conhecidos como patotas.
Milhares de retratos em branco e preto que jamais foram atualizados | Foto-montagem de Emmanuel Frezzotti / Flickr

A eles cabiam a captura dos subversivos, circulando pelas ruas das cidades nos temidos sedã Ford Falcon azul ou verde, quatro portas, que formavam a frota da repressão. Os presos eram detidos, encapuzados, algemados e levados ao CCD para a tortura, praticada pela mesma patota, durante um ou dois meses.  Após este período, os detidos simplesmente desapareciam, sumiam.

Como toda ditadura, a argentina recriava o idioma para ocultar sua maldade. Ninguém era preso, apenas chupado, eufemismo militar para quem era preso. Entre os repressores, os CCD eram conhecidos como chupaderos. Da mesma forma, ninguém morria. Os detidos que eram desaparecidos passavam apenas por um translado.  Não importava a forma final utilizada, fuzilamento em massa, fossa comum, incineração de cadáver ou uma tumba com a lápide NN (no nombrado), todos eram apenas transladados.
Pichação num muro de Buenos Aires

Quem tivesse o azar de ser sugado por um chupadero dos CCD dificilmente escaparia do translado. No CCD El Olimpo, num bairro do lado oeste, a 100 metros da agitada avenida Rivadavia que atravessa Buenos Aires, foram chupados cerca de 700 homens e mulheres. Menos de 50 saíram vivos dali. Na ESMA, a escola de morte da Marinha na capital argentina, passaram mais de 5.000 presos, dos quais sobreviveram pouco mais de cem. O CCD El Campito foi instalado no coração do maior quartel argentino, o Campo de Mayo, a 30 km do centro de Buenos Aires. Ali sobreviveram apenas 43 dos 5.000 detidos chupados pela repressão. Ele tinha um requinte a mais: o hospital militar utilizado para os partos clandestinos nas prisioneiras. Após o nascimento, o bebê era chupado para famílias dos militares e a mãe, usualmente, era submetida ao translado inapelável. Cerca de 500 bebês, sequestrados de pais desaparecidos, fazem parte desta tétrica estatística argentina.
"Temos que matar e aniquilar a todos os guerrilheiros", ordenou Isabelita Perón

O primeiro CCD do país surgiu, por ironia, na terra natal da transladada Azucena. Em 1975, ainda antes do golpe de Videla, o Exército aproveitou o prédio inacabado de uma escolinha na saída oeste da cidade de Famaillá, a 40 km da capital de Tucumán, San Miguel, para instalar o seu primeiro centro clandestino, que passou à história como La Escuelita.  Das oito salas de aula, sete viraram celas e a última, o local de tortura. A menor província do país estava agitada, como foco guerrilheiro escolhido pelo grupo trotskista ‘Exército Revolucionário do Povo’ (ERP) para confrontar o regime da presidente Isabelita Perón, aproveitando a geografia montanhosa da região aos pés dos Andes.

Genera Vilas, linha duríssima superada por Bussi

A sanha de Isabelita

O governo lançou a ‘Operação Independência’, para reprimir a guerrilha do ERP, sob a chefia do general Acdel Edgardo Vilas, comandante da V Brigada de Infantaria de Montanha, baseada em Tucumán. Linha duríssima, ele confiava mais na bala do que na lei: “É mais fácil passar um camelo pelo buraco da agulha do que condenar um subversivo num tribunal”, avisava Vilas. Pela agulha do CCD de Famaillá passaram, nas contas do general, 1.507 pessoas, mas cálculos mais realistas falam em mais de 2.000 pessoas.

La Escuelita já operava com força quando a presidente da República visitou o Comando Tático de Famaillá, a cinco quadras dali, para insuflar a sanha assassina dos militares: “Temos que matar e aniquilar a todos os guerrilheiros”, ordenou Isabelita, com ímpeto chupadero, meses antes dela mesmo ser transladada do poder pelos companheiros de armas de Vilas.

Bussi logo encontrou o que fazer

Uma investigação posterior de parlamentares apurou que, sob o comando do general, Tucumán assistiu a 123 sequestros de opositores - dos quais 14 foram assassinados e 77 simplesmente desapareceram, transladados. Quando o general Antonio Domingo Bussi chegou para assumir o comando, no final de 1975, lamentou-se com seu antecessor: “Vilas, você não me deixou nada por fazer!…”.

Modéstia de Bussi. Entre 1976 e 77, o general fez três vezes mais do que Vilas: aconteceram 371 desaparecimentos na província - 194 deles supostos militantes Montoneros ou meros simpatizantes. Numa comissão de investigação parlamentar, Osvaldo Humberto Pérez - que foi chupado pelo CCD Arsenales e, ao contrário de Azucena, sobreviveu - contou que ali, no espaço de um ano, foram fuziladas entre 800 e 1.000 pessoas. Em abril de 1976, o lugar ganhou o reforço de 40 soldados enviados desde Campo de Mayo.

Um deles, Omar Eduardo Torres, depondo na década de 1980 perante a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), presidida pelo escritor Ernesto Sábato, contou como era a vida (e a morte) no CCD Arsenales, subordinado diretamente ao general Bussi.

— Uma vez vi como um preso desnudo era enterrado vivo, só com a cabeça fora do buraco, com a terra em volta molhada para ser compactada com os pés. O preso ficava lá 48 horas. O buraco provocava cãibras dolorosas e infecções na pele. Por duas vezes presenciei fuzilamentos ali, e quem efetuava o primeiro disparo era o general Antonio Bussi. Depois ele fazia com que todos os oficiais de maior hierarquia atirassem também. O local das execuções estava localizado a uns 300, 400 metros da Companhia de Arsenais, montanha acima. Estendiam um cordão de segurança a uma distância de 20 metros e outro a uns 100 metros do local. Os disparos eram feitos com pistolas calibre 9 mm ou 11.25 mm, sempre entre as 23h e 23h30. A cada 15 dias se assassinavam entre 15 a 20 pessoas - relatou o soldado Torres.

A coisa certa

O ex-soldado Domingo Jerez garantiu ao juiz Carlos Jiménez Montilla, em fevereiro de 2010, que testemunhou o general Bussi matar a bordoadas a dois homens em um campo de concentração em Timbó Viejo, localidade ao norte de San Miguel, na rodovia 305. “Vi quando colocaram o cano de um fuzil na vagina de uma mulher grávida”, contou o soldado.

O general Bussi no tribunal

Bussi trocou La Escuelita pelo CCD Nueva Baviera, um velho engenho de açúcar dotado de heliporto e vários caminhões para transporte de tropas e prisioneiros. Ele descentralizou a tortura e ampliou suas patotas. Atacou com bombas a universidade local, os partidos, os opositores. Advogados, sindicalistas e políticos foram alvo de sequestro, prisão e tortura. Bussi, como se via, ainda tinha muito que fazer. Dono de um par de olhos azuis frios como as rajadas que sopravam dos Andes, Bussi mantinha a cara fechada, casmurra, apropriada para aqueles tempos azedos. Seu braço longo cruzou a longa distância até Buenos Aires para alcançar a montonera Azucena minutos antes de alçar voo para a liberdade.

Alfredo Forti abriu processo contra o general Bussi em 2005

O secretário Alfredo Forti, o garoto sequestrado por ordem de Bussi, abriu um processo contra o general em 2005, depois que o Governo Kirchner revogou as anistias do Ponto Final e da Obediência Devida, que deixavam impunes os torturadores. Assim, outros 800 processos por sequestro, tortura e morte, antes engavetados, voltaram a assombrar o velho general, que passou a frequentar os tribunais como uma caricatura de seu decrépito poder, envelhecido, enfraquecido por doenças dos pulmões e do coração, com uma sonda de oxigênio sempre enfiada no nariz.

Bussi: "Não nego, nem afirmo"

Acossado também por denúncias de contas clandestinas no exterior, respondia ao melhor estilo Maluf: “Não nego, nem afirmo”. Em 2003, eleito para a prefeitura de San Miguel, a cidade que ele aterrorizou na ditadura, foi impedido de assumir o cargo, acusado pelo desaparecimento e morte do senador peronista Guillermo Vargas Aignasse.

Foi denunciado também por crimes de lesa humanidade e pelo desaparecimento de outras 72 pessoas, o que lhe rendeu a prisão perpétua em agosto de 2008. O chefe temido da repressão argentina foi destituído com desonra do Exército. Não conseguiu ver as outras condenações iminentes, porque o coração enfim falhou, em novembro passado, determinando o seu translado irremediável aos 85 anos.

Um único deputado de Tucumán animou-se a pagar o anúncio de falecimento num jornal local, assim mesmo com o estrito cuidado de citar o nome do filho vivo, não do pai morto: “O deputado Alberto Colombres Garmendía participa com dor o falecimento do pai do deputado Ricardo Bussi”.

O secretário de Assuntos Internacionais da Defesa, Alfredo Waldo Forti, não viu o sequestrador de sua mãe apodrecer no cárcere, como imaginava.

O filho de Azucena viu coisa pior: o general Antônio Bussi, como acontece com os criminosos de todas as ditaduras, apodreceu em vida, chupado pela memória de seus abusos, cravado pela lâmina aguda dos tribunais e da Justiça.

Como ensinava Azucena a seus filhos, é a maneira correta de resolver as coisas num país que respeita sua história, sua memória, seu povo.

* Luiz Cláudio Cunha é jornalista.

Carta a Stalingrado [*]

Carta a Stalingrado [*]

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Crédito: Resistir.info

Carlos Drummond de Andrade

Stalingrado...

Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!

O mundo não acabou, pois que entre as ruínas

outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,

e o hálito selvagem da liberdade

dilata os seus peitos, Stalingrado,

seus peitos que estalam e caem,

enquanto outros, vingadores, se elevam.

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.

Os telegramas de Moscou repetem Homero.

Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo

que nós, na escuridão, ignorávamos.

Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,

na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,

no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,

na tua fria vontade de resistir.

Saber que resistes.

Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.

Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.

Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.

Saber que vigias, Stalingrado,

sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes

dá um enorme alento à alma desesperada

e ao coração que duvida.

Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!

As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.

Débeis em face do teu pavoroso poder,

mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,

as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,

aprendem contigo o gesto de fogo.

Também elas podem esperar.

Stalingrado, quantas esperanças!

Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!

Que felicidade brota de tuas casas!

De umas apenas resta a escada cheia de corpos;

de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.

Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,

todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,

mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,

ó minha louca Stalingrado!

A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,

apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,

caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,

sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?

Uma criatura que não quer morrer e combate,

contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,

contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,

contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,

e vence.

As cidades podem vencer, Stalingrado!

Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.

Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.

Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,

a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.

(*) - Nota dos editores: em 2 de Fevereiro de 1943 se deu a rendição nazista ao Exército Vermelho, na Batalha de Stalingrado.
OPORTUNISMO E DOGMATISMO

OPORTUNISMO E DOGMATISMO

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Crédito: PCV
Tribuna Popular TP – ROMPIENDO MATRICES ANTICOMUNISTA/Miguel Alonso Pérez

Movimento Comunista Internacional

A burguesia reacionária não cessa seu esforço para enfraquecer o movimento comunista com um trabalho de miná-lo por dentro. Para isso, joga grandes esperanças na utilização, em proveito próprio, das divergências que podem surgir no seio dos Partidos e na propagação de ideias oportunistas entre os membros do Partido pouco firmes politicamente.

As fileiras dos Partidos se nutrem constantemente não só de operários avançados, mas também com elementos pouco maduros, entre eles os oriundos das camadas médias. Estes, querendo ou não, trazem aos Partidos os seus preconceitos e as suas extravagâncias. Sempre existe a possibilidade objetiva de que nos Partidos Comunistas penetrem influências burguesas e pequeno-burguesas, concepções oportunistas que levam ao desânimo e à desconfiança no triunfo de uma nova sociedade. Daí a justificativa para que a luta pela pureza da ideologia marxista-leninista seja uma lei cabal na existência e desenvolvimento dos Partidos Comunistas.

A ideologia burguesa vai mudando de matiz conforme a luta da classe trabalhadora se amplia. As formas grosseiras empregadas para justificar o capitalismo vêm sendo substituídas por procedimentos mais sutis de defesa. Porém, a ideologia burguesa não muda por isso. Da mesma maneira, o oportunismo, qualquer que seja a roupagem com que se apresente, sempre possui o mesmo propósito, declarado ou escondido: conciliar a classe trabalhadora com o capitalismo, submeter o movimento operário aos interesses das classes dominantes. Prova disso são as constantes tentativas dos oportunistas em revisar a doutrina revolucionária da classe operária, que é o marxismo-leninismo.

O revisionismo ou “revisão” do marxismo, como indicava Lênin, é “uma das principais manifestações, se não a principal, de influência burguesa sobre o proletariado e da corrupção burguesa dos proletários”.

Os esforços teóricos e práticos dos revisionistas se subordinam sempre, em última instância, ao desejo de acabar com os Partidos Comunistas ou de convertê-los numa organização reformista. Em algumas condições históricas, estes propósitos não são ocultados. Em outras, são apresentados de maneira mascarada. Os revisionistas sempre empreenderam campanhas contra os Partidos, afirmando que se trata de uma organização que necessita ser “arquivada”. E, em seu lugar, propõem criar uma ampla organização sem Partido, ou seja, criar somente uma “organização de trabalhadores”.

Os ideólogos do revisionismo tratam de “revisar” ou, mais exatamente, de deformar todas as teses fundamentais da teoria marxista-leninista. Porém, um dos alvos favoritos desses ideólogos sempre é a doutrina Leninista sobre os Partidos.

Os revisionistas tratam de desacreditar a grande doutrina do marxismo-leninismo. Declaram-na “caduca”, “passada de moda” e que, atualmente, perdeu seu valor para o desenvolvimento social. Os revisionistas se esforçam para matar o espírito revolucionário do marxismo e quebrar a fé da classe operária e do povo na construção de uma sociedade socialista, negando o papel dirigente do Partido marxista-leninista. Manifestam-se contra a necessidade histórica da Revolução Proletária e da ditadura do proletariado na transição do capitalismo ao socialismo, negam os princípios fundamentais do internacionalismo proletário, pedem a renúncia dos princípios leninistas fundamentais de organização dos Partidos e, acima de tudo, do Centralismo Democrático, exigem que o Partido Comunista se converta de uma organização revolucionária combativa que é em algo semelhante a um clube de discussão.

Atualmente, não sempre, os revisionistas pedem abertamente a supressão dos Partidos. Com o pretexto de que se amplie a democracia interna, querem acabar com a disciplina dos Partidos, concedendo à minoria o direito de não admitir as decisões adotadas pela maioria e de organizar frações. Porém, isto equivaleria a destruir a unidade de ação dos Partidos, convertendo-os em campo de luta de grupos e frações. Os revisionistas se encobrem ordinariamente com a bandeira contra o dogmatismo doutrinário. Sua renúncia ao marxismo é dissimulada com invocações de que a própria doutrina marxista pede que as teses caducas sejam substituídas por outras novas. Porém, a substituição das teses marxistas, tidas hoje em dia como caducas, por outras novas não tem nada a ver com a supressão dos princípios básicos do marxismo-leninismo, que são o espírito desta doutrina revolucionária. O perigo do revisionismo é que, sob a desculpa de se desenvolver o marxismo, o que faz é negá-lo. É lógico que os Partidos Comunistas enxergam a luta contra o revisionismo em todos os terrenos, sem excluir o da organização interna, uma de suas obrigações permanentes e essenciais.

Os Partidos Comunistas não devem lutar somente contra o revisionismo. Outro inimigo é o sectarismo. Aparentemente, são polos opostos. Contudo, de fato, o sectarismo que se apresenta como muito revolucionário e “esquerdista”, também debilita os Partidos.

O sectarismo se baseia num critério dogmático acerca de determinadas teses e fórmulas teóricas, nas quais se quer encontrar soluções a toda classe de problemas da vida política. Em vez de estudar a vida tal qual ela é, os dogmáticos partem de um esquema. Caso os fatos não se encaixem nesse esquema, ignoram os fatos. O dogmático significa o divórcio da realidade e do Partido, e o Partido, se não o combate, se converte numa seita apartada da vida.

Os desejos de agarrar-se ao dia de ontem, a uma política e a formas orgânicas que não respondem às novas condições, significam, de fato, como Lênin disse, “uma política de inação revolucionária”. Com uma grande gama de exemplos, a prática de todos os Partidos Comunistas confirma a razão que assistia à Lênin ao dizer isto.

Muitos dos Partidos Comunistas formados nos países capitalistas depois da Revolução de Outubro, nos primeiros tempos, eram propensos aos erros do sectarismo. Lênin qualificou esses erros de “esquerdismo”, de doença infantil do comunismo. Tais equívocos se traduziam na negativa em trabalhar nos sindicatos dirigidos por reacionários e oportunistas, em comparecer aos Parlamentos burgueses, em aceitar, em determinados casos, o compromisso e, em geral, em adotar uma tática flexível.

Porém, hoje, em nossos tempos, também é preciso lutar contra o sectarismo. O principal nele é o divórcio que se estabelece com as massas, o desprezo das possibilidades existentes para o trabalho revolucionário, a tendência em evitar os problemas candentes que a vida apresenta. Se o revisionismo trata de conciliar os Partidos com o capitalismo, o sectarismo o priva dos vínculos com as massas, sem os quais o êxito na luta contra o capitalismo é impossível. Por isso, não se pode fortalecer os Partidos sem combater o sectarismo, qualquer que seja a forma em que se manifeste.

Os Partidos Comunistas destacaram a necessidade de superar energicamente o revisionismo e o dogmatismo nas fileiras dos Partidos marxista-leninistas. Uma vez que condenam o dogmatismo, os Partidos estimam que, nas condições atuais, o principal perigo reside no revisionismo, o que é o mesmo que oportunismo de direita, como manifestação da ideologia burguesa que paralisa a energia revolucionária da classe trabalhadora e exige a manutenção ou a restauração do capitalismo. Certamente, o dogmatismo e o sectarismo podem ser também um perigo fundamental em determinadas etapas de desenvolvimento de um ou outro Partido. Porém, cada Partido deve estabelecer qual é o perigo fundamental para ele num dado momento.

Primeiramente, os Partidos eram débeis. Em sua maioria, se formaram com elementos revolucionários de organizações socialdemocratas e anarco-sindicalistas, que levaram resquícios de oportunismo e sectarismo. Era necessário levar a cabo um urgente trabalho de coesão e educação dos novos Partidos, segundo as ideias revolucionárias do marxismo-leninismo, e na formação política e ideológica de seus quadros dirigentes.

O movimento comunista segue um desenvolvimento complexo nas condições próprias do capitalismo. Sua história conhece ascensões verticais e grandes êxitos, mas também reveses temporais, consequências negativas de condições objetivas desfavoráveis e dos erros cometidos. Estes defeitos e erros, no entanto, são de natureza transitória, enquanto o auge e fortalecimento do movimento operário e comunista significam um processo invencível, porque são impostos pelas mesmas leis que regem a sociedade.

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza (PCB)