
24/11/2011
Há poucas semanas a imprensa
internacional informou que a presidenta Dilma Rousseff havia finalmente
dado carta branca à criação de uma Comissão da Verdade para
investigar as violações dos direitos humanos cometidas durante a
ditadura na que, como se recordam, ela mesma foi capturada como
guerrilheira, detida e torturada. Para surpresa de muitos a Comissão
investigará as violações dos Direitos Humanos ocorridas no período
compreendido entre 1946-1985 em lugar de concentrar-se nos anos
1964-1979, que foram aqueles nos quais se perpetraram os crimes mais
aberrantes. Além disso, a Comissão - e isto é o decisivo - nasceu
privada da faculdade para jugar e castigar os responsáveis dos crimes.
Como havia advertido em uma entrevista
concedida ao autor deste blog a professora Anita Prestes, filha do
lendário dirigente comunista Luiz Carlos Prestes, a Comissão tem como
missão esclarecer porém não poderá julgar os vários torturadores que
todavia atuam à luz pública no Brasil, muitos deles inclusive no âmbito
das instituições estatais.
Um dado revelador do limitado alcance da
Comissão, que alguns pensaram que emularia os avanços registrados na
Argentina, surge do incidente ocorrido na ocasião da cerimônia que
sancionaria sua criação no dia 18 de Novembro no Palácio do Planalto, em
Brasília.
Para essa ocasião a presidenta Rousseff
havia querido – ou pelo menos consentido - que falaria, em nome das
vítimas da repressão, a professora Vera Paiva, filha do ex-deputado
Rubens Paiva, um dos primeiros desaparecidos pela ditadura militar
instalada logo após o golpe de estado de Abril de 1964. Conhecida a
intenção da presidenta, os três ministros militares manifestaram sua
mais severa oposição: se Paiva falasse, também deveria fazer uso da
palavra um militar. Resultado: Paiva não falou e o brilhante discurso
que tinha preparado não pode ser lido. Conclusão: a fundamental
supremacia civil sobre as forças armadas é ainda uma perigosa matéria
pendente na "democracia" brasileira.
A direita e os militares brasileiros
argumentaram o de sempre: "não reabrir feridas já cicatrizadas" e que o
processo já havia sido fechado com a sanção da Lei de Anistia de Agosto
de 1979, que possibilitou o regresso dos exilados ao mesmo tempo que
cobria com um espesso manto de esquecimento sobre as atrocidades
cometidas nos anos anteriores.
O mais grave do caso foi que não somente
a pressão militar fez com que Dilma tivesse que ceder perante as
demandas reacionárias: o Supremo Tribunal Federal do Brasil se apressou a
ratificar a impunidade declarando que o alcance da Comissão da Verdade
não podia transgredir os limites estabelecidos pela Lei de Anistia.
Deste modo o "esclarecimento" ao que
pode chegar a Comissão será dolorosamente frustrado ante a
impossibilidade de apelar à justiça para castigar os culpados.
Converte-se em um exercício masoquista: examina-se e se comprova o crime
em seus mínimos detalhes porém ao preço de reprimir a ânsia de justiça
que aperta o espírito dos familiares e amigos das vítimas.
Vera Paiva poderá saber como capturaram,
torturaram, mataram e desapareceram com seu pai, mas com o preço de
renunciar ao seu direito de julgar e castigar os culpados de seu
assassinato. Enésima comprovação de que não bastam as iniciativas "desde
cima", desde as alturas do estado: sem a participação dos organismos de
direitos humanos a impunidade dos repressores está garantida. Assim o
demonstra o caso que estamos analisando e, ao contrário, o que vem
ocorrendo na Argentina.
Leia o discurso censurado de Vera Paiva em português na página
http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3271:discurso-proibido-de-vera-paiva-na-sansao-da-lei-da-comissao-da-verdade&catid=64:ditadura
Leia o discurso censurado de Vera Paiva em espanhol na página
Brasil: Nem julgamento nem castigo
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Oleh
Rubens Ragone