Nota do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) critica portaria do ministro da Justiça autorizando o uso da Força Nacional de Segurança Pública contra indígenas
A descabida portaria do ministro da Justiça que determina o uso da Força Nacional de Segurança Pública para intimidar os povos indígenas em Brasília
A Fundação Nacional do Índio foi criada em 1967 não propriamente para defender os direitos dos povos indígenas, mas para realizar a sua integração "harmoniosa e gradativa à comunhão nacional". O governo militar da época comandava com mãos pesadas e opressivas o país e exercia um rigoroso controle sobre movimentos políticos e de oposição. Os povos indígenas estavam entre os mais visados, pois suas terras encontravam-se no caminho do que vinha sendo denominado de progresso.
Na concepção desenvolvimentista do período, os índios eram vistos como entraves ou obstáculos ao crescimento econômico e ao modelo de integração nacional que se propunha. Portanto, para eles restavam apenas alternativas como a remoção, a integração ou o extermínio. Passados mais de 20 anos, desde aqueles tempos sombrios, mudanças importantes podem ser observadas, de modo especial nas maneiras como os povos indígenas se relacionam com a sociedade brasileira, bem como nas variadas iniciativas de luta pelos direitos e por adequadas políticas públicas.
Na atualidade se revigora aquele conceito de desenvolvimento e as estratégias oficiais para assegurá-lo se assemelham às que marcaram o período da ditadura militar. Tanto é assim que o próprio presidente Lula, comparou os direitos de indígenas e de quilombolas a "penduricalhos", a "entraves" que atrapalham o crescimento do país e que, como naqueles anos de autoritarismo também precisam ser removidos.
Hoje, observam-se marcas de um pensamento autoritário no modo como o governo brasileiro tem conduzido algumas negociações em torno de grandes obras projetadas no contexto de seu Programa de Aceleração do Crescimento - PAC. Os exemplos são numerosos, em especial relacionados à construção de grandes hidrelétricas, tal como as do rio Madeira e de Belo Monte, no rio Xingu, ou à expansão de áreas de monocultivo para produção de combustíveis. No caso de Belo Monte, o governo mantém de modo autoritário uma agenda de procedimentos conduzidos apressadamente, sem considerar que uma obra de tamanho impacto exige rigor, seriedade e amplo diálogo. A urgência do governo em acelerar a construção de Belo Monte nos faz indagar quais são os interesses envolvidos.
Em diferentes circunstâncias os povos indígenas são desrespeitados pelos agentes dos poderes públicos. Eles são vistos como um problema, pois os seus direitos constitucionais se contrapõem ao modelo de economia e desenvolvimento que se pretende para o Brasil, exclusivamente voltado para a exploração dos bens da natureza.
Quando os indígenas passam a dizer "alto lá", nós existimos, as leis nos garantem direitos e, portanto, mesmo que não queiram temos que ser ouvidos quanto a programas e projetos que nos afetam ou nos dizem respeito, o Estado, através de seus administradores, reage agressivamente com o intuito de abafar este grito. São inúmeros os exemplos desta postura estatal. Basta uma análise das reações dos povos indígenas contra os desmandos existentes nas políticas de assistência, de modo especial em saúde, educação e quanto à necessidade de poderem discutir a proposta de reestruturação do órgão indigenista. Em relação a isso, inclusive, a postura do Governo Federal tem estimulado uma espécie de cisão dentro do movimento indígena.
É neste contexto que o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, editou a Portaria 564/2010 que dispõe sobre o emprego da Força Nacional de Segurança Pública no Distrito Federal em apoio à Funai. De acordo com esta norma, fica autorizado o "emprego da Força Nacional de Segurança Pública (...) a fim de garantir o pleno desenvolvimento dos trabalhos no âmbito da sede da Fundação Nacional do Índio, em Brasília, bem como a incolumidade física das pessoas envolvidas na questão e do patrimônio". No seu artigo 4º, determina, ainda, que a polícia usará armas letais "à legítima defesa dos policiais e de terceiros".
Vale ressaltar que esta nova polícia foi criada pelo governo Lula através do Decreto Lei nº. 5.289/2004. Sua constitucionalidade vem sendo questionada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará que, através de uma Ação Civil Pública, afirma que, em desacordo com os preceitos constitucionais, a Força Nacional de Segurança põe em risco o estado democrático de direito. O principal argumento do MPF é o de que o presidente da República não pode simplesmente instituir um órgão policial sem a participação do Congresso Nacional, o que se daria por meio de proposta de emenda constitucional. Para o procurador Fernando Aguiar, "em vez de repassar recursos para os Estados, a fim de fortalecer as polícias militares, o Governo Federal insiste em empregar a Força Nacional como polícia ostensiva federal, o que caracteriza uma inversão de papéis, já que a Constituição determina que a atividade de polícia ostensiva seja exercida pelas polícias militares".
A edição da Portaria 564/2010 indica que os povos indígenas são considerados, pelo governo Lula, um perigo à ordem pública da capital federal, uma ameaça aos funcionários da Funai e ao patrimônio da União. Nunca antes, na história do indigenismo oficial, se tomou uma medida tão severa. Vale lembrar que os generais que comandaram a nação, durante décadas, não se preocuparam em proteger a sede do órgão indigenista com uma força policial que se assemelha a um esquadrão de guerra. A "Força Nacional de Segurança" é treinada para combater o narcotráfico, o contrabando e para agir em locais de extrema violência e perigo. Seria esse o caso dos povos indígenas?
Na vigência desta nova norma, as lideranças ou representantes de povos indígenas que se dirigirem à Funai, com a expectativa de lá dialogar e reivindicar que o governo cumpra suas responsabilidades constitucionais, estão sendo recepcionados por uma polícia treinada exclusivamente para a repressão.
Na avaliação do Conselho Indigenista Missionário, a Portaria 564/2010 se caracteriza como uma medida autoritária, descabida e fora de propósito. As lideranças indígenas não colocam em risco a segurança de servidores ou do patrimônio público quando reivindicam a execução de políticas púbicas adequadas, bem como a demarcação de suas terras. Ao contrário, é o governo, pelas suas escolhas políticas e omissão, e a Funai, por sua inoperância, que contribuem com o aumento das violências praticadas contra comunidades e povos indígenas em todo o território nacional e que, portanto, coloca em risco a vida desta população.
Brasília, 19 de abril, Dia do Índio, de 2010.
Cimi - Conselho Indigenista Missionário
A descabida portaria do ministro da Justiça que determina o uso da Força Nacional de Segurança Pública para intimidar os povos indígenas em Brasília
A Fundação Nacional do Índio foi criada em 1967 não propriamente para defender os direitos dos povos indígenas, mas para realizar a sua integração "harmoniosa e gradativa à comunhão nacional". O governo militar da época comandava com mãos pesadas e opressivas o país e exercia um rigoroso controle sobre movimentos políticos e de oposição. Os povos indígenas estavam entre os mais visados, pois suas terras encontravam-se no caminho do que vinha sendo denominado de progresso.
Na concepção desenvolvimentista do período, os índios eram vistos como entraves ou obstáculos ao crescimento econômico e ao modelo de integração nacional que se propunha. Portanto, para eles restavam apenas alternativas como a remoção, a integração ou o extermínio. Passados mais de 20 anos, desde aqueles tempos sombrios, mudanças importantes podem ser observadas, de modo especial nas maneiras como os povos indígenas se relacionam com a sociedade brasileira, bem como nas variadas iniciativas de luta pelos direitos e por adequadas políticas públicas.
Na atualidade se revigora aquele conceito de desenvolvimento e as estratégias oficiais para assegurá-lo se assemelham às que marcaram o período da ditadura militar. Tanto é assim que o próprio presidente Lula, comparou os direitos de indígenas e de quilombolas a "penduricalhos", a "entraves" que atrapalham o crescimento do país e que, como naqueles anos de autoritarismo também precisam ser removidos.
Hoje, observam-se marcas de um pensamento autoritário no modo como o governo brasileiro tem conduzido algumas negociações em torno de grandes obras projetadas no contexto de seu Programa de Aceleração do Crescimento - PAC. Os exemplos são numerosos, em especial relacionados à construção de grandes hidrelétricas, tal como as do rio Madeira e de Belo Monte, no rio Xingu, ou à expansão de áreas de monocultivo para produção de combustíveis. No caso de Belo Monte, o governo mantém de modo autoritário uma agenda de procedimentos conduzidos apressadamente, sem considerar que uma obra de tamanho impacto exige rigor, seriedade e amplo diálogo. A urgência do governo em acelerar a construção de Belo Monte nos faz indagar quais são os interesses envolvidos.
Em diferentes circunstâncias os povos indígenas são desrespeitados pelos agentes dos poderes públicos. Eles são vistos como um problema, pois os seus direitos constitucionais se contrapõem ao modelo de economia e desenvolvimento que se pretende para o Brasil, exclusivamente voltado para a exploração dos bens da natureza.
Quando os indígenas passam a dizer "alto lá", nós existimos, as leis nos garantem direitos e, portanto, mesmo que não queiram temos que ser ouvidos quanto a programas e projetos que nos afetam ou nos dizem respeito, o Estado, através de seus administradores, reage agressivamente com o intuito de abafar este grito. São inúmeros os exemplos desta postura estatal. Basta uma análise das reações dos povos indígenas contra os desmandos existentes nas políticas de assistência, de modo especial em saúde, educação e quanto à necessidade de poderem discutir a proposta de reestruturação do órgão indigenista. Em relação a isso, inclusive, a postura do Governo Federal tem estimulado uma espécie de cisão dentro do movimento indígena.
É neste contexto que o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, editou a Portaria 564/2010 que dispõe sobre o emprego da Força Nacional de Segurança Pública no Distrito Federal em apoio à Funai. De acordo com esta norma, fica autorizado o "emprego da Força Nacional de Segurança Pública (...) a fim de garantir o pleno desenvolvimento dos trabalhos no âmbito da sede da Fundação Nacional do Índio, em Brasília, bem como a incolumidade física das pessoas envolvidas na questão e do patrimônio". No seu artigo 4º, determina, ainda, que a polícia usará armas letais "à legítima defesa dos policiais e de terceiros".
Vale ressaltar que esta nova polícia foi criada pelo governo Lula através do Decreto Lei nº. 5.289/2004. Sua constitucionalidade vem sendo questionada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará que, através de uma Ação Civil Pública, afirma que, em desacordo com os preceitos constitucionais, a Força Nacional de Segurança põe em risco o estado democrático de direito. O principal argumento do MPF é o de que o presidente da República não pode simplesmente instituir um órgão policial sem a participação do Congresso Nacional, o que se daria por meio de proposta de emenda constitucional. Para o procurador Fernando Aguiar, "em vez de repassar recursos para os Estados, a fim de fortalecer as polícias militares, o Governo Federal insiste em empregar a Força Nacional como polícia ostensiva federal, o que caracteriza uma inversão de papéis, já que a Constituição determina que a atividade de polícia ostensiva seja exercida pelas polícias militares".
A edição da Portaria 564/2010 indica que os povos indígenas são considerados, pelo governo Lula, um perigo à ordem pública da capital federal, uma ameaça aos funcionários da Funai e ao patrimônio da União. Nunca antes, na história do indigenismo oficial, se tomou uma medida tão severa. Vale lembrar que os generais que comandaram a nação, durante décadas, não se preocuparam em proteger a sede do órgão indigenista com uma força policial que se assemelha a um esquadrão de guerra. A "Força Nacional de Segurança" é treinada para combater o narcotráfico, o contrabando e para agir em locais de extrema violência e perigo. Seria esse o caso dos povos indígenas?
Na vigência desta nova norma, as lideranças ou representantes de povos indígenas que se dirigirem à Funai, com a expectativa de lá dialogar e reivindicar que o governo cumpra suas responsabilidades constitucionais, estão sendo recepcionados por uma polícia treinada exclusivamente para a repressão.
Na avaliação do Conselho Indigenista Missionário, a Portaria 564/2010 se caracteriza como uma medida autoritária, descabida e fora de propósito. As lideranças indígenas não colocam em risco a segurança de servidores ou do patrimônio público quando reivindicam a execução de políticas púbicas adequadas, bem como a demarcação de suas terras. Ao contrário, é o governo, pelas suas escolhas políticas e omissão, e a Funai, por sua inoperância, que contribuem com o aumento das violências praticadas contra comunidades e povos indígenas em todo o território nacional e que, portanto, coloca em risco a vida desta população.
Brasília, 19 de abril, Dia do Índio, de 2010.
Cimi - Conselho Indigenista Missionário
Nota do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
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Oleh
Rubens Ragone