Ricardo Costa (Rico) *
A grande imprensa tem tratado com sensacionalismo o caso das eleições no Irã, acusando de fraude a vitória de Ahmadinejad e incensando a figura do reformista Moussavi à condição de grande líder da oposição democrática, um verdadeiro “Ghandi do Irã”. A mídia burguesa não deu o mesmo destaque ao massacre promovido pelo governo de Allan Garcia contra a resistência indígena à privatização dos recursos naturais do Peru. Por se tratar de um aliado incondicional dos Estados Unidos, o tratamento é diferenciado. Assim agem os órgãos de comunicação que funcionam como meros transmissores da ideologia dominante.
Mais uma vez, quando se aborda a política no Oriente Médio, a mídia capitalista trata a questão de forma fantasiosa, reduzindo a luta de classes a uma contenda entre “anjos” e “demônios”. A grande imprensa apenas mostrou as manifestações contrárias ao governo, deixando de registrar as igualmente massivas demonstrações populares de apoio ao presidente reeleito. Obviamente, não faz nem jamais fará referência aos grandes interesses imperialistas em jogo, capazes de promoverem uma intervenção externa indireta, por meio de ajuda financeira à campanha de Moussavi, assessoria a grupos opositores através de agências de inteligência, propaganda via internet, mobilizações de jovens e estudantes, chamamento a manifestações em que predomina o discurso da “não violência” e da “desobediência pacífica” contra um “regime tirânico”.
Já conhecemos de longa data as estratégias do imperialismo para desestabilizar governos que se afastam de sua órbita de influência e passam a adotar política de maior independência. No caso do Irã, tal estratégia se utiliza ainda da propaganda em favor dos padrões de vida ocidentais, explorando reconhecido clamor por direitos civis e por mais democracia.
No entanto, é preciso esclarecer: o regime político iraniano não é uma teocracia pura, pois instituições políticas convivem com o poder dos aiatolás. Após a Revolução de 1979, o país passou a ser uma república islâmica, na qual todos os líderes são eleitos, sem exceção. O regime dos aiatolás, construído a partir da articulação das distintas facções que participaram da derrubada da Monarquia do Xá Reza Pahlevi, desenhou um sistema de governo descentralizado, no qual nenhum grupo, nem mesmo o do Partido Revolucionário Islâmico, conseguiu dominar de forma absoluta o cenário político. Isso não impede as disputas internas, como as que se verificam agora, revelando haver forte dissensão no interior do regime.
O líder supremo do Irã é o verdadeiro chefe de Estado, pois é quem verdadeiramente comanda as forças armadas e as comunicações. Em outras palavras, a presidência do Irã não deixa de ser um cargo decorativo, uma espécie de primeiro-ministro sem muita força política. Além disso, o regime islâmico no Irã não é “ortodoxo”: seu caráter republicano chega a ser uma contradição, pois, para os xiitas, somente os descendentes de Ali poderiam liderar a comunidade dos fiéis, o que não é o caso dos aiatolás.
A Constituição do Irã foi aprovada no mesmo ano do triunfo de 1979, através de referendo que obteve 98% de votos a favor. Num país formado por maioria muçulmana, a constituição outorga às minorias religiosas representação política no parlamento. É o único país de maioria muçulmana a permitir a representação política de judeus. As eleições são periódicas: o presidente da nação e o parlamento unicameral são eleitos por sufrágio universal a cada quatro anos.
Podemos dizer que, nos moldes liberais, trata-se de sistema político avançado, em comparação com as monarquias européias e com os Estados Unidos, onde dividem o poder dois partidos de idêntica ideologia. Não podemos esquecer que W. Bush assumiu mediante uma fraude eleitoral! Apontado como a ponta de lança do “mundo ocidental e civilizado” no Oriente, o exemplo de Israel também não pode ser usado como contraponto no aspecto da democracia, pois o país não possui Constituição escrita: são as leis adotadas pelo parlamento que regulam o funcionamento do governo. O presidente de Israel é escolhido no parlamento para um mandato de cinco anos, e seu poder é essencialmente representativo. Trata-se de um regime parlamentar no qual o essencial do poder executivo pertence a um primeiro ministro.
O Irã, portanto, é uma república constitucional, ao contrário de Israel, Arábia Saudita e Reino Unido. Por ser uma república islâmica com algum grau de transparência política, o regime iraniano passou a sofrer oposição de parte do mundo árabe, especialmente da Arábia Saudita, Egito, Jordânia e Marrocos, que chegam a ventilar a hipótese de apoiar o insano projeto israelense de ataque às instalações nucleares do Irã, sobre o qual jogam a suspeita de fabricação de bombas atômicas. Em contrapartida, não se questiona o fato de Israel deter a exclusividade na produção de armas de destruição em massa no Oriente Médio.
Tais considerações, que nos levam a repudiar a recente cobertura jornalística da grande imprensa, ideologicamente comprometida com os interesses do imperialismo na região, não podem elidir análise crítica sobre o papel político do Irã no Oriente Médio, lembrando que o país continua colaborando com os EUA na destruição do Iraque, a despeito das crescentes tensões entre Washington e Teerã. Esquadrões da morte, apoiados pelo regime dos aiatolás, promovem massacres e atos de limpeza étnica em todo o Iraque.
Além desta postura reprovável no cenário regional, os conflitos internos também revelam o descontentamento de grande parte da população em relação à necessidade de se fazer avançar os direitos civis e as conquistas democráticas (o partido comunista, por exemplo, é proibido de agir legalmente no país), além das insatisfações associadas às enormes desigualdades econômicas e sociais, ao crescimento da pobreza, do desemprego e da inflação, como resultado do aprofundamento das relações capitalistas no país e de políticas econômicas antipopulares.
Segundo denúncias do Tudeh, o Partido Comunista do Irã, os líderes do regime, seus agentes e o complexo militar dilapidaram em nível sem precedentes a astronômica renda do petróleo nos últimos anos. E ainda reforçaram o clima de repressão e de terror, com os ataques contra os movimentos operário, feminino, juvenil e estudantil. Também intensificaram a repressão sobre as minorias nacionais e religiosas. O Tudeh defende um amplo processo de reforma calcado na organização e no crescimento do movimento popular, que possa acumular no sentido da construção de uma alternativa ao atual regime, calcada no interesse dos trabalhadores.
Portanto, não há que enaltecer o regime iraniano, cuja política interna, principalmente, difere de forma radical da opção socialista que defendemos. No entanto, o momento é de denunciar os planos imperialistas para a região, rechaçando a tentativa de satanização do governo iraniano por parte dos governos dos EUA, de Israel e de seus aliados europeus, além da grande imprensa, como forma de justificar um novo plano de invasão e ocupação militar no país, a exemplo do que se fez no Iraque. O Irã se transformou na “grande ameaça” ao ter desenvolvido a tecnologia nuclear, colocando-se como contraponto efetivo ao poderio de Israel no Oriente Médio. Além disso, ocupa posição estratégica, tanto do ponto de vista geográfico, quanto econômico, em função do petróleo.
Mais do que nunca, a crise mundial empurra as grandes nações capitalistas a desenvolver projetos belicistas. O Irã surge agora, em função de toda a celeuma criada em torno das eleições presidenciais, como a grande oportunidade para a produção de outra guerra a serviço do imperialismo e da rapina das transnacionais. É contra esta mais nova ameaça à paz e à vida que devemos estar atentos.
* Ricardo Costa (Rico) é Secretário de Formação Política – Comitê Central do PCB
A grande imprensa tem tratado com sensacionalismo o caso das eleições no Irã, acusando de fraude a vitória de Ahmadinejad e incensando a figura do reformista Moussavi à condição de grande líder da oposição democrática, um verdadeiro “Ghandi do Irã”. A mídia burguesa não deu o mesmo destaque ao massacre promovido pelo governo de Allan Garcia contra a resistência indígena à privatização dos recursos naturais do Peru. Por se tratar de um aliado incondicional dos Estados Unidos, o tratamento é diferenciado. Assim agem os órgãos de comunicação que funcionam como meros transmissores da ideologia dominante.
Mais uma vez, quando se aborda a política no Oriente Médio, a mídia capitalista trata a questão de forma fantasiosa, reduzindo a luta de classes a uma contenda entre “anjos” e “demônios”. A grande imprensa apenas mostrou as manifestações contrárias ao governo, deixando de registrar as igualmente massivas demonstrações populares de apoio ao presidente reeleito. Obviamente, não faz nem jamais fará referência aos grandes interesses imperialistas em jogo, capazes de promoverem uma intervenção externa indireta, por meio de ajuda financeira à campanha de Moussavi, assessoria a grupos opositores através de agências de inteligência, propaganda via internet, mobilizações de jovens e estudantes, chamamento a manifestações em que predomina o discurso da “não violência” e da “desobediência pacífica” contra um “regime tirânico”.
Já conhecemos de longa data as estratégias do imperialismo para desestabilizar governos que se afastam de sua órbita de influência e passam a adotar política de maior independência. No caso do Irã, tal estratégia se utiliza ainda da propaganda em favor dos padrões de vida ocidentais, explorando reconhecido clamor por direitos civis e por mais democracia.
No entanto, é preciso esclarecer: o regime político iraniano não é uma teocracia pura, pois instituições políticas convivem com o poder dos aiatolás. Após a Revolução de 1979, o país passou a ser uma república islâmica, na qual todos os líderes são eleitos, sem exceção. O regime dos aiatolás, construído a partir da articulação das distintas facções que participaram da derrubada da Monarquia do Xá Reza Pahlevi, desenhou um sistema de governo descentralizado, no qual nenhum grupo, nem mesmo o do Partido Revolucionário Islâmico, conseguiu dominar de forma absoluta o cenário político. Isso não impede as disputas internas, como as que se verificam agora, revelando haver forte dissensão no interior do regime.
O líder supremo do Irã é o verdadeiro chefe de Estado, pois é quem verdadeiramente comanda as forças armadas e as comunicações. Em outras palavras, a presidência do Irã não deixa de ser um cargo decorativo, uma espécie de primeiro-ministro sem muita força política. Além disso, o regime islâmico no Irã não é “ortodoxo”: seu caráter republicano chega a ser uma contradição, pois, para os xiitas, somente os descendentes de Ali poderiam liderar a comunidade dos fiéis, o que não é o caso dos aiatolás.
A Constituição do Irã foi aprovada no mesmo ano do triunfo de 1979, através de referendo que obteve 98% de votos a favor. Num país formado por maioria muçulmana, a constituição outorga às minorias religiosas representação política no parlamento. É o único país de maioria muçulmana a permitir a representação política de judeus. As eleições são periódicas: o presidente da nação e o parlamento unicameral são eleitos por sufrágio universal a cada quatro anos.
Podemos dizer que, nos moldes liberais, trata-se de sistema político avançado, em comparação com as monarquias européias e com os Estados Unidos, onde dividem o poder dois partidos de idêntica ideologia. Não podemos esquecer que W. Bush assumiu mediante uma fraude eleitoral! Apontado como a ponta de lança do “mundo ocidental e civilizado” no Oriente, o exemplo de Israel também não pode ser usado como contraponto no aspecto da democracia, pois o país não possui Constituição escrita: são as leis adotadas pelo parlamento que regulam o funcionamento do governo. O presidente de Israel é escolhido no parlamento para um mandato de cinco anos, e seu poder é essencialmente representativo. Trata-se de um regime parlamentar no qual o essencial do poder executivo pertence a um primeiro ministro.
O Irã, portanto, é uma república constitucional, ao contrário de Israel, Arábia Saudita e Reino Unido. Por ser uma república islâmica com algum grau de transparência política, o regime iraniano passou a sofrer oposição de parte do mundo árabe, especialmente da Arábia Saudita, Egito, Jordânia e Marrocos, que chegam a ventilar a hipótese de apoiar o insano projeto israelense de ataque às instalações nucleares do Irã, sobre o qual jogam a suspeita de fabricação de bombas atômicas. Em contrapartida, não se questiona o fato de Israel deter a exclusividade na produção de armas de destruição em massa no Oriente Médio.
Tais considerações, que nos levam a repudiar a recente cobertura jornalística da grande imprensa, ideologicamente comprometida com os interesses do imperialismo na região, não podem elidir análise crítica sobre o papel político do Irã no Oriente Médio, lembrando que o país continua colaborando com os EUA na destruição do Iraque, a despeito das crescentes tensões entre Washington e Teerã. Esquadrões da morte, apoiados pelo regime dos aiatolás, promovem massacres e atos de limpeza étnica em todo o Iraque.
Além desta postura reprovável no cenário regional, os conflitos internos também revelam o descontentamento de grande parte da população em relação à necessidade de se fazer avançar os direitos civis e as conquistas democráticas (o partido comunista, por exemplo, é proibido de agir legalmente no país), além das insatisfações associadas às enormes desigualdades econômicas e sociais, ao crescimento da pobreza, do desemprego e da inflação, como resultado do aprofundamento das relações capitalistas no país e de políticas econômicas antipopulares.
Segundo denúncias do Tudeh, o Partido Comunista do Irã, os líderes do regime, seus agentes e o complexo militar dilapidaram em nível sem precedentes a astronômica renda do petróleo nos últimos anos. E ainda reforçaram o clima de repressão e de terror, com os ataques contra os movimentos operário, feminino, juvenil e estudantil. Também intensificaram a repressão sobre as minorias nacionais e religiosas. O Tudeh defende um amplo processo de reforma calcado na organização e no crescimento do movimento popular, que possa acumular no sentido da construção de uma alternativa ao atual regime, calcada no interesse dos trabalhadores.
Portanto, não há que enaltecer o regime iraniano, cuja política interna, principalmente, difere de forma radical da opção socialista que defendemos. No entanto, o momento é de denunciar os planos imperialistas para a região, rechaçando a tentativa de satanização do governo iraniano por parte dos governos dos EUA, de Israel e de seus aliados europeus, além da grande imprensa, como forma de justificar um novo plano de invasão e ocupação militar no país, a exemplo do que se fez no Iraque. O Irã se transformou na “grande ameaça” ao ter desenvolvido a tecnologia nuclear, colocando-se como contraponto efetivo ao poderio de Israel no Oriente Médio. Além disso, ocupa posição estratégica, tanto do ponto de vista geográfico, quanto econômico, em função do petróleo.
Mais do que nunca, a crise mundial empurra as grandes nações capitalistas a desenvolver projetos belicistas. O Irã surge agora, em função de toda a celeuma criada em torno das eleições presidenciais, como a grande oportunidade para a produção de outra guerra a serviço do imperialismo e da rapina das transnacionais. É contra esta mais nova ameaça à paz e à vida que devemos estar atentos.
* Ricardo Costa (Rico) é Secretário de Formação Política – Comitê Central do PCB
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O IRÃ
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Oleh
Rubens Ragone