Cheguei na Oban e a violência começou no
interrogatório, com choque elétrico. Quando eu vi o pau de arara, não
reconheci o que era porque estava em choque. Vi um copo cheio de uma
substância branca e achei que era açúcar, para tomar com água na hora do
nervoso. Mas era sal, para pôr nas feridas. Eles faziam piadas sobre o
corpo das mulheres, se era feio, jovem, velho, gozavam dos defeitos. Era
uma mesquinharia muito grande. Eles abusam, violentam, de uma maneira
ou outra, humilham, tornam objeto. Eles faziam a gente se sentir uma
porcaria. Também faziam uma certa gozação, como se eu tivesse me metido
nisso sem saber o que era. Eles tinham muito prazer na tortura. Não me
pareceu que eles faziam por obrigação. Havia o Ustra [coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra], que era o mais terrível, porque vinha com uma
conversinha, com uma diplomacia: ‘Minha fi lha, como você vai se meter
numa coisa dessas, você é de uma família boa, vai prejudicar os seus fi
lhos por essa coisa de comunismo’. E, de repente, inesperadamente, ele
lançava uma bofetada. Lá da minha cela, eu conseguia ver que eles tinham
uma cachorrada no pátio. Eles masturbavam as cadelas, as excitavam, e
elas uivavam, acho que de prazer e medo. Era brutal. Eu tinha vontade de
vomitar. Uma vez, o torturador “Jesus Cristo” [codinome do delegado de
polícia Dirceu Gravina] saiu de um interrogatório e foi para o meu. Ele
estava muito nervoso e falou: ‘Você é psicóloga, né, acho que vou
precisar do seu auxílio. Eu estou descontrolado, chego em casa e
arrebento tudo, bato na minha mulher’. Depois da Oban, fui para o Dops e
para o Tiradentes, onde a coisa foi ficando mais de tortura psicológica
e não física. Mas sempre com aquele horror de saber que a qualquer
momento a gente poderia voltar para a Oban.
LÚCIA COELHO, ex-militante do Partido
Operário Comunista (POC), era professora da Faculdade de Medicina da USP
quando foi presa em 15 de julho de 1971, em São Paulo (SP), juntamente
com seu marido Ruy Coelho, vice-diretor da Faculdade de Filosofia da
USP. Hoje, vive na mesma cidade, é psicóloga e presidente da Sociedade
Rorschach de São Paulo.
Tortura durante a ditadura, relato de LÚCIA COELHO
4/
5
Oleh
Rubens Ragone