A economia norte-americana está assentada em um complexo militar - industrial. Se o Pentágono fosse um país, estaria entre as quinze maiores economias do mundo. Segundo Stephen Dais, com os dólares que foram gastos com armamento pelo governo americano, no período de 1947 a 1989 (8,2 trilhões de dólares), poderia se construir um outro do país do porte dos E.U.A., incluindo todas as suas indústrias e infraestrutura existentes. Só no ano de 2002 foi gasta, com armamento em todo o planeta, a soma de 0,8 trilhões de dólares, sendo que cinco países são responsáveis por metade destes gastos. Em 2005, somente o Ministério da Defesa Americano superou a cifra de um bilhão de dólares por dia. O orçamento de desenvolvimento e pesquisa do Pentágono equivale a algo entre 70% e 80% das pesquisas militares realizadas no planeta. Seymour Melman afirma que, desde 1951, o orçamento militar americano envolve uma quantia maior do que a somatória de todas as corporações sediadas no país. O setor bélico (estatal e privado) empregava, em 1986, mais de 6 milhões de pessoas. Um em cada 20 empregos depende direta ou indiretamente de gastos militares (Washington Post - 17/01/1986), sendo que a fronteira entre o que se inclui ou não no orçamento militar é mantida inteiramente na sombra. George McGovern sustenta que, em 1969, a cada dólar pago de imposto pelo cidadão dos Estados Unidos, apenas 28% ficavam liberados para despesas não militares. Como se pode concluir, considerar o “Grande Irmão do Norte” como um estado militarista tem a sua razão.
Atualmente, o capital financeiro e a indústria militar americana, aliados ao capital petrolífero e à grande mídia, compõem o centro hegemônico na estrutura de poder da sociedade americana. A administração W. Bush foi apenas uma expressão mais reveladora da presença deste agrupamento no domínio da maior potência militar do planeta. Após os atentados de 2001, foram autorizados mais gastos militares. As empresas contratadas no setor privado são as mais lucrativas. A Rockwell International multiplicou por oito seus contratos com o Pentágono. Desde então, segundo Mario Pianta, as contribuições às campanhas presidenciais multiplicaram por quatro.
Richard Chenney (Vice-Presidente de Bush) foi executivo principal da Halliburtun Corp, empresa mãe de uma das maiores beneficiárias de contratos com o Pentágono, a Kellogg, Brown & Root, que ganhou contratod milionários para as obras do Iraque ocupado. Na vigência da política contra o “eixo do mal”, os gastos militares foram elevados em 18% para fim de modernização tecnológica. Empresas como Boeing, Lockeed Martin e Northorp Grummann estão entre as que mais faturaram com os avanços da máquina da guerra.
Vinte e dois dos cinquenta estados americanos dependem das despesas militares. Em 14 estados o emprego está ligado a empresas com íntima relação com o sistema de defesa. A economia deste país não pode suportar o desarmamento. Em sete estados, a indústria da guerra representa 20% da economia. Desta forma, é fácil chegar à conclusão de que a economia dos Estados Unidos é extremamente dependente da máquina de destruição da vida. Os grupos industriais norte americanos, que, nas décadas de 1920 e 1930, eram inseridos na produção automobilística, migraram, com a crise de 1929 e a II Grande Guerra, para as encomendas militares. O complexo industrial militar do Tio Sam é de um tipo jamais visto na história da humanidade, que resultou (direta ou indiretamente) nas guerras mais sangrentas da experiência humana na Terra.
A história da economia armamentista norte americana andou, lado a lado, com o aumento do déficit público. As aparentes tentativas de fazer encolher ou de formatar o complexo militar-industrial converteram-se em seu oposto, isto é, em mais gastos militares. Em 1949, houve uma depressão na economia dos Estados Unidos, com diminuição do Produto Interno Bruto e quebra das importações. Este fenômeno estava relacionado ao desarmamento seguido pelo fim da Guerra. A Guerra da Coréia reverteu esta tendência, realimentando as taxas de lucros. A saída encontrada pela economia capitalista para a crise de superprodução veio com a corrida armamentista e não através da adoção da Teoria Geral de Keynes, como muito se divulga. Para Claudio Katz, é importante observar o desenvolvimento tecnológico, que se faz fundamental neste setor. Katz indica que todas as inovações tecnológicas significativas nas últimas décadas, foram inicialmente concebidas na esfera militar: a microeletrônica surge como resolução de problemas de balísticas; a energia nuclear veio do âmbito militar, etc.
No imediato pós-guerra, a demanda mundial era inferior à capacidade produtiva dos Estados Unidos. A pura e simples expansão produtiva poderia agravar ainda mais a superprodução. A indústria da guerra tem o “mérito” de elevar o poder de compra e, consequentemente, o consumo, sem produzir uma massa de mercadorias que vão ao mercado competir com outras mercadorias já existentes. A produção induzida pelo governo tem a vantagem de não concorrer com a produção não militar. Os setores da economia voltados para a produção de mercadorias perderam o controle da reprodução ampliada do capital para a indústria armamentista. O governo americano passou a ser o grande comprador, o grande “consumidor coletivo”.
A partir da estruturação da economia de guerra dos E. U. A., fica patente a insuficiência do argumento segundo o qual, a cada crise, a economia capitalista se renova, volta a crescer, acumula e desenvolve novamente as forças produtivas. O “Grande Irmão do Norte” criou uma economia baseada na guerra permanente, uma forma bem diferenciada do imperialismo britânico precedente.
Governos no mundo inteiro não têm como subsidiar a indústria bélica da mesma maneira. Grande parte da capitalização de recursos estatais é proveniente da própria população. Na prática, o que ocorre é que uma parte da sociedade subvenciona a outra parte. O setor da economia não militar financia, por meio de impostos, a ajuda governamental à produção bélica. Os países mais ricos do mundo passam a ter sua base econômica embalada pelo crescimento da dívida pública. O G–7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo: E.U.A, França, Reino Unido, Itália, Canadá, Alemanha e Japão), criado no contexto do choque do petróleo de 1975 e do esgotamento do acordo de Breton Woods, vem implementando esforços de controlar artificialmente o déficit estatal através da financeirização, na qual a especulação passa a ter papel destacado e constitui-se como principal ator. Financeirização empresarial e desenvolvimento de estratégias de lucratividade em curto prazo vão construindo o cenário em que o setor produtivo vai cedendo lugar aos ativos financeiros. O resultado? Todos nós já conhecemos: as crises econômicas, tais como a atual.
Aliada à incrível máquina de guerra estadunidense, uma outra tática é largamente adotada: a chamada terapia do choque, técnica que consiste em se aproveitar momentos de pavor para introduzir mudanças tidas como necessárias. Segundo o economista norte americano Milton Friedman, considerado um dos principais teóricos do liberalismo econômico contemporâneo, defensor do Capitalismo de laisse-faire e do livre mercado, “somente uma crise, real ou pressentida, produz mudança verdadeira”. A afirmação de Friedman é a ponte que vincula uma onda de desastres naturais e provocados, com a ascensão do chamado neoliberalismo, nas mais variadas regiões do planeta.
Nas terras do Tio Sam, o furacão Katrina, que arrasou a região metropolitana de New Orleans em agosto de 2005 e vitimou milhares de pessoas, foi recebido por “Tio Miltie” (nome dado pelos alunos de Friedman), em matéria publicada no Wall Street Journal, como uma “enorme possibilidade de reforma no sistema educacional de Lousiania”. Antes da passagem do Katrina, havia 123 escolas públicas e 7 privadas. Os professores contavam com uma forte representação sindical. Depois da tempestade, só restaram 4 escolas públicas, pois as demais foram privatizadas. 4.700 professores foram demitidos e depois uma parcela foi recontratada com salários reduzidos e sem estabilidade. O Americam Interprise Institute, declarou : “ O Katrina realizou, em uma semana, o que os reformadores neoliberais não conseguiram em anos”. É o Capitalismo de Desastre.
Em 1947, Milton Friedman e Friedrich Hayek fundaram a sociedade de Mont Pelerin, um clube que incorporava economistas defensores da ideia de livre mercado, que levou o mesmo nome da pequena cidade suíça onde reuniam-se anualmente. Neste momento histórico, o mundo acabava de sair de uma Grande Guerra e de uma depressão econômica. O contexto da fundação do grupo de Mont Pelerin não era o mais estimulante para os novos liberais. Desde a crise de 1929 e a Teoria geral de John Maynard Keynes, a intervenção do Estado como instrumento de regulação da economia era amplamente praticada. Friedman e Hayek eram vistos como pensadores exóticos e completamente descontextualizados das reais necessidades existentes no mundo da economia.
Em um de seus livros (Capitalismo e Liberdade), Friedman sistematiza os principais elementos que orientariam o mercado global e que, nos Estados Unidos, seriam transformados na agenda do movimento neoconservador. Em primeiro lugar, os governos deveriam abolir sistematicamente todos os entraves e empecilhos existentes no caminho da acumulação de capital; deveriam vender todos os ativos que pudessem ser administradas por empresas privadas; deveriam ainda cortar os gastos sociais. As diretrizes apresentadas tinham o inconveniente de ser extremamente impopulares, não podendo ser aplicadas em um país onde a democracia e a vontade popular fossem base estruturante da vida política, pois a reação a tais medidas poderia representar perda de popularidade e, consequentemente, de votos.
Com o crescimento das orientações dos Desenvolvimentistas no Terceiro Mundo e as constantes ameaças aos interesses americanos nestas regiões é que vem a tona a Doutrina do Choque, em que se aproveita de um momento na qual a sociedade se encontra atordoada para realização da agenda apresentada por Friedman. Os sucessivos golpes militares executados na América Latina vão fornecer o ambiente necessário para a aplicação da agenda neoliberal, sendo que a resposta popular passaria a ser simplesmente criminalizada e taxada de vandalismo, terrorismo ou comunismo.
O Chile é o palco da primeira experiência. O choque implementado pela violenta deposição do governo eleito de Salvador Allende e a ascensão de Augusto Pinochet foi a bandeirada de largada do experimento neoliberal. Com tanques e canhões de guerra nas ruas a sociedade chilena presenciou a taxa de desemprego subir de 3% (durante o governo Allende) para 20% um ano após o golpe. As manifestações populares foram duramente reprimidas pela Lei Marcial e foi imposto o toque de recolher. A economia contraiu 15%. Em contrapartida, grandes empresas estrangeiras passavam a controlar a economia aumentando expressivamente sua lucratividade.
A próxima experiência vem com outro golpe militar, um novo choque, desta vez na Argentina (1976). Ao colocar o Peronismo na clandestinidade, a Junta Militar proíbe greves e elimina todas as restrições para demissão de trabalhadores. A ditadura privatizou centenas de companhias estatais, transformando o país em solo atrativo para as multinacionais, com a admiração e agradecimento de Washington. As celas e presídios ficaram abarrotados de prisioneiros criminalizados pela resistência. Bolívia, Colômbia, Uruguai, Paraguai, entre outros, seguiram o mesmo caminho.
Na década de 1980, o choque, na América Latina, foi causado pelo impacto da dívida externa. Com a elevação brutal dos juros da dívida, promovida pelo Banco Central americano (FED), os países endividados foram obrigados a recorrer a empréstimos de curto prazo (F.M.I), o que invariavelmente agravou a situação.
O ideário neoliberal e sua Doutrina de Choque não se restringiram aos países sul-americanos. A Inglaterra do final da década de 1970 vivencia sua terapia de choque com Margareth Thatcher. Eleita em 1979 com o slogan “O trabalhismo não está funcionando”, provocou a elevação dos níveis de desemprego e da inflação. Em 1982, seu índice de aprovação chegava a 18%. Mas um fato inusitado veio a proporcionar ao governo conservador inglês, bem como a junta militar argentina, a edição de um novo choque. As Ilhas Malvinas, identificadas como território britânico no atlântico sul e consideradas, até então, como um peso para os cofres da Coroa, foi ocupada por tropas argentinas. A guerra estava declarada. Uma ampla campanha de mídia foi iniciada relembrando a trajetória do orgulho do Império Inglês. No final da guerra (11 semanas e pouco mais de mil mortos), a popularidade de Thatcher ultrapassava 59%. A reeleição estava garantida. O novo inimigo, agora interno, são os trabalhadores das minas de carvão em greve. Com o aparato repressor já montado pela recente guerra, a greve dos mineiros (o sindicato mais forte da Inglaterra) foi derrotada, em uma manifestação final com mais de setecentos feridos. O choque estava completo: atordoados, os keynesianos e a esquerda trabalhista não puderam mais reagir. Privatizações, estímulo a fusões e cortes sociais foi o que se seguiu.
Os países do Bloco Socialista não estavam imunes à Terapia do Choque de vertente neoliberal. A ascensão do Movimento Solidariedade de Lech Walesa ao governo levou a Polônia à inflação de 600% e ao racionamento de comida. As festejadas Perestroika (reestruturação) e Glasnost (abertura) de Mikhail Gorbachev culminaram com Boris Yeltsin e a completa bancarrota e desaparecimento da URSS. Na África do Sul, a chegada ao governo de Nelson Mandela e dos militantes anti-apartheid do C.N.A (Congresso Nacional africano) incorporou a premissa neoliberal e foi incapaz de corrigir as graves distorções sociais e econômicas existentes no país.
Nos Estados Unidos da era Reagan o mesmo ocorreu. O ex-ator de Hollywood, em uma única canetada, demitiu 11.400 controladores de vôo em greve, dobrando um importante sindicato deste país. Recentemente, os atentados às Torres Gêmeas fornecem os ingredientes necessários para a execução da chamada Terapia do Choque. Atordoado pela ação que vitimou milhares de pessoas, o governo americano, em uma imaginária cruzada, constrói todo um cenário propício a manobras políticas e econômicas de seus interesses. Governos em várias partes do planeta apresentam “preocupações” semelhantes e recorrem a medidas de exceção que fortalecem o controle e a obediência, evitando ou combatendo diretamente as mais variadas reações.
A crise do capitalismo, expressa pelo descenso político do neoliberalismo, pode representar uma crise de hegemonia norte americana. No entanto, a edificação de um bloco de forças antiimperialistas e antineoliberais encontra uma série de dificuldades. O que se denomina de Pós-Neoliberalismo é um termo por demais genérico e incorpora diferentes formas de negação do Consenso de Washington. A quadra histórica que vivemos é amplamente marcada pela perda de legitimidade das correntes liberais e por variados esforços de viabilização de projetos alternativos, tendo ainda como pano de fundo o cheiro de pólvora e cadáver do belicismo americano.
*Professor; membro da Comissão de Políticas Urbanas da Associação dos Geógrafos (AGB-GO) e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Os Estados Unidos: a Economia da destruição e a Terapia de Choque - Por *Robson de Moraes
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Rubens Ragone