29 de março de 2011

EUA E ALIADOS COMETEM CRIMES MONSTRUOSOS NA LÍBIA

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Miguel Urbano Rodrigues

Os EUA e os seus aliados repetem na Líbia crimes contra a humanidade similares aos cometidos no Iraque e no Afeganistão.

A agressão ao povo líbio difere das outras apenas porque o discurso que pretende justificá-la excede o imaginável no tocante à hipocrisia.

A encenação prévia, pela mentira e perfídia, traz à memória as concebidas por Hitler na preparação da anexação da Áustria e das campanhas que precederam a invasão da Checoslováquia e da Polónia.

Michel Chossudovsky, James Petras e outros escritores progressistas revelaram em sucessivos artigos - citando fontes credíveis - que a rebelião de Benghazi foi concebida com grande antecedência e minúcia e alertaram para o papel decisivo nela desempenhado pelos serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido.

A suposta hesitação dos EUA em apoiar a Resolução do Conselho de Segurança da ONU que criou a chamada zona de «Exclusão Aérea», e posteriormente, em assumir a «coordenação das operações militares» foi também uma grosseira mentira. Farsa idêntica caracterizou o debate em torno da transferência para a OTAN do comando da operação dita «Amanhecer de Odisseia», titulo que ofende o nome e a epopeia do herói de Homero.

O Pentágono tinha elaborado planos de intervenção militar na Líbia muito antes das primeiras manifestações em Benghazi, quando ali apareceram as bandeiras da monarquia fantoche inventada pelos ingleses após a expulsão dos italianos. Tudo isso se acha descrito em documentos (alguns constantes de correspondência diplomática divulgada pela Wikileaks) que principiam agora a ser tornados públicos por webs alternativos.

OS CRIMES ENCOBERTOS

Os discursos dos responsáveis pela agressão ao povo líbio e a torrencial e massacrante campanha de desinformação montada pela grande mídia ocidental, empenhados na defesa e apologia da intervenção militar, são diariamente desmentidos pela tragédia que se abateu sobre a Tripolitania, ou seja o ocidente do país controlado pelo Governo.

Hoje não é mais possível desmentir que o texto da Resolução do CS - que não teria sido aprovado sem a abstenção cúmplice da Rússia e da China – foi desafiadoramente violado pelos Estados agressores.

Os ataques aéreos não estavam previstos. Mas foram imediatamente desencadeados pela força aérea francesa e pelos navios de guerra dos EUA e do Reino Unido que dispararam em tempo mínimo mais de uma centena de mísseis de cruzeiro Tomahwac sobre alvos muito diferenciados.

Têm afirmado repetidamente os governantes dos EUA do Reino Unido, da França, da Itália que a «intervenção é humanitária» para proteger as populações e que «os danos colaterais» por ela provocados são mínimos.

Mentem consciente e descaradamente.

As «bombas inteligentes» não são cegas. Têm atingido, com grande precisão, depósitos de combustíveis e de produtos tóxicos, pontes, portos, edifícios públicos, quartéis, fábricas, centrais eléctricas, sedes de televisões e jornais. Reduziram a escombros a residência principal de Muamar Khadafi.

Um objectivo transparente foi a destruição da infra-estrutura produtiva da Líbia e da sua rede de comunicações.

Outro objectivo prioritário foi semear o terror entre a população civil das áreas bombardeadas.

Afirmaram repetidas vezes o secretario da Defesa Robert Gates e o secretario do Foreign Ofice, William Haggue que as forças daquilo a que chamam a «coligação» mandatada pelo Conselho de Segurança, não se desviaram das metas humanitárias de «Odisseia». Garantem que o número de vítimas civis tem sido mínimo e, na maioria dos bombardeamentos cirúrgicos, inexistente.

Não é o que informam os correspondentes de alguns influentes media ocidentais e árabes.

Segundo a Al Jazeera e jornalistas italianos, o «bombardeamento humanitário» de Adhjedabya foi na realidade uma matança sanguinária, executada com requintes de crueldade.

Outros repórteres utilizam a palavra tragédia para definir os quadros dantescos que presenciaram em bairros residenciais de Tripoli.

Generais e almirantes norte-americanos e britânicos insistem em negar que instalações não militares ou afins tenham sido atingidas. É outra mentira. As ruínas de um hospital de Tripoli e de duas clínicas de Ain Zara, apontadas ao céu azul do deserto líbio, expressam melhor do que quaisquer palavras a praxis dos «bombardeamentos humanitários». Jornalistas que as contemplaram e falaram com sobreviventes do massacre, afirmam que em Ain Zara não havia um só militar nem blindados, sequer armas.

Numa tirada de humor negro, no primeiro dia da agressão, um oficial dos EUA declarou que a artilharia anti aérea líbia ao abrir fogo contra os aviões aliados que bombardeavam Tripoli estava a «violar o cessar-fogo» declarado por Khadafi.

Cito o episódio por ser expressivo do desvario, do farisaísmo, do primarismo dos executantes da abjecta agressão ao povo líbio, definida como «nova cruzada» por Berlusconi, o clown neofascista da coligação ocidental.

Khadafi é o sucessor de Ben Laden como inimigo número um dos EUA e dos governantes que há poucos meses o abraçavam ainda fraternalmente.

O dirigente líbio não me inspira hoje respeito. Acredito que muitos dos seus compatriotas que participam na rebelião da Cirenaica e exigem o fim do seu regime despótico actuam movidos por objectivos louváveis.

Mas invocar a personalidade e os desmandos de Muamar Khadafi no esforço para apresentar como exigência de princípios e valores da humanidade a criminosa agressão ao povo de um pais soberano é o desfecho repugnante de uma ambiciosa estratégia imperialista.

O subsolo líbio encerra as maiores reservas de petróleo (o dobro das norte-americanas) e de gás da África. Tomar posse delas é o objectivo inconfessado da falsa intervenção humanitária.

É dever de todas as forças progressistas que lutam contra a barbárie imperialista desmascarar a engrenagem que mundo afora qualifica de salvadora e democrática a monstruosa agressão à Líbia.

A Síria pode ser o próximo alvo. Isso quando não há uma palavra de crítica às monarquias teocráticas da Arábia Saudita, do Bahrein, dos Emirados.

Uma nota pessoal a terminar. Os líderes da direita Europeia, de Sarkozy e Cameron à chanceler Merkel, cultivam nestes dias – repito - o discurso da hipocrisia. Nenhum, porém, consegue igualar na mentira e na desfaçatez a oratória de Barack Obama, que, pelos seus actos, responderá perante a História pela criminosa política externa do seu país, cujo povo merecia outro presidente.

Vila Nova de Gaia, 26 de Março de 2011

DECLARAÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA DOS EUA (PCEUA) SOBRE A SITUAÇÃO NA LÍBIA

DECLARAÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA DOS EUA (PCEUA) SOBRE A SITUAÇÃO NA LÍBIA

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As Partidos fraternos, indivíduos e organizações progressistas e o público geral:

O Partido Comunista dos EUA (PCEUA) deplora os ataques das forças dos EUA, França e Inglaterra contra a Líbia. Com a projeção de poder pelos EUA e outros governos da OTAN, a crise, que foi iniciada pelo governo da Líbia, quando suas forças de segurança abriram fogo contra manifestantes desarmados que pediam a democratização, levanta a possibilidade de transformar-se em uma guerra civil sustentada pela intervenção imperialista. Com uma interpretação rasteira e interesseira do voto do Conselho de Segurança da ONU, na quinta-feira, 17 de Março, diversos estados membros da OTAN, incluindo os EUA, o Reino Unido e a França, começaram um bombardeio aéreo e marítimo à Líbia, aumentando o perigo para as vítimas civis e militares de todos os lados e ameaçando a integridade da Líbia como uma nação soberana com controle de seus próprios recursos. Enquanto jatos franceses e ingleses destruíram alvos líbios, os EUA, no primeiro dia, atingiram a Líbia com, no mínimo, 100 mísseis Tomahawk lançados de seus navios, sem definição de alvos específicos.

A despeito de todos os crimes e abusos evidentes do regime de Kadafi, uma guerra civil com intervenção massiva do exterior não interessa nem ao povo líbio nem ao povo norteamericano, e nem tampouco à humanidade no geral, que querem somente a paz e a cooperação entre as nações. O Oriente Médio é uma das áreas mais conflituosas e instáveis no mundo e há um perigo real de que uma guerra civil na Líbia possa levar a uma conflagração ainda maior. Essa escalada precisa ser reduzida, também, por causa do mau precedente que abre para outras a intervenções da OTAN e / ou dos EUA em situações de conflito interno em todo o mundo. Devemos relembrar as situações no Iraque, Afeganistão e Iugoslávia para perceber como tais intervenções militares, levadas a cabo por conta de pretextos humanitários, terminaram causando mais morte, sofrimento e destruição que as situações que, supostamente, deveriam remediar. Na sua recente reunião em Lisboa, Portugal, a OTAN anunciou ao mundo que ela poderia projetar sua força armada para além da área do “Atlântico Norte”. Claramente, o propósito dessa força não é nem defensivo nem humanitário, mas sim o de servir aos interesses econômicos dos países capitalistas ricos e das corporações multinacionais. Para entender a hipocrisia da atual campanha de ataque, devemos perguntar: Por que não houve intervenção em qualquer outro país do Oriente Médio governado por tiranos? Por que não no Iêmen ou no Bahrein?

Somos da opinião de que o interesse especial por parte do imperialismo na intervenção na Líbia só pode estar relacionada à política do petróleo. A Líbia é o maior país fornecedor de petróleo para muitos países da OTAN (especialmente a Itália) e tem sua própria produção nacional de petróleo desde 1969. O atual levante na Líbia está centrado na parte Oriental do país, onde se encontra uma larga proporção de produção de petróleo líbio. Se as forças da OTAN conseguirem um controle substancial da produção de petróleo da Líbia, mesmo que não seja privatizada para as mãos de corporações multinacionais, deve haver um impacto em fatores como as quotas de produção da OPEP. A instabilidade atual na Líbia está contribuindo para um aumento dos preços do petróleo que afeta a nós, também, nos Estados Unidos.

Mais ainda, a derrubada dos regimes clientes da Tunísia e do Egito e as convulsões que vem sendo experimentadas por outros países da região, tais como Bahrein, Iêmen, Marrocos e outros, enfraquece a influência do imperialismo nesta área vital. Não podemos eliminar a possibilidade que o imperialismo veja a crise da Líbia como um meio de restabelecer parte de sua influência no Oriente Médio.

Diversos estados e organizações internacionais, alguns dos quais votaram pela Resolução do Conselho de Segurança ou se abstiverem – quando deveriam ter votado “não” ou, até mesmo, vetado a Resolução – estão, agora, tendo outra opinião quanto à correção das ações que vem sendo feitas. China, Rússia, Turquia, Índia e a Liga Árabe, assim como os países da Aliança Bolivariana na América Latina, criticaram os ataques à Líbia. Nós esperamos que o governo norte-americano, que não estava, inicialmente, apoiando fortemente uma ação militar para a criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia, tenha, também, um novo pensamento a respeito.

Desta maneira:

O PCEUA reivindica:

  1. Um cessar fogo imediato de todas as partes envolvidas (o governo Líbio, os insurgentes e as forças externas) a ser monitorado por forças neutras;
  2. Um acordo negociado que preserve a soberania nacional da Líbia e o controle de seus recursos naturais, especialmente suas reservas e sua produção de petróleo e gás, ao mesmo tempo em que responda às demandas do povo Líbio por uma transformação democrática de sua sociedade e sistema político e dê um fim à repressão ao dissenso;
  3. Proteção para a segurança dos setores vulneráveis da população Líbia, incluindo trabalhadores estrangeiros migrantes sujeitos a uma situação que não foi criada por eles;
  4. Ação internacional que permita a saída, da Líbia, dos refugiados cuja sobrevivência esteja ameaçada pela situação atual, mais acesso para todas as áreas da Líbia à ajuda humanitária e a restauração dos serviços de eletricidade, internet e outros;
  5. Apoio de todos os progressistas à luta do povo Líbio por seus direitos trabalhistas, eleições livres e democráticas, liberdade de expressão, de imprensa e de associação e ao fim da repressão.

COMITÊ NACIONAL, PARTIDO COMUNISTA DOS EUA (PCEUA)

Tradusido por Eduardo Serra

Evo Morales pede a retirada do Prêmio Nobel de Obama

Evo Morales pede a retirada do Prêmio Nobel de Obama

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Bolívia

O presidente boliviano, Evo Morales, pediu a retirada do Prêmio Nobel da Paz de seu homólogo dos Estados Unidos, Barack Obama. A justificativa é o presidente norte-americano ter impulsionado uma invasão armada à Líbia.

"Há dois anos temos escutado que o presidente Obama foi Prêmio Nobel da Paz. No entanto, neste momento, está defendendo a paz no mundo ou está promovendo ainda mais violência? Por isso se deveria retirar o Prêmio Nobel da Paz do presidente dos Estados Unidos”, disse Morales para jornalistas.

Obama recebeu o Nobel da Paz em 2009 apenas pelo fato de assumir a presidência dos Estados Unidos. Na mesma premiação, também figurava como postulante o mandatário boliviano, auspiciado pelos movimentos sociais sul-americanos.

Morales, que se define como marxista e antiimperialista, questiona duramente o papel das potências no falho Conselho de Segurança das Nações Unidas que, na quinta-feira, aprovou uma zona de exclusão aérea na Líbia.

O governante boliviano reivindicou o fim imediato das operações aéreas sobre a Líbia e a formação de uma missão de paz integrada por delegações de alto nível da ONU, a Liga Árabe e a União Africana.

No sábado, já havia expressado sua “condenação, repúdio e rechaço à intervenção de potências na Líbia”.

“Não é possível que o Conselho de Segurança, sob pretexto de defender a vida dos civis, bombardeie e destrua, invada um país como a Líbia”, disse, nesta segunda-feira, ao condenar a violação dos direitos humanos.

“Como podemos entender, como é possível que um Prêmio Nobel da Paz promova uma invasão, um bombardeio? Isso é delinqüência, é um assalto, é uma agressão”, disse Morales.

“Não é possível que um Prêmio Nobel da Paz (como Obama) encabece uma quadrilha para assaltar e para invadir. Isso já não está de acordo com defesa dos direitos humanos”, finalizou.

Fonte: http://roseoftokio.blogspot.com/

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza

Nova operação colonial contra a Líbia

Nova operação colonial contra a Líbia

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Domenico Losurdo

Não satisfeitos com o bloqueio solitário de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando o expansionismo de Israel na Palestina ocupada, os Estados Unidos vêm hoje se apresentar novamente como os intérpretes e campeões da "comunidade internacional". Convocaram o Conselho de Segurança, e não foi para condenar a intervenção das tropas sauditas em Bahrein, mas sim para exigir e finalmente impor o lançamento da "no-fly zone" e outras medidas guerreiras contra a Líbia.

Algumas medidas agressivas já eram tomadas unilateralmente por Washington e por alguns de seus aliados, como a aproximação da frota militar americana das costas da Líbia e o apelo ao instrumento clássico da política do canhão. Mas Obama não parou por aí: nestes últimos dias vinha intimando Kadafi de modo ameaçador a abandonar o poder e pressionava o exército líbio a dar um golpe de Estado.

Mais grave ainda, desde há algum tempo os agentes estadunidenses, juntos com os da França e Grã-Bretanha, vinham deixando os funcionários líbios diante de um dilema: ou passar para o lado dos rebeldes ou serem processados perante o Tribunal Penal Internacional e passarem os restos das suas vidas encarcerados por "crimes contra a humanidade".

A fim de dar cobertura à retomada das práticas colonialistas mais infames, o gigantesco aparelho midiático de manipulação e desinformação lançou sua campanha e, entretanto, basta ler com atenção a própria imprensa burguesa para perceber o engodo. Por exemplo, diz-se há dias que a aviação de Kadafi bombardeia a população civil. Mas em 1° de março o jornal La Stampa escreve, pag. 6, e pela pena de Guido Ruotolo: "É verdade, provavelmente não houve bombardeio".

Mudou radicalmente a situação nos dias seguintes? Dia 16 de março, Lorenzo Cremonesi escreve de Tobruk no Corriere della Sera: "Como já aconteceu nas outras localidades onde interveio a aviação, o que houve foram apenas raids de advertência". "Eles queriam assustar; muito barulho por nada", disse-nos pelo telefone um dos porta-vozes do governo provisório. São, portanto, os próprios rebeldes que desmentem os 'massacres' invocados para justificar a intervenção 'humanitária'.

A propósito dos rebeldes. Eles são celebrados dia após dia como os campeões da democracia em toda a sua pureza, eis porém a forma como foi relatada por Lorenzo Cremonesi, no Corriere della Sera de 12 de março, sua retirada frente à contra-ofensiva do exército líbio: "Na confusão geral, acontecem também atos de pilhagem. O mais notório é o do hotel El Fadeel, de onde levaram televisores, colchões, cobertores, transformaram as cozinhas em lixeiras e os corredores em acampamentos imundos". Não parece ser o comportamento de um exército de liberação, e o mínimo que se pode dizer é que a visão maniqueísta do conflito na Líbia não tem o menor fundamento.

Há mais. A cada dia denunciam as "atrocidades" da repressão na Líbia. Mas, falando de Bahrein, conta Nicholas D. Kristoff no International Herald Tribune: "No curso destas ultimas semanas, vi cadáveres de manifestantes, quase todos executados de perto por armas de fogo, vi uma moça retorcendo-se de dor após ter sido espancada, vi o pessoal das ambulâncias ser golpeado por tentar salvar manifestantes".

Um vídeo de Bahrein mostra o que parecem ser forças de segurança atingir com uma bomba lacrimogênea um homem de meia-idade e desarmado, a poucos metros delas. O homem cai no chão e tenta levantar-se. Atiram então nele, na cabeça, outra bomba. Caso não seja suficiente, vale lembrar que "nestes últimos dias, as coisas vão de mal a pior". Antes mesmo da repressão, é na vida quotidiana que a violência se expressa; a maioria xiita é submetida a um regime de "apartheid".

Para reforçar o aparelho de repressão, agem os "mercenários estrangeiros" com tanques de assalto, armas e gás lacrimogêneo estadunidenses. O papel dos Estados Unidos é decisivo, como o explica o jornalista do International Herald Tribune, ao contar um episódio por si esclarecedor: "Umas semanas atrás, um colega meu do New York Times, Michael Slackman, foi capturado pelas forças de segurança de Bahrein. Ele me contou que chegaram a apontar-lhe armas. Receoso de alguém atirar nele sem mais nem menos, ele pega seu passaporte e grita que é jornalista dos Estados Unidos. A partir dali, o humor do grupo muda de repente. O chefe chega perto dele, aperta a sua mão e muito animado, lhe diz "Não se preocupe. Nós gostamos dos Estados Unidos!".

De fato, a Quinta Frota dos Estados Unidos tem base em Bahrein. Inútil dizer que tem como dever defender ou impor a democracia: sempre que não seja em Bahrein ou mesmo no Iêmen, e sim… na Líbia ou em algum outro país que, por sua vez, entre na mira de Washington.

Por mais repugnante que seja a hipocrisia do imperialismo, não é uma razão suficiente para esconder as responsabilidades de Kadafi. Embora tenha, historicamente, o mérito de ter acabado com a dominação colonial e as bases militares que intimidavam seu país, ele não soube estabelecer uma camada dirigente bastante ampla. Além do mais, utilizou os lucros do petróleo para construir improváveis projetos "internacionalistas" sob a bandeira do "Livro Verde", em vez de desenvolver uma economia nacional, moderna e independente. Perdeu-se assim uma oportunidade única de pôr fim à estrutura tribal da Líbia e ao antigo dualismo entre Tripolitânia e Cirenáica, e de contrapor uma sólida estrutura econômico-social diante das manobras renovadas e das pressões do imperialismo.

E temos não obstante, de um lado, um líder do Terceiro Mundo que, de forma rústica, confusa, contraditória e bizarra, segue uma linha de independência nacional, enquanto, de outro lado, em Washington, um dirigente expressa de forma elegante, educada e sofisticada as razões do neocolonialismo e do imperialismo. Somente um surdo à causa da emancipação dos povos e da democracia nas relações internacionais, ou então quem se deixa conduzir antes pelo esteticismo que pelo raciocínio político, pode alinhar-se com Obama, Cameron e Sarkozy!

Aliás, será tão elegante assim este refinado Obama que, embora condecorado com o prêmio Nobel da Paz, não leva sequer por um instante em consideração a sábia proposição dos países sul-americanos, ou seja, o convite de Chávez e outros dirigido às duas partes em luta na Líbia para que se esforcem por chegar a uma solução pacífica do conflito, em benefício da salvação e da integridade territorial do país?

Imediatamente após a votação da ONU, e indo ainda além da proposição que mal acabava de ser votada, o presidente dos Estados Unidos lançava um ultimato a Kadafi, que teve a pretensão de ação em nome da "comunidade internacional". Desde sempre, a ideologia dominante revela o seu racismo ao identificar a humanidade com o Ocidente; agora, desta vez, são excluídos da "comunidade internacional" não apenas os dois países cuja população é a mais numerosa, mas também um país chave da União Européia. Quando se coloca como intérprete da dita "comunidade internacional", Obama demonstra uma arrogância racista ainda pior do que aqueles que, no passado, reduziram os seus ancestrais à escravidão.

Será tão elegante e refinado este Cameron que, para vencer em sua casa a oposição à guerra, repete até a obsessão que ela corresponde aos "interesses nacionais" da Grã-Bretanha, como se o apetite em relação ao petróleo não fosse já bastante claro?

E que dizer enfim de Sarkozy? Nos jornais, pode-se ler tranqüilamente que, mais do que no petróleo, ele pensa nas eleições: quantos líbios o presidente francês tem necessidade de matar para que sejam esquecidos os seus escândalos, suas gafes e tenha maior possibilidade de ser reeleito?

Os jornalistas e os intelectuais da corte gostam de pintar um Kadafi isolado, acuado por um povo unido. Porém, para quem acompanha atentamente os acontecimentos, é fácil perceber o grotesco dessa representação. O voto recente no Conselho de Segurança desmascarou outra manipulação: aquela que inventa a fábula sobre uma "comunidade internacional" unida na luta contra a barbárie. Na realidade, abstiveram-se e expressaram fortes reservas China, Rússia, Brasil, Índia e Alemanha!

Os dois primeiros países não foram além da abstenção e não usaram o seu poder de veto por uma série de motivos. Pois não é fácil sempre desafiar a superpotência solitária. Não se trata apenas disso e tanto China quanto Rússia conseguiram em troca que não se enviem tropas de terra (e de ocupação colonial); evitaram intervenções militares unilaterais de Washington e de seus aliados mais próximos, semelhantes às intervenções contra a Iugoslávia em 1999 e o Iraque em 2003; tentaram conter as manobras dos círculos mais agressivos do imperialismo, que gostariam de deslegitimar a ONU e substituí-la pela OTAN e a Aliança das Democracias; enfim, apareceu uma contradição no seio do imperialismo ocidental conduzido pelos EUA, como o mostra o voto da Alemanha.

Ao fazer referência a um país como a China, dirigida por um partido comunista, deve-se observar que o compromisso que ela quis aceitar em nada engaja os povos do mundo. Mao Zedong explicou em seu tempo que as exigências de política internacional e os próprios compromissos dos países de orientação socialista ou progressista são uma coisa; outra coisa, por sua vez, é a linha política de povos, classes sociais e partidos políticos que não conquistaram o poder e por isso não estão engajados na construção de uma nova sociedade.

Fica claro então que a agressão à Líbia torna mais urgente que nunca o ressurgimento da luta contra a guerra e o imperialismo.

A tradução, de Ana Maria Dávila, encontra-se em Correio da Cidadania

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/losurdo/libia_25mar11.html

OS TEMPOS MODERNOS DE CHAPLIN: TRABALHO E ALIENAÇÃO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

OS TEMPOS MODERNOS DE CHAPLIN: TRABALHO E ALIENAÇÃO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

imagemCrédito: Blog do Dario


Sérgio A. M. Prieb*

“Não sois máquina! Homens é que sois!”

(Discurso de Charles Chaplin no final do filme “O grande ditador”)

A origem da palavra trabalho tem sido comumente atribuída ao latim tripalium, instrumento de tortura utilizado para empalar prisioneiros de guerra e escravos fugídios. Assim, em sua própria terminologia o trabalho carrega uma carga de esforço e desprazer, o que é extremamente compreensível em sociedades em que predominavam o trabalho forçado em que atividades produtivas eram desprezadas e executadas tão somente por escravos como na Grécia e Roma antigas, cabendo aos homens livres a execução de atividades intelectuais ligadas às ciências e às artes.

Pode-se afirmar que o trabalho é o ato que o homem executa visando transformar conscientemente a natureza, ou para citar Marx (1983, p. 149), é uma ação em que o homem media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. A origem do trabalho encontra-se na necessidade de a humanidade satisfazer suas necessidades básicas, evoluindo para outros tipos de necessidades, mesmo supérfluas. Assim, trabalhar é produzir riqueza, o que é necessário em todos os modos de produção, seja no comunal primitivo, no escravista, no feudal, no capitalista, e mesmo nas experiências socialistas. O que muda é a forma de produzir, a tecnologia utilizada, e a relação entre o sujeito que produziu e o que se apropria do que foi produzido, que varia de acordo com a forma de organização da sociedade1.

Uma sociedade não vive sem o trabalho, na verdade, pode-se dizer que o homem evoluiu de sua condição animal até sua condição atual devido ao seu trabalho2. Engels (s/d, p. 270) afirma que o homem modifica sua relação com a natureza devido ao trabalho. Se na condição animal ele tinha de submeter-se às leis da natureza, através do trabalho ele busca dominar a natureza, transforma-a em proveito próprio. Passa de ser dominado a ser dominante devido ao desenvolvimento do trabalho.

O próprio desenvolvimento do seu corpo, do cérebro, da fala, e da relação entre os homens origina-se do trabalho. Desta forma, Engels afirma que o trabalho criou o homem e o homem criou o trabalho, sendo esta uma ação exclusivamente humana, pois assume uma forma consciente, não intuitiva, pois antes de produzir um objeto é necessário ao trabalhador elaborá-lo inicialmente em seu cérebro para só então partir para a execução. Já as atividades que os animais executam (a aranha e sua teia, o joão-de-barro e sua casa) são meramente intuitivas, daí trabalho ser uma atividade exclusiva da espécie humana.

Para Marx, o único bem que o trabalhador possui devido a não ser proprietário de meios de produção é a sua força de trabalho, a sua capacidade de trabalhar, sendo por isso que o trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho ao capital. Ao contrário de sociedades pré-capitalistas como o feudalismo e a escravidão, no capitalismo o trabalhador entrega sua capacidade de trabalhar por um tempo determinado através de um contrato de trabalho.

Além do estabelecimento de um contrato de assalariamento que regula as relações capital-trabalho, algumas diferenças podem ser encontradas no trabalho sob o modo de produção capitalista em comparação com sociedades pré-capitalistas. Como já visto, o trabalho era desprezado na Grécia e Roma antigas, fazendo com que a socialização dos indivíduos ocorresse fora do trabalho, enquanto na sociedade capitalista a socialização dos indivíduos ocorre exatamente nas relações de trabalho. Para esta mudança, a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX teve um peso determinante3, com a formação de exércitos de trabalhadores que desprovidos de qualquer propriedade são obrigados a abandonar a vida do campo, sendo jogados nas cidades em busca de empregos assalariados junto às nascentes indústrias.

O trabalho então assumiria um novo caráter, de atividade indigna no passado, passam a ser vistos como indignos aqueles que não trabalham, taxados como vagabundos os que não se submetem a trabalhar para o capital4, mesmo que o próprio capital não tenha interesse em absorver todo o trabalho posto à sua disposição. Assim, os capitalistas sempre encontram um grupo de trabalhadores à margem do processo produtivo, mas sempre ávidos por incorporar-se a ele, a estes trabalhadores Marx denominou de “exército industrial de reserva”.

Em “Tempos modernos” (“Modern times”), filme de Charles Chaplin5 de 1936, o diretor mostra com maestria os efeitos que o desenvolvimento capitalista e seu processo de industrialização trouxeram à classe trabalhadora. Como diz o texto de introdução do filme, “’Tempos modernos’ é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade”6.

A temática de “Tempos modernos” custou a Chaplin uma série de perseguições por parte da CIA, juntamente com a acusação de simpatias comunistas7. Além disso, havia recusado naturalizar-se norte-americano argumentando ser um “cidadão do mundo” o que agrava ainda mais sua situação. Chaplin passa a constar na “lista negra” de Hollywood durante a perseguição macarthista, o que torna sua situação de trabalho nos EUA insustentável (seus filmes eram proibidos), levando-o a abandonar definitivamente os EUA em 1952.

No filme, o vagabundo Carlitos, ironicamente, encontra-se na condição de operário. É ao auge do predomínio do padrão de acumulação taylorista-fordista, em que os trabalhadores tem suas habilidades substituídas por um trabalho rotineiro e alienado. É o predomínio da esteira rolante de Ford, do cronômetro de Taylor8, do operário-massa.

A inadequação de Carlitos com o trabalho alienado perpassa o tempo todo do filme. Na condição de operário ele tenta se adaptar, se esforça para inserir-se naquele novo mundo de produção em massa, máquinas gigantescas, exploração do trabalho, mas também de greves e de organização sindical. Esta inadequação fica presente logo no início do filme, quando um bando de ovelhas brancas é mostrado e apenas uma delas tem a cor preta, certamente esta representa o próprio Carlitos. A cena do bando de ovelhas é misturada com a cena dos operários entrando na fábrica, como se fossem animais indo para o abate, só que, na verdade, vão para a produção na fábrica.

Como operário da fábrica, Carlitos se depara com a esteira de produção fordista que aumenta o ritmo de produção a todo instante, tornando a relação homem-máquina extremamente conflituosa, até o ponto em que o próprio Carlitos é engolido pela máquina, saindo de lá em uma condição de insanidade, momento em que ele abandona a condição de quase um autômato (repetindo um gesto mecânico mesmo quando não está trabalhando, fruto da alienação do trabalho) para uma situação de confronto direto em que ele sabota a produção, insurge-se contra o patrão e é internado como louco.

A contradição capital-trabalho está presente de forma clara no filme. O patrão fica numa sala armando quebra-cabeças e lendo jornal, ao mesmo tempo em que de um monitor controla todos os movimentos dos operários e dita o ritmo de produção a ser executado9.

Em outras passagens, a inadequação de Carlitos com o trabalho alienado fica presente nas tantas tentativas de trabalhar que o personagem enfrenta. Quando arranja trabalho no caís após sair do hospício, consegue em um simples gesto lançar um navio ao mar. Quando o personagem vira vigia na loja de departamentos, além, de não conseguir impedir um assalto, consome produtos da loja, leva a amiga para o interior da loja, e dorme no serviço. Trabalhando como auxiliar de mecânico, Carlitos demonstra a todo instante sua inadequação com a simples tarefa de ajudar o mecânico chefe, fazendo com que este seja também engolido pela máquina. Quando assume o papel de garçom, também é nítida a sua incapacidade de servir uma mesa.

Na verdade, Carlitos só consegue mostrar sua identificação com atividades nada alienantes e que fogem ao domínio da máquina sobre o trabalho. Quando ele está na loja de departamentos e mostra uma grande habilidade em patinar, e quando está no restaurante trabalhando como garçom e que improvisa um número musical cômico. Neste momento percebe-se que em ao menos em uma atividade ele é bom, em um tipo de trabalho que requeira criatividade e não uma mera execução de tarefas formulada por terceiros. Só então, ele é aplaudido por todos e inclusive, parabenizado pelo patrão10.

A voz de Carlitos é ouvida pela primeira vez no cinema quando ele canta. Chaplin opunha-se ao cinema falado, achando que este não duraria muito tempo. Na verdade, seu temor era com seu próprio personagem, adequado muito mais ao gestual do que a fala. Somente depois de 10 anos de existência, é que em “Tempos modernos”, Chaplin faria sua primeira experiência com o cinema falado, ou no seu caso, “semi-falado”. Ouve-se o ruído das máquinas, o som mecânico da “máquina de comer”, do alto-falante em que o patrão dirige-se aos funcionários, mas em nenhum momento um personagem fala, que não seja através de uma máquina11.

Mesmo quando Carlitos canta ele expressa uma crítica ao cinema falado, quando esquece a letra, sua amiga12 grita a ele: “Cante! Dane-se a letra!”, e é o que ele faz, mostra que mesmo sem palavras, ou no caso, usando palavras sem sentido, mas caprichando no gestual, faz com que todos consigam compreender uma história13.

Outro aspecto que chama atenção no filme é o predomínio completo do trabalho abstrato sobre o trabalho concreto14, ou seja, ao capital não interessa a forma como está sendo produzido ou que está sendo produzido, somente importa é que está sendo criado valor. Daí não sabermos exatamente qual a mercadoria que Carlitos produz, e certamente, nem mesmo os operários da fábrica o sabem. Assim, não existe qualquer identificação do trabalhador com seu trabalho, nem com a mercadoria produzida por ele.

Mesmo com toda a crítica social que é feita, a reação do personagem Carlitos ao sistema é feita de maneira individual e não coletiva. Quando eclode a Grande Depressão de 1929, que coincide com a saída do personagem do hospício, é levado à prisão acusado de ser líder comunista por empunhar uma bandeira (pretensamente vermelha) em frente a um grupo de trabalhadores que fazia uma passeata na rua. Carlitos é visto como o cidadão comum, não politizado, mas que pelo simples gesto de buscar devolver a bandeira que tinha caído do caminhão é acusado de líder da revolta operária. Em outro momento, quando eclode uma greve na fábrica em que trabalha, também por acidente é acusado de agressão a um policial que viria reprimir a greve.

No final do filme, quando sua amiga indignada com a situação de perseguição, miséria e desemprego pergunta: “para que tudo isso?” ele responde: “levante a cabeça, nunca abandone a luta”. No entanto, a reação dos dois não é o enfrentamento contra o capital, é retirar-se da cidade, indo em direção ao campo15.

Ao som da belíssima “Smile”, de autoria de Chaplin, Carlitos dá as costas para a para produção em massa, para as gigantescas máquinas que desempregam trabalhadores, para as suntuosas lojas com suas escadas rolantes, para o trabalho alienado. Seria o último filme mudo de Chaplin e também a despedida do personagem Carlitos, que havia se tornado obsoleto em um momento em que o cinema falado tomava conta dos cinemas do mundo todo. Era o sinal dos tempos. Os tais “tempos modernos”.

Referências bibliográficas

BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista – a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

CHAUÍ, Marilena. Introdução. In: LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec, 1999.

CLARET, Martin. Chaplin por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret, 2004.

ENGELS. Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: MARX, Karl. e ENGELS. Friedrich. Obras escolhidas, volume 2. São Paulo: Editora Alfa-Omega, s/d.

GOMES, Morgana. A vida e os pensamentos de Charles Chaplin. Rio de Janeiro: 4D Editora, s/d.

LEPROHON, Pierre. Charles Chaplin – o seu destino e a sua obra. Lisboa: Livros do Brasil, s/d.

MARX, Karl. O capital – crítica da economia política – Vol. I, Tomo I. São Paulo: Abril Culural, 1983.

PRIEB, Sérgio. O trabalho à beira do abismo – uma crítica marxista à tese do fim da centralidade do trabalho. Ijuí: Editora Unijuí, 2005.

VÁSQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão popular/CLACSO Livros, 2007.

*Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFSM. Doutor em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp. Membro do Comitê Central do PCB.

1. “Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação entre homem e natureza e, portanto, da vida humana” (Marx, 1983, p. 50).

2. Sobre o papel central do trabalho na sociedade capitalista contemporânea, bem como uma crítica aos autores que acreditam ter o trabalho perdido seu sentido na sociedade moderna, ver Prieb (2005).

3. Vásquez (2007, p. 47) afirma que mesmo que tenha ocorrido a partir da revolução industrial uma valorização maior do trabalho e da técnica, não chega a despertar uma valorização do trabalhador e da significação de sua atividade produtiva.

4. “Nesse imaginário, ‘a preguiça é a mãe de todos os vícios’ e nele vêm inscrever-se hoje, o nordestino preguiçoso, a criança de rua vadia (vadiagem, aliás, o termo empregado para referir-se às prostitutas), o mendigo – ‘jovem, forte, saudável, que devia estar trabalhando em vez de vadiar’” (Chauí, 1999, p. 10).

5. Charles Spencer Chaplin nasceu em 1889 em Londres, Inglaterra, e morreu em 1977 em Vevey, na Suiça.

6. “O filme custou US$1.500.000 de dólares (somente para fazer a grande máquina que engole Chaplin e Chester Conklin foram gastos 500 mil), mas nos Estados Unidos rendeu apenas US$1.800.000. enquanto a Itália e a Alemanha proibiram sua exibição, em Londres, Paris e Moscou, ele alcançou um sucesso considerável durante o resto do ano” (Gomes (s/d, p. 67).,

7. Chaplin no início dos anos 30 percorre o mundo divulgando “Luzes da cidade”. Ao retornar publica vários artigos em jornais falando de suas viagens pelo mundo, salientando as contradições que estava encontrando na sociedade moderna, sendo estes artigos a inspiração para “Tempos modernos”. Juntamente com suas idéias sociais, Chaplin defendia que os EUA deveriam parar com a propaganda anti-comunista contra a União Soviética. Mesmo assim, Chaplin nunca declarou-se comunista, sendo que em um telegrama endereçado a Parnell Thomas, da Comissão de Atividades Antiamericanas escreveu: “Dizem que você quer perguntar se sou comunista. Deveria ter-me feito essa pergunta durante os dez dias em que permaneceu em Hollywood. Sobre o que quer saber, não sou comunista. Sou somente um fator da paz” (Claret, 2004, p. 126).

8. Taylor introduz o cronômetro das atividades produtivas na fábrica, cronometrando todas as fases do processo de produção, buscando que os trabalhadores tornassem seu trabalho mais produtivo. Braverman (1987, p. 97) mostra que em uma experiência de Taylor, ele conseguiu fazer com que um operário aumentasse em 276% a produção, com um simples incremento de 60,86% no salário. O exemplo deveria ser disseminado para os demais operários, mostrando, assim, que era possível aumentar as produtividade se os trabalhadores se empenhassem mais. Existem no filme várias referências à medição do tempo. A primeira imagem do filme é exatamente do relógio da fábrica, que marca a hora da entrada, do almoço, da troca de turno e da saída do trabalho. A todo instante, Carlitos bate o ponto no relógio-ponto da fábrica, mesmo quando está fugindo da polícia. Outras tantas referências irão aparecer no decorrer do filme, Carlitos perde a hora na loja de departamentos, quando dorme demais. Por acidente prensa o relógio de seu chefe imediato na fábrica, além disso, a “máquina de comer” promete que vai “eliminar a pausa para o almoço, aumentar a produção e ultrapassar a concorrência”. A própria realização do filme parecia insurgir-se contra o tempo moderno, sendo rodado de outubro de 1934 a agosto de 1935, um tempo bastante longo para os filme da época.

9. Esta dissociação entre o trabalho do operário que simplesmente cumpre ordens e não tem qualquer inserção sobre a forma como produz, fica claro em Braverman (1987, p. 53): “Assim, nos seres humanos, diferentemente dos animais, não é inviolável a unidade entre a força motivadora do trabalho e o trabalho em si mesmo. A unidade de concepção e execução pode ser dissolvida. A concepção pode ainda continuar e governar a execução, mas a idéia concebida por uma pessoa pode ser executada por outra.”

10. Esta inaptidão para outros tipos de trabalho que não o artístico foi presente na vida do próprio Chaplin, que tendo trabalhado como entregador de mercearia, recepcionista de consultório médico, garoto de recados entregador de papelaria, tipógrafo, vendedor e assoprador de vidros, só conseguiu sucesso profissional após tornar-se artista (Gomes, s/d, 11-13).

11. Em “O capital” Marx afirma que as formas de valor das mercadorias teriam uma “fala própria”: “Vê-se, tudo que nos disse antes a análise do valor das mercadorias, diz-nos o linho logo que entra em relação com outra mercadoria, o casaco. Só que ele revela seu pensamento em sua linguagem exclusiva, a linguagem das mercadorias. [...] Diga-se de passagem que a linguagem das mercadorias, além do hebraico, possui também muitos outros idiomas mais ou menos corretos” (Marx, 1983, p. 57). Marx quer dizer que o capital passa a assumir propriedades que não são suas, mas sim dos homens, ou seja, o capital domina o trabalho, o que é derivado do trabalho passa a ser considerado mérito do capital.

12. A órfã, amiga de Carlitos no filme, é a atriz Paulette Goddard (1910-1990). Chaplin era 21 anos mais velho que Paulette e ficaria casado com ela de 1932 a 1940.

13. “Ainda desta vez utiliza um subterfúgio para demonstrar a inutilidade da palavra na sua arte. Mima esta canção e canta-a numa língua imaginária de palavras feitas de sons diversos e onomatopaicos, de tal modo que esta língua, graças unicamente à interpretação do ator (já que o texto é inintelígevel, diverte, interessa e significa” (Leprohon, s/d, p. 205).

14. Os conceitos de trabalho concreto e trabalho abstrato foram introduzidos por Marx no livro 1 de “O capital” (Marx, 1983). O trabalho concreto produz valores de uso, enquanto o trabalho abstrato produz simplesmente valor.

15. Chaplin havia gravado outro final para o filme, em que a órfã teria virado freira e Carlitos como em filmes anteriores, terminaria sozinho. Preferiu o final mais otimista, em que os dois personagens ficam juntos.

Discurso no Funeral de Karl Marx

Discurso no Funeral de Karl Marx

imagemCrédito: Blog do Dario


Friedrich Engels

18 de março de 1883

Em 14 de março, quando faltam 15 minutos para as 3 horas da tarde, deixou de pensar o maior pensador do presente. Ficou sozinho por escassos dois minutos, e sucedeu de encontramos ele em sua poltrona dormindo serenamente — dessa vez para sempre.

O que o proletariado militante da Europa e da América, o que a ciência histórica perdeu com a perda desse homem é impossível avaliar. Logo evidenciará-se a lacuna que a morte desse formidável espírito abriu.

Assim como Darwin em relação a lei do desenvolvimento dos organismos naturais, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da História humana: o simples fato, escondido sobre crescente manto ideológico, de que os homens reclamam antes de tudo comida, bebida, moradia e vestuário, antes de poderem praticar a política, ciência, arte, religião, etc.; que portanto a produção imediata de víveres e com isso o correspondente estágio econômico de um povo ou de uma época constitui o fundamento a parir do qual as instituições políticas, as instituições jurídicas, a arte e mesmo as noções religiosas do povo em questão se desenvolve, na ordem em elas devem ser explicadas – e não ao contrário como nós até então fazíamos.

Isso não é tudo. Marx descobriu também a lei específica que governa o presente modo de produção capitalista e a sociedade burguesa por ele criada. Com a descoberta da mais-valia iluminaram-se subitamente esses problemas, enquanto que todas as investigações passadas, tanto dos economistas burgueses quanto dos críticos socialistas, perderam-se na obscuridade.

Duas descobertas tais deviam a uma vida bastar. Já é feliz aquele que faz somente uma delas. Mas em cada área isolada que Marx conduzia pesquisa, e estas pesquisas eram feitas em muitas áreas, nunca superficialmente, em cada área, inclusive na matemática, ele fez descobertas singulares.

Tal era o homem de ciência. Mas isso não era nem de perto a metade do homem. A ciência era para Marx um impulso histórico, uma força revolucionária. Por muito que ele podia ficar claramente contente com um novo conhecimento em alguma ciência teórica, cuja utilização prática talvez ainda não se revelasse – um tipo inteiramente diferente de contentamento ele experimentava, quando tratava-se de um conhecimento que exercia imediatamente uma mudança na indústria, e no desenvolvimento histórica em geral. Assim por exemplo ele acompanhava meticulosamente os avanços de pesquisa na área de eletricidade, e recentemente ainda aquelas de Marc Deprez.

Pois Marx era antes de tudo revolucionário. Contribuir, de um ou outro modo, com a queda da sociedade capitalista e de suas instituições estatais, contribuir com a emancipação do moderno proletariado, que primeiramente devia tomar consciência de sua posição e de seus anseios, consciência das condições de sua emancipação – essa era sua verdadeira missão em vida. O conflito era seu elemento. E ele combateu com uma paixão, com uma obstinação, com um êxito, como poucos tiveram. Seu trabalho no 'Rheinische Zeitung' (1842), no parisiense 'Vorwärts' (1844), no 'Brüsseler Deutsche Zeitung' (1847), no 'Neue Rheinische Zeitung' (1848-9), no 'New York Tribune' (1852-61) – junto com um grande volume de panfletos de luta, trabalho em organização de Paris, Bruxelas e Londres, e por fim a criação da grande Associação Internacional de Trabalhadores coroando o conjunto – em verdade, isso tudo era de novo um resultado que deixaria orgulhoso seu criador, ainda que não tivesse feito mais nada.

E por isso era Marx o mais odiado e mais caluniado homem de seu tempo. Governantes, absolutistas ou republicanos, exilavam-no. Burgueses, conservadores ou ultra-democratas, competiam em caluniar-lhe. Ele desvencilhava-se de tudo isso como se fosse uma teia de aranha, ignorava, só respondia quando era máxima a necessidade. E ele faleceu reverenciado, amado, pranteado por milhões de companheiros trabalhadores revolucionários – das minas da Sibéria, em toda parte da Europa e América, até a Califórnia – e eu me atrevo a dizer: ainda que ele tenha tido vários adversários, dificilmente teve algum inimigo pessoal.

Seu nome atravessará os séculos, bem como sua obra!

27 de março de 2011

A POPULAÇÃO DE JUIZ DE FORA NÃO AGUENTA MAIS A BANDIDAGEM DAS EMPRESAS DE ONIBUS - COMITÊ CENTRAL POPULAR-JF


JÁ ESTAMOS CANSADOS DE ÔNIBUS LOTADOS E PASSAGENS CARAS, BASTA!

Todo ano é a mesma coisa: as empresas querem aumentar a passagem de ônibus para ficarem cada vez mais ricas às custas da exploração dos cobradores, motoristas e do povo de Juiz de Fora.

Você sabia que o dever de oferecer um transporte de qualidade e barato é da prefeitura? Mas a prefeitura, sem licitação, deixa que os grandes empresários sejam os donos da situação, em troca de dinheiro! ISTO É CORRUPÇÃO!

Somo a favor de um salario digno para os trabalhadores do transporte, com jornada de trabalho que permita descanso. Somos a favor de um transporte municipalizado, onde o lucro não seja a única coisa que importa. Somos a favor do passe-livre, para que todos os jovens possam estudar!

FONTE: COMITÊ CENTRAL POPULAR - JUIZ DE FORA - http://comitecentralpopular.blogspot.com/

Matéria: http://comitecentralpopular.blogspot.com/2011/03/populacao-de-juiz-de-fora-nao-aguenta.html
ITALIANOS DEMOCRÁTICOS E PACÍFICOS PREPARAM TORTURAS E LINCHAMENTOS

ITALIANOS DEMOCRÁTICOS E PACÍFICOS PREPARAM TORTURAS E LINCHAMENTOS

imagemCrédito: por e-mail



Carlos A. Lungarzo

Extradição, Tortura e Morte

AIUSA – 2152711

RECONHECIMENTO. Agradeço aos que me brindaram informação importante para redigir este artigo: Patrizio Gonnella e Suzana Marietti, da direção da ONG italiana de direitos humanos Associazione Antigone, o jurista italiano Luca Baiada, e a escritora francesa Fred Vargas, além de numerosos juristas, intelectuais, políticos e voluntários de direitos humanos de diversos países.

Em 31/12/2010, a Advocacia Geral da União (AGU) do Brasil deu a conhecer o parecer AGU/AG-17/2010, redigido pelo consultor Moraes Godoy, que no § final (170) opina contra a extradição 1085, com base no item 3.1.f do Tratado de Extradição Brasil-Itália, entendendo que a situação de Cesare Battisti se agravaria por causa da sua relevante atividade política anterior.

Em seu relatório, especialmente, na seção (VI), entre os §§ 106 e 107, Godoy elenca de maneira sistemática e rigorosa dúzias de eventos refletidos em declarações de pessoas públicas ou publicados em jornais, que mostram o clima de insegurança e ameaça contra o extraditando.

Em seu despacho final, Albuquerque faz referências breves, especialmente nos §§ 17, 18 e 19, ao clima de agitação popular contra a esquerda alternativa, que se conserva na Itália desde há 30 anos, e que envolve, entre outras, a figura de Cesare Battisti. Disto deduz:

Esses fatos constituem substrato suficiente para configurar-se a suposição do agravamento da situação de Cesare Battisti caso seja extraditado para a Itália.

Veja o parecer do consultor da União, o despacho da AGU, e a decisão do presidente nesta página do site da AGU: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTextoThumb.aspx?idConteudo=152830&id_site=3

Apesar do excesso de gentilezas com a dita “democracia” italiana, estes documentos tem enorme valor técnico, pois mostram a razão fundamental pela qual Battisti correria risco no país requerente: sua situação geral se tornaria mais grave, já que os líderes italianos estam criando um clima que, em termos não jurídicos, seria de “linchamento” [a AGU não usa esta palavra]. O despacho menciona o fato bem conhecido de que também nas democracias há perigos que excedem o poder de controle do estado. A qualidade deste trabalho, sua transparência jurídica e a precisão das colocações não poderiam passar despercebidas nem a leigos bem intencionados, muito menos a juristas. Então, a absurda e bizarra polêmica que se criou em torno à validade do despacho, só pode atribuir-se aos sujos interesses que o requerimento de Itália tem mobilizado em alguns atores sociais brasileiros.

Apesar de que a AGU se omita em relação com as fraudes no julgamento de Battisti (embora tampouco negue a sua existência), o argumento da AGU é mais do que suficiente para que qualquer corpo jurídico com um mínimo de honestidade pública rejeite a extradição. Como isto não é o que vivemos no Brasil, desejo fazer uma justificação bem mais detalhada.

Os Argumentos da AGU

Um anterior ministro do STF, Eros Grau, mencionou, num artigo escrito para uma revista jurídica, que o chefe de estado era o único que poderia decidir sobre a recusa da extradição, desde que se adequasse ao Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana (assinado em 1989, aprovado em 1991, ratificado, promulgado e publicado em 1993), e ofereceu, como exemplo de possível uso desse tratado, o artigo 3º, número 1, letra f.

Os argumentos do parece do consultor da União, como os do despacho baseado nele, retomam a mesma linha de raciocínio. O item mencionado diz o seguinte:

Artigo III

Casos de Recusa da Extradição

1. A Extradição não será concedida:

a)... b)... c)... d)... e)...

f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados. [Grifos Meus]

Cesare Battisti foi um militante político da esquerda marxista e, embora tenha deixado a militância em 1978, ainda se considera um cidadão de convicções ou ideologia marxista. Ou seja: continua tendo um tipo de opinião política, que fora fortemente perseguida na Itália.

O tratado recusa a entrega do extraditando se essa opinião política fosse motivo para o agravamento da sua situação. Há dois sentidos de “agravamento”.

1. Um agravamento da alguém acusado de um delito é sofrer punições adicionais às determinadas pelas leis, que, nos países civilizados, somente estabelecem limitações à liberdade e nenhum outro dano.

Qualquer ação que colocasse em risco a vida ou a integridade física ou psíquica do réu seria um agravamento das condições iniciais. Isto aconteceria se fosse torturado, humilhado, privado de necessidades essenciais, etc. e, finalmente, morto. A morte pode produzir-se por assassinato dos funcionários da prisão ou pelo linchamento da ralé enfurecida com cumplicidade da segurança.

2. Há um conceito de agravamento adicional ao anterior; o prisioneiro tem a sua situação agravada, quando o tratamento fixado legalmente que receberá no país requerente (neste caso, a Itália) é mais grave que o tratamento que receberia se tivesse cometido o mesmo delito no país requerido (o Brasil) e fosse julgado e punido nele.

Veremos provas evidentes de que ambos os casos de agravamento acontecerão com Battisti: seu estado físico e psíquico será agravado pela forte hostilidade das pessoas que o estão esperando para “acertar” contas, e a pena inicial dada a Battisti será agravada pelas condições carcerárias (caso viva o suficiente como para ser preso)

A Voz de ANTIGONE

Em relação com o agravamento por condições prisionais, quero me basear na autorizada palavra da ONG italiana ANTIGONE, presidida por Patrizio Gonnella e codirigida por Susanna Marietti, ambos militantes de direitos humanos e coordenadores de programas de defesa das vítimas de encarceramento desumano.

ANTIGONE é uma das ONGs de DH mais prestigiosas da Europa, mas, além disso, é a melhor informada e a que realiza mais investigação no campo prisional, que é sua única área de atuação. Em novembro de 2009, escrevi a Patrizio e Susanna pedindo que enviassem uma mensagem objetiva ao presidente Lula, indicando quais eram os riscos que correria Battisti se fosse extraditado. Naquela época, essa carta teve bastante difusão, mas quero reproduzi-la agora em sua versão completa. Todos os grifos são meus.

Exmo. Sr. Presidente do Brasil

Luiz Ignácio Lula da Silva

Secretaria de Direitos Humanos

direitoshumanos@sedh.gov.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

Presidente Lula,

Antigone é uma ONG italiana que trabalha desde há 30 anos pelos direitos humanos das pessoas prisioneiras.

Gostaríamos dar nossa contribuição para tornar VE consciente dos riscos que Cesare Battisti correrá, se ele for extraditado a Itália.

AS CONDIÇÕES DE VIDA NAS PRISÕES ITALIANAS NUNCA FORAM TÃO RUINS COMO SÃO AGORA.

A superlotação priva os prisioneiros de toda dignidade e coloca suas vidas no limite.

Mais de 60 detentos tem cometido suicídio durante 2009, um número nunca visto antes. Muitas pessoas têm morrido em circunstâncias que ainda não foram investigadas, entre as quais está a violência e a falta de cuidado médico.

O regime prisional regido pelo artigo 41 bis da Lei Penitenciária Italiana é tristemente conhecido por ter sido várias vezes criticado pela Corte Européia dos Direitos Humanos.

As sentenças de prisão perpétua são quase sempre cumpridas integralmente, apesar de que a Constituição Italiana diz que as sentenças devem servir para a reintegração social. Brasil, com um profundo sentido de alta justiça, tem abandonado a prisão perpétua.

Nós consideramos realmente, que a vida de Battisti – quem, atualmente, é uma pessoa perfeitamente integrada na sociedade, e já passou várias décadas desde a época em lhe foram imputados aqueles crimes- seria colocado em risco se fosse extraditado ao nosso país.

Esperando que VE continue considerando as circunstâncias as quais fazemos referência aqui, me despeço.

Atenciosamente

Patrizio Gonnella

(Presidente de Antigone)

Note que Gonnella diz que as condições das prisões são piores de que nunca. Então, elas devem ser piores que na época de Mussolini, que é uma época recente na história da Itália.

Observemos então os possíveis agravamentos:

1. Morte, pois a organização Antigone diz que “a vida de Battisti [...] seria colocada em risco se fosse extraditado...”

2. Indução a suicídio, pois eles dizem que as condições internas das prisões conduziram a 60 detentos a se suicidar só em 2009 (Em 2010 foi algo maior.)

3. Violência e Falta de Cuidado Médico. Nenhuma destas duas condições está prevista legalmente na pena. Logo, um prisioneiro submetido a violência, ou abandonado a doenças, esta tendo sua situação agravada.

Esta mesma versão da carta pode ser vista em

http://cesarelivre.org/node/210

La versão original em inglês está em:

http://sites.google.com/lungarbattisti/documentos

Quem não acredite, pode comunicar-se diretamente por e-mail com Patrizio Gonnella, uma pessoa extremamente aberta: presidente@associazioneantigone.it Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. . Como a paranoia dos linchadores nem sempre tem limites, alguns podem pensar que este e-mail é falso. Então, aqui estão as coordenadas completas de Antigone:

Via Zalaffi, 10 - Loc. Renaccio - 53100 Siena - +39 0577 378081 - Fax +39 0577 379059

Ameaças Coletivas

Entre as ameaças coletivas está o clima geral de ódio contra Battisti na sociedade italiana, e em setores específicos da classe política e civil. Não quero enfatizar novamente as provocações e insultos de diversos setores do estado italiano contra o governo e o povo brasileiro, amplamente detalhados no excelente parecer do consultor Moraes Godoy. Cingirei minha apresentação aos desafios recentes, implementados através de ameaças e atos de violência.

Tumulto na Embaixada Brasileira

Manifestações de ódio e vingança contra Battisti e contra Brasil surgem esporadicamente, muitas vezes com vigor renovado. No seguinte vídeo, pode ver-se (e ouvir-se), uma passeata contra a embaixada brasileira em Roma, onde os participantes levantam diversas injúrias contra o Brasil. Veja os principais trechos com especial atenção:

No segundo 21 e seguintes, mostra-se um cartaz onde se chama a Brasil de “cúmplice de um assassino”, o que também é falado por uma mulher do público segundos antes. No instante 2 min 3 seg podem ver-se os símbolos de um grupo que lembra o massacre da rua Acca Laurenzia (ou Laurentia). Nesse estrago morreram cinco jovens fascistas, em janeiro de 1978. Em nenhum documento italiano jamais se acusou ao grupo de Battisti de qualquer vinculação com o crime. Então, o levantamento desse fato naquelas circunstâncias visa criar animosidade sobre uma culpa não real. Nos últimos segundos aparecem dizeres como “Lula Canalha” e frases ofensivas contra os brasileiros, especialmente as mulheres.

http://www.youtube.com/watch?v=CpE_Emsg-yQ&feature=related

No portal de You Tube há uns 20 vídeos sobre o caso, mostrando manifestações de ódio e fobia de variada intensidade.

Proibição de Livros

Em 2004, quando a França aceitou o pedido de extradição de Battisti pela Itália, propagaram-se protestos massivos entre os intelectuais franceses e, em menor medida, entre os italianos. Em 12/02/2004, foi publicado um abaixo assinado no jornal La Repubblica, de centro-esquerda moderada, com uma lista de mais de 1500 nomes de cidadãos que pediam repudiavam a extradição.

Essa reação dos esclarecidos contra a barbárie enraiveceu os que ocupam posições de poder na Itália. Sempre os intelectuais assinantes da lista foram xingados, injuriados, amaldiçoados, mas em janeiro de 2011, o ódio linchador deu um salto de qualidade: agora, eles exigiam a proibição de quaisquer livros (fossem ou não de política) que tivessem sido escritos por quaisquer autores (fossem ou não de esquerda) assinantes da lista. A punição de estendia às pessoas dos escritores: eles não poderiam dar aulas, nem ser convidados para conferências e cerimônias.

Em 15/01/2011, o conselheiro municipal Paride Costa, da prefeitura de Martellago (Veneto), membro de um partido de direita, propôs essa vingança massiva, sendo calorosamente acolhido pelo assessor de cultura da Veneza, Raffaele Speranzon.

A medida mereceu a rápida adesão de Franco Maccari, líder do sindicato nacional de policiais (COISP), uma das corporações trabalhistas mais poderosas da Europa, que propôs a extensão da medida a toda a Itália, e a proibição também de vender qualquer um desses livros.

Você pode ler, entre outros muitos, o seguinte jornal da época:

www.gazzettino.it/articolo_app.php?id=35710&sez=NORDEST&npl=&desc_sez=

Uma jovem e importante conselheira da região do Veneto, Elena Donazzan (n. 1972) apoiou a campanha. Elena (foto) entrou na juventude fascista com 12 ou 13 anos, militou no partido herdeiro direto do fascismo (MSI) e depois em Alleanza Nazionale. Mas ela vai além de seus colegas: não apenas apoia a medida de proibir os livros, isolar os autores e condenar os escritores até que estes se arrependam e retirem seus nomes da lista. Ela, aliás, insulta os poucos políticos sensatos (mesmo inimigos de Battisti) que comparam essa proibição com uma queima de livros nazista. Ela disse que afirmar isso é ser antipatriota e cúmplice de criminosos. Vide:

www.ilcolleinforma.com/2011/01/battisti-donazzan-esagerato-e-privo-di-senso-paragone-con-rogo-libri/

Observemos:

(1) Os linchadores não atacam apenas a pessoa Battisti. Atacam também seus amigos.

(2) Mas, não só os amigos. Qualquer pessoa neutral, que considere injusta e extradição, mesmo que não tenha nenhuma simpatia por Battisti, também é atacada.

(3) Mas, não são apenas os autores: são atacados seus livros, mesmo os que nada têm a ver com política, como os quadrinhos de faroeste (Lucky Luke) de Daniel Pennac.

(4) Mas, alguns dos linchadores, ainda chegam ao 4º nível de ódio: atacam também aqueles que se opõem aos ataques.

Quem disse que Battisti corre risco na Itália?

Perigos Concretos e Antecedentes

O clima geral de ameaça é formado pela ralé fascista, pelos políticos delinquenciais e por uma massa de corruptos na qual aparecem muitos nomes, mas não todos. Temos Donazzan, Alfano, Frattini, Gasparri, Pirovano, etc., mas temos milhares que ninguém conhece.

Existe, ainda, um perigo maior: o daqueles que formulam ameaças concretas e que possuem o poder para aplica-las. Algumas dessas ameaças estão até apoiada pela própria lei; exemplo: não cumprir a promessa feita a Brasil de que a punição de Cesare não seria maior de 30 anos.

Aliás, há também os que já tentaram sequestrar ou matar Battisti no passado. Estes antecedentes, como o da operação Porco Vermelho mostram que as ameaças não são apenas possíveis, mas já foram tentadas. Aliás, não apenas foram consentidas, como ENCOMENDADAS pelo estado. Porco Vermelho foi um ato terrorista encomendado pelos serviços de inteligência militares.

Operação Porco Vermelho

Entre 2004 e 2005, o grupo terrorista DSSA (Dipartimento Studi Strategici Antiterrorismo), formado por policiais aposentados liderados pelo mercenário Gaetano Saya (genovês, delegado aposentado) tentou sequestrar Battisti, desaparecido da França, e também outros dois refugiados: Alessio Casimirri, na Nicarágua e Alvaro Loiacono, na Suíça. O SISMI (Servizio per le Informazioni e la Sicurezza Militare), como se chamava nessa época, pagou uma certa quantia ao DSSA, segundo parece, 2 milhões de euros. O fato não vingou por problemas entre eles, possivelmente briga por mais dinheiro. Atualmente, o DSSA atua sob outra sigla, acompanhando as mudanças nos serviços secretos italianos.

A operação de sequestro se denominou Porco Vermelho, em referência chula à ideologia de esquerda das vítimas. Como é bem conhecido, quando um grupo parapolicial sequestra seus alvos, mas não consegue, por algum motivo, desloca-los, os executa.

Risco de Prisão Perpétua

Battisti foi condenado a duas prisões perpétuas. Como essa condena foi confirmada por um tribunal italiano, o risco de cumprir essa pena é total, e não apenas muito provável, como seria um linchamento. Apesar de ser legal na Itália, a prisão perpétua seria um agravamento da situação do extraditado. Com efeito:

1. Suponha que Battisti realmente tivesse cometido os quatro homicídios e os tivesse cometido no Brasil, e que os crimes não fossem políticos.

2. Portanto, Battisti seria acusado de ter cometido 4 homicídios comuns, premeditados, por motivo torpe.

3. Sua pena seria de 30 anos, que, eventualmente, e considerada uma conduta positiva na prisão, poderia ser reduzida, talvez, a 20 anos.

Mas, na Itália Battisti estaria fadado a cumprir prisão perpétua. Passar de 20 anos de prisão a prisão perpétua, é ou não é um agravamento?

Algumas almas boas e ingênuas, que acreditam na santidade dos membros do Opus Dei, refutam este argumento meu, porque dizem que o relator brasileiro do caso Battisti exigiu a Itália um máximo de pena de 30 anos. Bom... para quem confia na palavra dessa galera, ouçamos as próprias autoridades italianas.

No dia 07/05/2007, o então ministro de Justiça da Itália Clemente Mastella (foto) fez uma revelação a Alberto Torregiani, o filho de uma das vítimas dos Proletários Armados para o Comunismo (o joalheiro Pierluigi Torregiani), segundo o jornal La Repubblica, um dos mais sérios da península. Reproduzo literalmente o começo do §3:

“Nella conversazione con Alberto Torregiani, il ministro avrebbe spiegato che quel riferimento al fatto che Battisti non rischierà il carcere a vita, era dettato dalla volontà di evitare eventuali problemi con l'autorità giudiziaria del Brasile, paese nel quale l'ergastolo non è previsto.”

“Na conversa com Alberto Torregiani, o ministro teria explicado que aquela referência ao fato de que Battisti não corre risco de passar a vida no cárcere foi ditada pela vontade de evitar qualquer problema com a autoridade judiciária do Brasil.”

[grifo meu]

www.repubblica.it/2007/03/sezioni/cronaca/battisti-arresto/mastella/mast...

Matéria intitulada: Farò di tutto per estradare Battisti

Essa explicação foi exigida pelos familiares das “vítimas”, que se incomodaram com uma declaração feita por Mastella ao Corriere della Sera. Ele tinha prometido ao Brasil que a pena de prisão perpétua não era real. O preso teria direito a descontos, liberdade antecipada, saídas periódicas e outras vantagens, o que enfureceu os parentes de Torregiani e Sabbadin. Veja a declaração de Mastella no Corriere.

http://archiviostorico.corriere.it/2007/maggio/07/Battisti_parenti_delle...

Alberto Torregiani comentou essa afirmação de Mastella.

“Se isso que Mastella falou é uma jogada para obter a extradição [...] e depois aplicar as leis sem desconto, tudo bem. Ora, se querem deixá-lo livre em alguns anos, Mastella deve se demitir”. [Grifo meu]

Mastella emitiu uma nota oficial onde explicava:

“Isso que parece uma avaliação fraca dos crimes de Battisti, em realidade foi um truque para ter sucesso na entrega do extraditando”. [Grifo meu]

A matéria completa mostra de que maneira o ministro pensava “enganar” os brasileiros para que acreditassem que o tratado do prisioneiro seria o mesmo que no Brasil, e aceitassem a entrega. Mastella se limita a falar de “convencer” os brasileiros, mas não diz (obviamente) que a cúpula do STF era cúmplice de sua manobra.

www.archivio900.it/it/articoli/art.aspx?id=8176

Em março de 2009, vários italianos condenados a prisão perpétua enviaram uma carta aberta ao presidente Lula, agradecendo que, ao recusar a extradição de Battisti, mostrasse sua preocupação por uma pena cruel e desumana como a prisão perpétua. Minha tradução desta carta pode ser acessada no site

http://apesardevc19641985.blogspot.com/2009/09/carta-aberta-ao-president...

A Itália tenta amenizar no exterior a excessiva crueldade de seu sistema prisional, e faz acreditar aos governos que os detentos com boa conduta podem ser liberados aos 26 anos, mas, na realidade, dúzias de condenados já passam dos 30 anos de cadeia e até há casos de 47. Um excelente artigo de Tito Papo está em:

www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/09/454317.shtml

Acertos de Contas

No 20/01/2009, o sindicato de carcereiros da Itália OSAPP exigiu a imediata extradição de Battisti, sendo a primeira instituição privada que se manifestou. Segundo a agência ANSA, os carcereiros manifestaram o seguinte:

"A extradição não deve ser negada", ressalta a OSAPP, referindo-se à decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder o refúgio político a Battisti.

Desta forma, a organização de agentes carcerários se uniu ao jornal Il Tempo, que em sua edição de hoje faz um apelo explícito ao governo brasileiro para que “de nenhuma maneira seja responsável por ajudar Battisti”.

O secretário do sindicato, Leo Beneducci, explicou que a iniciativa da organização se deve ao fato de que o agente penitenciário Antonio Santoro foi uma das pessoas mortas por Battisti. [grifo meu]

www.ansa.it/ansalatinabr/notizie/notiziari/brasil/20090120141734808221.html

NOTA. Beneducci não é o típico exemplo de policial truculento, e até tem mostrado atitudes humanitárias em alguns momentos. Ele responde a pressões e ameaças de seus membros, segundo fontes bem informadas.

Ora Battisti supostamente matou quatro pessoas. Por que a OSAPP invoca apenas uma das mortes? O texto mostra claramente que os carcereiros procuram vingança e não justiça. Justiça seria pedir a punição de alguém por todos seus delitos, mas a OSAPP só está preocupada pelo seu associado: Antonio Santoro. É um claríssimo caso de feudo de sangue corporativo.

Como OSAPP é o sindicato dos carcereiros, então Battisti será “cuidado” pelos que querem vingança. A certeza de execução dentro da prisão, ou a aplicação de torturas só pode ser negada por aqueles que, seja no Brasil ou na Itália, têm interesses nojentos na extradição (sejam políticos, financeiros, ideológicos, etc.). Aliás, desde 1965, a Itália é o campeão europeu de torturas e terrorismo de estado, mais que os governos fascistas da Espanha e do Portugal no mesmo período.

Guerra com o Brasil?

O site do OSAPP e reproduz uma frase do sindicato da polícia, COISP:

Bisognerebbe entrare in guerra con Paesi che consentono a degli assassini di starsene comodamente...

Precisaríamos entrar em guerra com os países que consentem que os assassinos fiquem comodamente...

O autor desta bravata é o secretário geral do Sindicato Policial (COISP), Franco Maccari (foto). Este alto oficial da polícia (líder da famigerada chacina de Gênova durante o G8) não é um desconhecido, cuja opinião possa ser desprezada. É claro que não está planejando uma guerra com o Brasil, mas matar não apenas uma, mas, uma centena de pessoas seria muito mais fácil que uma guerra.

www.nsd.it/forze-di-polizia/coisp-duro-attacco-al-governo-brasiliano-per...

Ameaças de “Vítimas”

Os particulares têm seus próprios planos de vendetta. Para se informar sobre o ódio pessoal e os possíveis projetos de vingança, é ilustrativo o site AIVITER, cujo endereço é este:

www.vittimeterrorismo.it/iniziative/spinelli.htm

Neste portal, há duas coisas que chamam a atenção:

Apesar de ter havido muitos megaatentados terroristas durante 11 anos, com centenas de mortos e milhares de mutilados, o site só se refere a eles de vez em quando. Os editores acusam a esquerda de qualquer ato contra policiais, militares, juízes e fascistas civis, mas não fala dos autores dos megaatentados, que eram fascistas. Apenas lembra a data e prepara algumas lembranças inofensivas (atos públicos, corais, missas, etc.)

Eles mantêm, durante anos, uma página dedicada a Battisti, onde não pedem apenas a extradição. Exigem represálias contra a França e o Brasil, insultam os que peticionaram a liberdade do escritor, e até atacam os grupos neostalinistas porque, apesar de estar a favor da extradição de Battisti, evitam ser vistos nos atos dos neofascistas de AIVITER. O editor da página reclama que o Partito Democrático (os ex-stalinistas) se envergonham de seus irmãos de causa.

Numa das várias conversas das vítimas com Mastella, estas insistiram que a prisão não era suficiente pois "Quell'uomo presto uscirà dal carcere" (aquele homem sairá do cárcere logo), apesar de que não se conhece quem tenha podido fugir do 41-bis.

Ameaça de um Ministro

Enquanto os profissionais da violência, como policiais e carcereiros, fizeram ameaças muito concretas de “acertar contas” com Battisti, os altos políticos, incluídos os fascistas, preferiram mostrar seu ódio com “simples” injúrias e obscenidades. Um caso, especial, porém, foi o do ministro de defesa, Ignázio la Russa, antigo chefe de Il Fronte della Giuventù, filho de um grande líder fascista e ele próprio membro de vários grupos fascistas (entre eles o MSI), em sua idade adulta. Destacou-se por sua amizade com o terrorista Nico Azzi, falido autor da explosão de um trem, e protegeu alguns dos autores do estrago de Piazza Fontana.

O jurista brasileiro Luís Barroso menciona uma ameaça feita publicamente por La Russa de que desejaria torturar Battisti.

http://mg1.com.br/plus/modulos/noticias/ler.php?cdnoticia=2729

Num tom menos explícito, La Russa declarou aos jornalistas que ele tinha interesse em “falar a sós” com Battisti, quando o tivesse trancafiado na prisão.

Balanço dos Agravamentos

Em que consistiria o agravamento da situação de Battisti?

Tipo de Agravamento

Prova de Existência

Probabilidade

Prisão perpétua, que é ILEGAL para os padrões brasileiros

Declarações do Ministro Mastella de que não cumpriria as promessas feitas ao Brasil

TOTAL

Tortura e Diversas Formas de maus Tratos

Ameaças do Sindicato da Polícia

ALTÍSSIMA

Idem

Ameaças Sindicato de Carcereiros

ALTÍSSIMA

Idem

Ameaças do Ministro da Defesa

ALTA

Assassinato

Ameaças de policiais e civis

ALTA

Idem

Ameaças de carcereiros

ALTÍSSIMA

Linchamento

Ameaças de políticos, da ralé fascista, de magistrados, de ONGs de militares e policiais

MUITO ALTA

Precisa-se muito cinismo para pensar que todos estes dados são insuficientes para inferir a existência de risco na Itália. Se os caporegimi do STF podem sustentar isto, é porque na sociedade existe uma absoluta impunidade para os donos do verdadeiro poder. A exigência do STF de “analisar” as razões dadas pela AGU vai além do: é um olhar para a sociedade e dizer: “Estão vendo, seus... Nós temos o poder e fazemos o que queremos”.

É claro que isto não tem consequências apenas para Battisti. Milhões de pessoas vivem sob essa tirania e talvez nunca consigam se alforriar dela. Hoje, ninguém participa de movimentos de esquerda armados, mas é errado pensar que eles são as únicas vítimas destes inquisidores medievais. Quase toda a sociedade carece de direitos de gênero, raciais, de vida íntima, de liberdade de crença, etc. Até a formal liberdade de opinião, que não faz dano a ninguém, é punida. Grandes jornais são censurados, pessoas que denunciam o racismo ou a tortura são acusados de injúrias. Um verdadeiro século 13.

Fonte: por e-mail

O LENTO DESPERTAR DO POVO MARROQUINO

O LENTO DESPERTAR DO POVO MARROQUINO

imagemCrédito: ODiario.info


Miguel Urbano Rodrigues

A vaga de contestação que fustiga o mundo árabe chegou tarde a Marrocos.

Foi somente a 20 Fevereiro que ali ocorreram as primeiras manifestações de protesto contra o regime. Anunciadas com antecedência, nelas participaram em Casablanca e Rabat umas 8 000 pessoas. A polícia dissolveu-as com brutalidade.

Os organizadores, intelectuais e sindicalistas, esclareceram na convocatória que a iniciativa era pacifica e não visava o derrubamento do regime. «Menos poder para a monarquia» e «o rei deve reinar e não governar» foram as tímidas palavras de ordem mais ouvidas.

Transcorridas duas semanas, a 9 de Março, o rei Mohamed VI pronunciou um discurso que foi saudado com entusiasmo pelos meios de comunicação social.

Alguns jornais qualificaram a fala do monarca de «revolucionária», base da «nova monarquia».

Analistas ditos liberais viram no discurso um verdadeiro programa que fixava «o rumo para a democracia».

Que disse ou prometeu, afinal, o jovem monarca para justificar tamanha euforia?

Muito pouco, quase nada.

Criou uma Comissao Consultiva para a Regionalização e incumbiu-a de elaborar uma revisão da Constituição. Fez o elogio da sua obra governativa, mas esclareceu que, atento às aspirações do povo, se propõe a encaminhar o regime para uma democracia parlamentar, delegando oportunamente poderes num primeiro-ministro. O presidente da Comissão, em conferência de imprensa, informou que vai propor três emendas à Constituição: a revogação da tutela dos governadores sobre os conselhos regionais, a atribuição de poderes legislativos aos presidentes das Regiões e medidas em beneficio das mulheres.

Os elogios ao rei, nos jornais, na TV e na Rádio, prosseguiram. Mas, transcorridos uns dias, os media deram voz à oposição legal e houve quem definisse o regime como uma ditadura anacrónica.

Uma instituição universitária promoveu em Casablanca uma mesa redonda sobre o tema «A efervescência no Mahgreb: lógicas e perspectivas geopolíticas». Os participantes assumiram posições diferentes no tocante a uma questão colocada: será Marrocos uma excepção no mundo árabe?

A maioria dos académicos optou pela ambiguidade nas respostas. El Houssain, professor de Relações internacionais, recusa a tese da excepcionalidade, afirmando temer os efeitos crise económica e um aumento do desemprego, declarou preferir o termo «revolução» a «efervescência» para caracterizar os acontecimentos.

Brahim Fihri, presidente do Instituto Amadeus, declarou com pompa que Marrocos está a viver «a revolução do rei e do povo», orientada para «um novo contrato social» sem cor ideológica. Para ele o perigo vem exclusivamente do movimento islamita Al Adl Wal Ibsade, que estaria preparando uma «emboscada» ao rei, porque «o nacionalismo árabe é perverso».

Não houve uma intervenção de carácter progressista durante essa mesa redonda.

Pela linguagem e estilo o discurso político em Marrocos das personalidades que ali falam de «revolução» lembra o dos dirigentes do PS e do PSD quando reflectem sobre a crise portuguesa. Para eles a solução para os problemas nacionais será uma redistribuição equilibrada da riqueza nacional e a criação de «fundos contra pobreza» …

Não explicam obviamente o que fazer para redistribuir a riqueza numa sociedade com uma estrutura de classes semi feudal, marcada por desigualdades afrontosas da condição humana.

No dia 13 de Março a Policia dispersou em Casablanca uma manifestação de centenas de pessoas. Houve numerosos feridos. O diário de língua francesa «Les Echos» dedicou ao assunto 16 linhas, acompanhadas de uma fotografia, sublinhando que a maioria dos participantes eram islamistas da Al Adl Wal Ibsade.

Comerciantes com quem falei desvalorizaram o protesto. Mas para o dia 20 o Movimento Mudança 20 de Fevereiro – assim se intitula- convocou novas manifestações. Segundo as agências noticiosas, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas em 20 cidades. A polícia não interveio desta vez e o número de incidentes terá sido mínimo.

As palavras de ordem eram novamente brandas. A maioria pedia ao rei que afaste os ministros envolvidos em negociatas. Alguns manifestantes exibiam cartões amarelos (não vermelhos) numa advertência ao monarca.

A CRITICA DO DESPOTISMO

Das muitas criticas ao regime que li nos jornais durante a minha permanência em Marrakech, a mais dura foi a de Fouad Abdelmouni, um activista dos direitos humanos que, nos anos 80, passou anos na prisão por preconizar a proclamação da república.

Sem mastigar as palavras, afirmou numa entrevista que Marrocos está submetido a um regime de absolutismo monárquico, exercido na continuidade de uma teocracia califal.

Numa critica frontal aos políticos que defendem uma transição na qual o rei, como príncipe dos crentes, mantenha um controle firme do Estado como árbitro, Abdelmouni, mostrou-se céptico. Recordou que Mohamed VI, quando sucedeu ao pai, anunciou no discurso do trono a criação de um Estado moderno, democrático. Mas não cumpriu a promessa e governou como déspota.

Abdelmouni reivindica não a alteração de artigos da Constituição vigente, mas a convocação de uma Constituinte.

Poderia concluir-se que este intelectual é um revolucionário que sugere soluções radicais.

Mas o seu projecto é o de um reformismo inócuo. Na sua opinião, «a monarquia parlamentar é o único projecto válido hoje». Abdelmouni identifica-se com a posição moderada do Movimento 20 de Fevereiro e de todos aqueles que contestam o absolutismo monárquico, «dos islamistas aos comunistas».

Para se entender o que isso significa, cabe esclarecer que o antigo Partido Comunista Marroquino mudou de nome e programa duas vezes. Legalizado, renunciou ao marxismo. É uma caricatura do partido revolucionário de Ben Barka, assassinado a mando do rei Hassan II com a cumplicidade do governo francês. Encontrei dirigentes seus em Kabul numa Conferência Internacional. Apoiavam a anexação do Sahara Ocidental e elogiavam Mario Soares …

ABDELLATIF LAÂBI E A HORA DA VERDADE

Os intelectuais marroquinos que apoiam o Movimento 20 de Fevereiro afirmam desejar uma mudança profunda. Mas, com poucas excepções, o seu discurso é enganador. Na realidade ambicionam apenas mudanças que imponham uma fachada democrática ao regime mantendo quase intactas as económicas de uma sociedade que tem evoluído no quadro de um capitalismo dependente e anacrónico.

Tal atitude aparece com clareza na posição assumida por Abdellatif Laâbi, um dos mais talentosos escritores do país.

Esse romancista francófono, galardoado com o Premio Goncourt, saúda a aspiração do povo à liberdade, à dignidade e à justiça social, condena a minoria de privilegiados que acumulou imensas riquezas, fustiga a sua arrogância e manifesta solidariedade com os jovens e a massa dos excluídos e explorados que vegeta na miséria. Lâabi rejeita a tese da «excepção marroquina» defendida pelo rei e pelos seus epígonos porque – sublinha - a democracia exige soberania popular.

Mas, simultaneamente, elogia a lucidez do monarca e o seu espírito reformista para concluir que «a hora da verdade» soou em Marrocos e que a única opção positiva será «a instalação da democracia sobre bases irreversíveis».

Que bases? Ele explica: «a chave da mudança permanece, sejamos claros, nas mãos da monarquia». Porque o rei «é o arbitro, o garante da unidade nacional, da segurança do pais e dos cidadãos, das liberdades individuais e colectivas, e do pluralismo cultural e politico». Somente assim, acredita, decretada uma amnistia geral e abolida a pena de morte, Marrocos poderá, seguir «o exemplo de outros povos árabes que tomaram o seu destino nas mãos e entraram na História pela porta grande».

Abstém-se de formular a mais leve critica à política de intima aliança com os EUA que assume os contornos de vassalagem.

O conceito de democracia de Abdellatif não é, registo, muito diferente do perfilhado por Mário Soares, um politico profundamente conservador, mascarado de socialista.

O respeito quase reverencial pela monarquia não é identificável somente nos intelectuais. É um sentimento compartilhado pela maioria da população, sobretudo nos meios rurais.

Enquanto na Jordânia, no Kuwait, no Bahrein, nos Emirados, na Arábia Saudita as manifestações de protesto contra regimes autocráticos atinge directamente os descendentes desprestigiados de chefes tribais que a Inglaterra colocou no poder em estados artificiais, transformando-os em reis ou emires, isso não ocorre em Marrocos. A oposição, limita-se a pedir a Mohamed VI que reforme um regime tirânico, teocrático, «que reine sem governar», como sugerem os mais audazes.

Terá o monarca revelado a envergadura de um grande estadista? Não. É um jovem de inteligência mediana, que assumiu o poder por direito hereditário. O pai, Hassan II, foi um déspota que governou como os sultões medievais.

Os Alaouitas, diferentemente das dinastias anteriores, berberes, orgulham-se das suas origens árabes. Mohamed VI, como o pai e o avô, afirma descender do Profeta Maomé e, tal como o francês Luis XIV e o prussiano Frederico II, proclama exercer o poder por direito divino.

A monarquia marroquina é uma aberração no século XXI. Somente sobrevive pela alienação das massas num país onde persistem estruturas sociais semi feudais.

A tese da «excepção marroquina», segundo a qual Marrocos não será atingido pela grande vaga de contestação popular que varre o mundo árabe, é, porém, um slogan que deforma a realidade, inventado pela classe dominante.

As manifestações de 20 de Fevereiro, repetidas em Março, apesar de tímidas, assinalam o início de um processo de contestação ao poder despótico que certamente vai prosseguir. O seu rumo e as formas que assumirá a luta não são por ora previsíveis, sobretudo pela ausência de um partido revolucionário com implantação popular.

Mas o despertar do povo de Marrocos é uma inevitabilidade histórica.

Vila Nova de Gaia, 25 de Março de 2011