26 de abril de 2010

Comentários à nota da LIT-QI sobre Cuba - Por Roberto Numeriano (*)


O texto da LIT-QI publicado na página do PSTU articula sua crítica sob as velhas e rotas premissas do liberalismo político de consumo, forçando (como condição necessária) a relação entre democracia e liberdade de imprensa, que seus ideólogos querem fazer “natural” desde o início dos tempos, mas sem ousar dizer o nome do caráter de classe dessa associação que ao longo de séculos cria e reproduz embustes e mentiras. Sabemos todos que essa democracia e essa "liberdade de imprensa" são valores contingentes, relativizados numa dialética que coloca em jogo a expressão material do poder político-econômico de um grupo de classes (expressando uma dada hegemonia social, robusta, poderosa e invisível) e a expressão formal de grupos, classes e estamentos sociais que formulam suas ideias e expressam suas demandas apenas perifericamente naqueles meios (não por acaso, as demandas dos trabalhadores foram banidas desde os anos 90 das páginas da grande imprensa). Não por acaso, não há hoje um só articulista, de jornal, TV ou rádio, que tenha espaço pra fazer um contraponto político-ideológico ao fascismo midiático que atua com maior força do que na Guerra Fria. Alguém dirá, talvez: Ah, mas nos Estados Unidos ou na França qualquer um pode disseminar seu protesto em blogs, tuiteres, orkuts etc etc etc... Sim, e daí? Qual poder real ele estará criticando com estes penduricalhos do Grande Irmão? Se os deslumbrados da nova era midiática realmente ameaçassem a ordem política do capital, a democracia liberal fecharia para balanço.

O texto da LIT-QI não engana a si mesmo. Em nenhum momento seu autor conceitua o tipo de democracia e o que ele concebe por “liberdade de imprensa”. Talvez considere a estes como “valores universais”. Deve ser o caso, pois somente sob este conceito podemos entender porque ele classifica o regime cubano de “ditadura capitalista”. É possível ver aqui o embuste ideológico do texto: se o autor nomear qual tipo de liberdade de imprensa e democracia concretas ele quer ver restauradas em Cuba, ele deverá, obrigatoriamente, fazer a crítica ao regime nos termos daquela projeção político-ideológica. O que faz, então? Registra os termos democracia e liberdade de imprensa como vocábulos sem carga e valores ideológicos, sem qualquer mediação política, apresentando-os como valores positivos per se (como os liberais fazem desde o século XIX). E, então, num saco grande desses, tudo cabe para agradar e enganar os desavisados: à esquerda de salão (que vive a arrotar marxismo, e do Marx decora apenas frases); aos liberais (que, emocionados, agradecem estes mistificadores) e à direita (que deve estar pensando de qual hospício saiu essa gente da LIT). Se nomeasse a democracia e a liberdade de imprensa que tem em mente (que o texto implicitamente vê como valores universais), a etiqueta de ditadura capitalista caberia ao regime cubano, mas, do mesmo modo, caberia a todos os outros regimes liberais clássicos, da Alemanha aos Estados Unidos. E aí o argumento “revolucionário” cairia por terra. O autor se esconde, mas deixa o rabo de fora.

Gostaríamos de ver essa mídia supostamente democrática divulgando os assuntos cubanos ou venezuelanos com isenção, do mesmo modo como, aparentemente, faz no Brasil em relação aos temas sem vieses político-ideológicos. Mas isto é impossível, porque seria necessário existir imprensa livre na sua essência pública (algo impossível sob a ordem do capital e seu aparelho de controle simbólico, que são os meios de comunicação mediatizados pela hegemonia de classe burguesa). Assim é porque a imprensa, para ser livre sob premissas revolucionárias, precisa ser articulada na teoria e na prática sob um conceito onde o interesse público e do Estado trabalhem dialeticamente as demandas sociais, políticas e ideológicas da sociedade. Esta é a dialética hoje em curso, em Cuba. Há distorções e limites, sem dúvida, mas não na perspectiva de uma ordem social e ideológica onde o capitalismo diz existir livre imprensa. Tais problemas internos à dialética da revolução cubana não serão resolvidos com o retorno à tese primeira (a “liberdade” de imprensa burguesa, exercida nos tempos de Fulgêncio Batista), mas pelo aprofundamento do debate e superação dos seus impasses antitéticos, com vistas a uma síntese que a ação revolucionária do povo cubano poderá formular.

(*) Roberto Numeriano é membro do Comitê Central e do Comitê Regional de Pernambuco, do PCB

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Oleh

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