Neste breve artigo o historiador e dirigente comunista Alex Lombello descreve as semelhanças e diferenças entre cristianismo e comunismo. Uma breve análise que provoca várias questões políticas e filosóficas.
“[a] unidade na real luta revolucionária das classes oprimidas por um paraíso na terra é mais importante que a unidade na opinião proletária sobre o paraíso no céu” LêninEmbora o catolicismo e as igrejas protestantes reivindiquem a herança do cristianismo, o cristianismo dos primeiros cristãos, que seguiam obviamente mais de perto os ensinamentos atribuídos a Cristo, já não existe há muitos séculos. Dessa forma, o cristianismo que talvez exista em nossa sociedade é residual.Não se sabe muito sobre Cristo, mas sabemos algumas coisas sobre o cristianismo. As histórias contadas nos livros do Novo Testamento nos contam pouco sobre Cristo, pois são cópias das histórias que já circulavam há séculos no mar Mediterrâneo. Diversos filhos de Deus, nascidos de virgens, que foram mortos e ressuscitaram eram cultuados nessa região desde muito antes do tempo a que se atribui a existência de Cristo, sendo os mais famosos Osíris e Mitra. Contar essa mesma história foi uma decisão da Igreja Católica no século IV, quando estava nascendo o catolicismo sob as barbas do imperador romano. Obviamente, foi escolhida uma história de fácil aceitação em amplas regiões do domínio romano, e comprovadamente de sucesso, uma vez que vários povos a reproduziam e espalhavam embora modificando o nome principal.Sobre as comunidades cristãs sabemos bem mais. Os cristãos, segundo os Atos dos Apóstolos, mas também segundo alguns de seus inimigos, viviam em comunhão, não somente espiritual, mas também de bens de uso. Faziam as refeições em comum, ajudavam seus doentes, as viúvas e os órfãos etc., em uma época em que o destino normal destes era a miséria. Aceitavam em sua comunidade qualquer um, mesmo que fosse escravo ou mulher, contanto que o mesmo dispusesse todos os seus bens (se os tivesse). As propriedades eram vendidas e revertidas para a comunidade e não havia um plano de produção em comum, pois se esperava o Apocalipse para breve. Tratavam-se como irmãos, de forma que o termo “senhor” muito provavelmente não seria bem tolerado por Cristo ou pelos fundadores do movimento cristão. A palavra “igreja” tem origem no grego Eclésia, que podemos traduzir por assembléia. Eram realmente assembléias, com poder, pois elegiam seus bispos e diáconos, ou seja, ao contrário da Igreja Católica, as primeiras comunidades cristãs eram democráticas.Nota-se duas coisas – primeiro, que o cristianismo dessa forma não existe mais, a não ser talvez na mais radical das comunidades hippies. Segundo, que esse cristianismo era uma forma de comunismo, mas não o comunismo de Marx e sim o comunismo do senso comum, ou das anedotas, que imaginam ou descrevem o comunismo como igualitário, inimigo da prosperidade material e marcado por um voto de pobreza de seus adeptos.O cristianismo certamente não chegou ao século IV exatamente como em seus primeiros tempos, mas foi nessa altura, sobretudo no Concílio de Nicéia, que recebeu um golpe fatal. A partir de então o Império passou a reconhecer a Igreja oriunda desse Concílio, que logo se tornou a religião oficial do Império Romano, por decisão do Imperador Constantino, e obrigatória, tanto para o terço de cristãos quanto para os dois terços de não-cristãos do império. A democracia dos primeiros tempos foi completamente substituída pela hierarquia religiosa romana. Até em alguns nomes, a começar pelo título de Sumo Pontífice, existente muito tempo antes de nascer o cristianismo. O comunismo inocente foi substituído por estruturas de caridade, como hospitais e orfanatos e os que insistiam em viver em comunhão acabariam, com o passar dos séculos, sendo isolados em monastérios e conventos, ou mesmo perseguidos pela Igreja.Embora se repita com certa freqüência que “Cristo era um comunista”, e isso possa atrair apoios e votos aos comunistas contemporâneos, nossa obrigação é esclarecer as profundas diferenças entre o comunismo de Cristo e o comunismo de Marx. O cristianismo propunha a igualdade na pobreza, a doação de todos os bens terrenos. Já o marxismo propõe a coletivização somente dos meios de produção, ou seja, dos bancos e similares, das grandes indústrias e da grande produção rural. Está completamente fora dos planos marxistas tocar nos bens de uso, nas casas, nos carros, nas pequenas propriedades etc. O cristianismo era hostil às pessoas dos ricos, enquanto o marxismo nunca o foi, tendo sido o próprio Marx de família de algumas posses e tendo Engels, seu companheiro de lutas, herdado a fábrica da família.O cristianismo tolerava a escravidão, já o comunismo não tolera nem a exploração assalariada. Mas ambas as formas de exploração são relações sociais de produção, cuja transformação exige grandes movimentos na sociedade. Não se trata de pecados individuais, passíveis de penitências. O cristianismo planejava salvar os que a ele se unissem, por meio do convencimento individual, similar à crença de que se pode transformar o mundo transformando primeiro os indivíduos. Já para o marxismo as sociedades são complexas e os indivíduos são por ela condicionados, ou seja, fazem a história mas não como a desejam. Assim o marxismo concluiu que não se pode realmente melhorar as pessoas apenas individualmente, mas somente transformando a sociedade. Por isso o cristianismo exigia dos cristãos o modo de vida piedoso acima citado, enquanto os Partidos Comunistas só pregam a luta dos trabalhadores por uma sociedade mais justa. Os comunistas não são monges que pretendem, pelo seu exemplo, uma sociedade baseada na pobreza igualitária, mas militantes que defendem a socialização dos meios de produção e da riqueza produzida.O cristianismo primitivo era de mártires pacifistas, resultantes da crença na vida eterna. Os marxistas admitem a violência apenas diante da violência primeira das classes dominantes. Inicialmente buscam a via pacífica, não usando da força senão pelas necessidades da luta dos trabalhadores. Um pequeno exemplo disso foi o do PCB em meados dos anos 1970, sob a ditadura militar, que, mesmo diante da tortura e assassinato de dois terços do seu Comitê Central, não apelou para a luta armada. A violência revolucionária não é gratuita ou passional, mas a, segundo Marx, por vezes necessária, “parteira [da] velha sociedade que se encontra grávida de uma nova”.O marxismo e as igrejas cristãs surgem influenciados pelo patrimônio ético do antigo cristianismo. Porém, as respostas encontradas para compreender e atuar na sociedade variam muito. Desde as igrejas mais hierarquizadas e, mesmo, mercantis, justificadoras intransigentes da sociedade de classes, passando por cristãos mais críticos das injustiças sociais, até a proposta radical dos comunistas de superação da sociedade de classes e da emancipação do conjunto da humanidade. Nas intenções de justiça, paz, liberdade e solidariedade estão as semelhanças entre Cristo e Marx, e o comunismo e as idéias religiosas só se excluem e se opõem quando a religião serve à preservação da exploração e da dominação.
Obs: Esse texto foi publicado originalmente no número 2 do São João del-Pueblo de papel, em Dezembro de 2009
[*] Alex Lombello é Historiador, dirigente da Base de São João Del Rey e Membro do Comitê Regional do PCB-Minas Gerais.
O cristianismo, o catolicismo e o comunismo. - Por Alex Lombello [*]
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Kaizim