26 de novembro de 2011

Brasil: Nem julgamento nem castigo

Atilio Boron
24/11/2011

Há poucas semanas a imprensa internacional informou que a presidenta Dilma Rousseff havia finalmente dado carta branca à criação de uma Comissão da Verdade para investigar as violações dos direitos humanos cometidas durante a ditadura na que, como se recordam, ela mesma foi capturada como guerrilheira, detida e torturada. Para surpresa de muitos a Comissão investigará as violações dos Direitos Humanos ocorridas no período compreendido entre 1946-1985 em lugar de concentrar-se nos anos 1964-1979, que foram aqueles nos quais se perpetraram os crimes mais aberrantes. Além disso, a Comissão - e isto é o decisivo - nasceu privada da faculdade para jugar e castigar os responsáveis dos crimes.

Como havia advertido em uma entrevista concedida ao autor deste blog a professora Anita Prestes, filha do lendário dirigente comunista Luiz Carlos Prestes, a Comissão tem como missão esclarecer porém não poderá julgar os vários torturadores que todavia atuam à luz pública no Brasil, muitos deles inclusive no âmbito das instituições estatais.

Um dado revelador do limitado alcance da Comissão, que alguns pensaram que emularia os avanços registrados na Argentina, surge do incidente ocorrido na ocasião da cerimônia que sancionaria sua criação no dia 18 de Novembro no Palácio do Planalto, em Brasília.

Para essa ocasião a presidenta Rousseff havia querido – ou pelo menos consentido - que falaria, em nome das vítimas da repressão, a professora Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva, um dos primeiros desaparecidos pela ditadura militar instalada logo após o golpe de estado de Abril de 1964. Conhecida a intenção da presidenta, os três ministros militares manifestaram sua mais severa oposição: se Paiva falasse, também deveria fazer uso da palavra um militar. Resultado: Paiva não falou e o brilhante discurso que tinha preparado não pode ser lido. Conclusão: a fundamental supremacia civil sobre as forças armadas é ainda uma perigosa matéria pendente na "democracia" brasileira.

A direita e os militares brasileiros argumentaram o de sempre: "não reabrir feridas já cicatrizadas" e que o processo já havia sido fechado com a sanção da Lei de Anistia de Agosto de 1979, que possibilitou o regresso dos exilados ao mesmo tempo que cobria com um espesso manto de esquecimento sobre as atrocidades cometidas nos anos anteriores.

O mais grave do caso foi que não somente a pressão militar fez com que Dilma tivesse que ceder perante as demandas reacionárias: o Supremo Tribunal Federal do Brasil se apressou a ratificar a impunidade declarando que o alcance da Comissão da Verdade não podia transgredir os limites estabelecidos pela Lei de Anistia.

Deste modo o "esclarecimento" ao que pode chegar a Comissão será dolorosamente frustrado ante a impossibilidade de apelar à justiça para castigar os culpados. Converte-se em um exercício masoquista: examina-se e se comprova o crime em seus mínimos detalhes porém ao preço de reprimir a ânsia de justiça que aperta o espírito dos familiares e amigos das vítimas.

Vera Paiva poderá saber como capturaram, torturaram, mataram e desapareceram com seu pai, mas com o preço de renunciar ao seu direito de julgar e castigar os culpados de seu assassinato. Enésima comprovação de que não bastam as iniciativas "desde cima", desde as alturas do estado: sem a participação dos organismos de direitos humanos a impunidade dos repressores está garantida. Assim o demonstra o caso que estamos analisando e, ao contrário, o que vem ocorrendo na Argentina.

Leia o discurso censurado de Vera Paiva em português na página

http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3271:discurso-proibido-de-vera-paiva-na-sansao-da-lei-da-comissao-da-verdade&catid=64:ditadura

Leia o discurso censurado de Vera Paiva em espanhol na página


Traduzido do espanhol por Daniel Oliveira – PCB Brasil www.pcb.org.br

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