27 de abril de 2012

Tortura durante a ditadura, relato de LÚCIA COELHO

Cheguei na Oban e a violência começou no interrogatório, com choque elétrico. Quando eu vi o pau de arara, não reconheci o que era porque estava em choque. Vi um copo cheio de uma substância branca e achei que era açúcar, para tomar com água na hora do nervoso. Mas era sal, para pôr nas feridas. Eles faziam piadas sobre o corpo das mulheres, se era feio, jovem, velho, gozavam dos defeitos. Era uma mesquinharia muito grande. Eles abusam, violentam, de uma maneira ou outra, humilham, tornam objeto. Eles faziam a gente se sentir uma porcaria. Também faziam uma certa gozação, como se eu tivesse me metido nisso sem saber o que era. Eles tinham muito prazer na tortura. Não me pareceu que eles faziam por obrigação. Havia o Ustra [coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra], que era o mais terrível, porque vinha com uma conversinha, com uma diplomacia: ‘Minha fi lha, como você vai se meter numa coisa dessas, você é de uma família boa, vai prejudicar os seus fi lhos por essa coisa de comunismo’. E, de repente, inesperadamente, ele lançava uma bofetada. Lá da minha cela, eu conseguia ver que eles tinham uma cachorrada no pátio. Eles masturbavam as cadelas, as excitavam, e elas uivavam, acho que de prazer e medo. Era brutal. Eu tinha vontade de vomitar. Uma vez, o torturador “Jesus Cristo” [codinome do delegado de polícia Dirceu Gravina] saiu de um interrogatório e foi para o meu. Ele estava muito nervoso e falou: ‘Você é psicóloga, né, acho que vou precisar do seu auxílio. Eu estou descontrolado, chego em casa e arrebento tudo, bato na minha mulher’. Depois da Oban, fui para o Dops e para o Tiradentes, onde a coisa foi ficando mais de tortura psicológica e não física. Mas sempre com aquele horror de saber que a qualquer momento a gente poderia voltar para a Oban.

LÚCIA COELHO, ex-militante do Partido Operário Comunista (POC), era professora da Faculdade de Medicina da USP quando foi presa em 15 de julho de 1971, em São Paulo (SP), juntamente com seu marido Ruy Coelho, vice-diretor da Faculdade de Filosofia da USP. Hoje, vive na mesma cidade, é psicóloga e presidente da Sociedade Rorschach de São Paulo.

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Oleh

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