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Entrevista a Alfonso Cano por Público.
Alfonso Cano, comandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), diz que a guerrilha ainda não está disposta a desmobilizar-se e deixar a luta armada.
Alfonso Cano, cujo nome civil é Guillermo León Sáenz Vargas (Bogotá, 1948), é o comandante da guerrilha mais antiga do mundo. Nessa entrevista com Público, a primeira que concede a um meio de comunicação em 19 meses, o líder intelectual da guerrilha analisa a época de Álvaro Uribe e considera que é difícil avançar no caminho para a resolução da guerra civil que dura décadas, com o novo presidente Juan Manuel Santos. Cano respondeu as perguntas através de um questionário que devolveu firmado em 21 de maio de 2011 nas “montanhas da Colômbia”.
Quais são as razões pelas quais as FARC lutam?
Nossos objetivos são a convivência democrática com justiça social e exercício pleno da soberania nacional, como resultado de um processo de participação cidadã massivo que leve a Colômbia ao socialismo.
É a guerrilha mais antiga do mundo. Seguem vigentes os motivos pelos quais iniciaram sua luta armada ou estes mudaram com o tempo?
Nestes 47 anos, desatou-se uma vertiginosa transformação na ciência e na tecnologia, elevaram-se os índices de crescimento econômico em muitos países, colapsou o modelo soviético de construção socialista e irrompeu a República da China. No entanto, apesar de tudo isso e de muitas novidades transcendentes, a fome cresceu no planeta, as injustiças, as brechas sociais e os conflitos persistiram e aumentaram enquanto que cerca de 10 mil indivíduos espantosamente endinheirados decidem a sorte de bilhões de pessoas.
As FARC nascemos resistindo à violência oligárquica que utiliza sistematicamente o crime político para liquidar a oposição democrática e revolucionária; também como resposta camponesa e popular à agressão latifundiária e coronelista que inundou de sangue os campos colombianos, usurpando terras de camponeses e colonos; nascemos também como atitude digna e beligerante de rechaço à ingerência do Governo dos EUA no confronto militar e na política interna da nossa pátria, três razões essenciais que gestaram as FARC tal como assinala o Programa Agrário de Marquetalia, elaborado e difundido em 1964. Uma breve mirada sobre a realidade colombiana de maio de 2011 nos mostra que, apesar do contexto internacional descrito, estes três fatores iniciais persistem e agravam-se atualmente.
Crê que é possível abrir um processo de negociação com o presidente Juan Manuel Santos?
Com o esforço articulado de muitos setores progressistas e democráticos interessados numa solução pacífica do conflito, sempre será possível construir cenários e iniciar conversas diretas de horizontes corretos, com qualquer governo, incluindo o atual, considerando que este, iniciando seu mandato, reduziu as possibilidades ao impor uma lei que fecha as portas a diálogos dentro do país. Mas somos otimistas sobre a eventualidade de lográ-lo.
Ante a negativa do governo de aceitar trocas de reféns por guerrilheiros presos, que planos há para os seqüestrados que seguem em poder das FARC?
Entendo que você se refere aos prisioneiros de guerra que temos em nosso poder, pois em uma aproximação desapaixonada, rigorosa e objetiva do tema, uma confrontação política, social e militar de cerca de 47 anos, em que se enfrentam dois adversários leva a prisioneiros de guerra que as partes capturam no desenrolar desse confronto, certo? A negativa atual do governo à troca não tem porque desanimar a nossa aspiração de ter conosco livres os camaradas presos atualmente, e que também regressem a suas casas os prisioneiros, militares e policiais capturados em combate, que temos em nosso poder, a quem suas famílias também aspiram a ter novamente em seu seio. Perseveramos sobre a indiferença do Estado sobre os próprios soldados. Sabe-se que enquanto perdure o confronto haverá prisioneiros em poder das partes.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é um organismo internacional neutro encarregado de velar pelo cumprimento do direito internacional humanitário. Em seu último informe indica que “enquanto as partes em conflito mantêm os enfrentamentos armados em zonas rurais, a população que habita essas áreas vive em permanente perigo e está exposta a violações de direitos humanos internacionais (DHI) como: homicídios e/ou ataques a pessoas protegidas pelo DIH; desaparecimentos forçados; violência sexual; tomada de reféns; recrutamento forçado; maus tratos físicos e/ou psicológicos; deslocamento forçado. A falta de respeito ao principio de distinção entre combatentes e civis, as pressões para colaborar gerando represálias diretas contra civis, a ocupação de bens civis privados ou públicos e a contaminação por armas químicas são outros fatores agravantes que afetam a vida das comunidades”.
Qual dessas violações as FARC cometem?
Para ser rigorosos, deveríamos referir um a um os casos informados pelo CICR e como este não é o espaço adequado, posso comentar que para nós, o primeiro e mais importante de nossa luta é a população, não somente por razões de princípios políticos e ideológicos, mas práticos da guerra. Unicamente à medida que respondemos às necessidades objetivas da população em cada área podemos resistir, crescer e avançar. Do contrário é impossível.
Há anos e dada a intensidade dos combates, difundimos normas de comportamento para que a população civil não permitisse sua utilização como escudo por parte da força pública, que constrói quartéis no meio de povoados, utiliza o transporte público para seus movimentos, entrecruza caravanas de veículos militares em meio ao transporte civil para seus deslocamentos por rodovias, pernoita em escolas e colégios, etc., práticas que a força pública utiliza, criando perigosos riscos à população.
Eventualmente unidades nossas podem violar as normas, mas como estamos regidos por Estatutos, Normas e Regulamentos de Regime Disciplinar estrito, cimentados numa concepção revolucionária da vida, que harmonizam as relações entre combatentes e também as nossas com a população civil, garantindo uma profunda, sincera, harmônica e sólida relação, tomamos os corretivos que assinalam nossos documentos.
Quanto ao DIH e seus Protocolos adicionais, mantemos algumas reservas porque, em ocasiões, dificultam a aproximação a certas situações, dado que foi concebido e desenhado para conflitos entre nações e, considerando os protocolos adicionais, nem sempre proporciona o justo equilíbrio. Por exemplo, qualificar como “execuções extrajudiciais” a homicida, criminosa e sistemática prática das Forças Armadas oficiais da Colômbia durante os últimos 63 anos, de assassinar civis, vestir-lhes com roupa militar, e colocar armas em seus cadáveres para fazê-los passar como guerrilheiros “dados de baixa” em combate, em um país que se ufana de ser um Estado de Direito e cuja legislação não contempla a pena de morte, possibilitou um trato benigno e celestial aos criminosos, que tem escamoteado uma condenação drástica, vertical, diáfana e oportuna ao terror desenvolvido pelo Estado colombiano há mais de 47 anos.
A norma sobre o uso de armas não convencionais é um regulamento para a guerra entre nações que não pode abarcar movimentos populares como o nosso, que se armou desde o começo com facões e paus para defender-se de uma agressão gestada e executada pelo Estado, com a contribuição militar, financeira e tecnológica da Casa Branca. Equivale a recriminar ao bíblico Davi porque utilizou pedras para defender-se da agressão do colosso Golias.
Valeria a pena trabalhar em um cenário internacional para analisar, desde diferentes pontos de vista, essas situações e outras do mesmo teor, e intercambiar conceitos sobre a “neutralidade” que, sobre qualquer consideração, deve manter quem reclama suas garantias.
As FARC fazem uso de minas terrestres, entre outras coisas, contra operações de erradicação manual de cultivos de folha de coca. Por que continuam usando uma arma proibida pelo direito humanitário e que todo o mundo acordou em 1998 erradicar no Tratado de Ottawa ou a Convenção sobre a proibição de minas terrestres?
Reitero que acerca do armamento utilizado pela guerrilha em sua luta de resistência, na irregularidade de sua tática e como conseqüência da assimetria que caracteriza um confronto como o colombiano, será necessário que num cenário internacional amplamente representativo, com a presença da guerrilha revolucionária, com certeza, nos ocupemos de abordar este tema com objetividade, sem mentiras, buscando conclusões realistas que todos possamos acatar rigorosamente, incluindo os governos. É ridículo, por qualificá-lo de alguma maneira, que quando o Estado colombiano lança operações contra insurgentes em uma proporção de 100 militares por cada guerrilheiro, com bombardeios executados com milhões de toneladas de pentolita, realizados por uma aviação dotada de foguetes de todo tipo, ou quando metralha desde suas centenas de helicópteros gringos e russos de ultima tecnologia, fogo de artilharia com morteiros de 120 mm, saiam dos altos mandos militares a queixar-se e a denunciar, porque muitas de suas unidades caíram em campos minados em tão desigual teatro de operações. Ou, como também acontece, é criminoso forçar civis a servir-lhes como guia em seus trabalhos de rastreamento e perseguição com conseqüências muitas vezes lamentáveis para quem foi obrigado. Ou, como acontece em outras ocasiões, é perversamente fariseu dar dinheiro a civis para que exerçam como alcagüetes, que buscando informações, muitas vezes são vitimas do confronto.
Sem dúvida, ninguém pode limitar esforços para separar a população civil do conflito. Isso deve privilegiar-se em todos e cada um dos feitos que se cometem como parte do conflito, mas como entender isso no caso da Colômbia, onde o governo nacional desatou uma intensa campanha para recrutar civis como informantes em troca de dinheiro, integrando-lhes a um aparelho chamado Rede de Cooperadores, se estão indo contra as normas do DIH? Ou existe uma contradição entre seu discurso maniqueísta frente à normativa internacional e as políticas que desenvolve? São muitos os temas que deverão abarcar uma reunião de atualização do DIH, na qual seria vital a participação dos Estados Unidos da América do Norte, para também analisar a racionalidade entre as exigências que faz ao resto do mundo em relação aos Direitos Humanos e sua prática cotidiana e universal.
As FARC têm futuro sem o narcotráfico? Que relações tem agora com o cultivo e trafico de drogas? É hoje em dia sua principal fonte de financiamento? Quanto dinheiro ingressa ao ano por esse conceito?
Nossa luta por permanecer à margem do narcotráfico não tem sido fácil já que nos últimos 30 anos Colômbia tem sido permeada e contaminada, dos pés à cabeça, pelo dinheiro do narcotráfico: as instituições do Estado sem exceção, a indústria, os bancos, o comércio, a política, o esporte, o campo, as festas, as forças militares e de polícia e em geral o conjunto do tecido social.
A guerra contra as drogas decretada pela Casa Branca tem sido um fracasso, especialmente na Colômbia, pois tem deixado um enorme rastro de sangue, desintegração social e perda de valores éticos e morais, enquanto a área plantada de coca oscila pendularmente entre os 90 mil e 180 mil hectares e o país continua encabeçando o tráfico mundial, segundo informes de diversos organismos internacionais.
Há algum tempo, temos manifestado nosso acordo com a legislação ou com a despenalização que, desde a época do premio Nobel norte-americano Milton Friedman até hoje, incluindo 4 ex-presidentes latino-americanos e a grande quantidade de personalidades e organizações do mundo inteiro, se promove como saída realista para liquidar definitivamente os enormes lucros deste tráfico, manejar seu crescente consumo como um problema de saúde pública e desenvolver estratégias preventivas com a certeza de sua superação definitiva.
Na época das negociações em Caguán, em sessão especial diante de embaixadores e representantes de diversos países e organismos multilaterais, apresentamos um plano detalhado para experimentar em uma área delimitada uma estratégia de substituição de cultivos que desestimularia aos camponeses cultivadores de coca e contribuiria na criação de alternativas econômicas certas. Muitos narcotraficantes e dirigentes políticos dos partidos do governo foram contra a proposta e frustraram-na.
O narcotráfico não é um problema das FARC. É um fenômeno nacional, latino-americano e mundial, ao qual se deve fazer frente com uma estratégia nacional e convergente encabeçada pelos responsáveis e também grandes vítimas deste câncer: os países desenvolvidos.
Queria ser taxativo nisso: nenhuma unidade fariana, de acordo com os documentos e decisões que nos regem, pode plantar, processar, comercializar, vender ou consumir alucinógenos ou substâncias psicotrópicas.
Tudo demais que se diga é propaganda.
À margem do narcotráfico, como as FARC se financiam?
As FARC-EP têm três fontes básicas de financiamento: aportes de amigos e simpatizantes que crêem sinceramente no compromisso revolucionário das FARC e na causa pela qual lutamos; impostos que cobramos aos ricos através da lei 002 e rendas geradas em investimentos que mantemos.
As FARC têm sofrido seus golpes mais duros durante o Governo de Uribe, como a Operação Xeque, a Operação Fênix, a Operação Camaleão. Em que situação encontra-se a guerrilha? Quais são seus efetivos e que território controla?
Para ser sinceros, o golpe mais sério recebemos após a segunda conferência guerrilheira realizada em 1966, no departamento de Quindio, onde perdemos grande quantidade de combatentes e 70% de suas armas. Somente até a quinta conferência, depois de muitos anos, o comandante Marulanda pôde dizer: “Por fim nos recuperamos do mal que quase nos liquida”.
Operações como Xeque, desenvolvida a partir da traição do chefe da unidade guerrilheira que vendeu os prisioneiros de guerra sob sua custódia, não têm as conotações promovidas pelo Governo. Inumeráveis vezes temos resgatado nossos presos dos cárceres do Estado. São feitos de guerra que chamam as partes a tomar novas medidas de segurança. Não modificam nem a concepção, nem os desenhos operacionais nem muito menos a estratégia da nossa força.
Nos últimos 9 anos, e como conseqüência da maior ingerência militar de Washington nos assuntos internos da Colômbia, a guerra se intensificou. Temos sofrido golpes. As mortes de Raul, Jorge, Ivan Rios e de muitos camaradas, nos doem e nos geram essa dor revolucionária que desata, sem poder conter, maior compromisso com nossos ideais do socialismo. Já as assimilamos. Com o legado e exemplo de nossos heróis e mártires, novos quadros tomam seu lugar e trincheira, novas promoções de revolucionários dispostos, como os mais antigos, a dar tudo, até a vida, pelos objetivos da Nova Colômbia.
Mas, sabe-se que em toda guerra há mortos, de ambos os lados, e a colombiana não é exceção.
Também nesses 9 anos, temos demonstrado o tamanho e a qualidade do compromisso das FARC com nossos ideais de mudança e transformação revolucionária. Como é evidente, também temos golpeado as forças militares e paramilitares do estado, as institucionais e as para-institucionais, a todas, incluindo aquelas que jogam a pedra e escondem a mão, que cinicamente dizem desconhecer a estratégia dos “falsos positivos”, que negam ante os meios de comunicação sua aliança com o narcoparamilitarismo, mas lhes abrem na escuridão da noite as portas secretas dos seus palácios, mansões e fazendas para conspirar contra a convivência, a democracia e contra o povo.
As FARC mantemos nossa influência, sólida influência, nas áreas onde existimos, por todos os rincões da geografia nacional, nascida e cimentada na justeza de nossos projetos políticos, em nosso trabalho e ajuda permanente às comunidades, respeito a todas elas, e por nossa autoridade surgida do compromisso sincero de que não pretende nada em troca de seu esforço, salvo a satisfação de aportar esperança ao povo em sua própria capacidade de mobilização, organização, luta e em seu futuro bem-estar.
Não posso comentar quantas unidades conformam as FARC-EP porque somos uma organização irregular. Mas, atuamos, trabalhamos e lutamos em todo o território nacional.
O que há de certeza no suposto conteúdo do computador de Raul Reyes?
Os elementos que poderiam haver continuado funcionando, logo do bombardeio sobre a humanidade do Camarada Raul e sua guarda, foram manipulados com a astúcia do governo. Nem a própria INTERPOL quis comprometer-se com as truculências de Álvaro Uribe e manifestou publicamente, logo de uma detalhada análise, que havia sido quebrada a Cadeia de Custódia, o que significa em bom romance, que após a morte de Raul se manipularam os conteúdos do disco rígido “sobrevivente”, se foi o que houve em seguida a semelhante inferno de explosivos. Tratava-se de inventar e distorcer os acontecimentos para chantagear as FARC e a muitos amigos da paz da Colômbia, com esse estilo muito particular que caracteriza o senhor Álvaro Uribe e que impôs a toda sua administração. Essa semana que termina, a Corte Suprema de Justiça declarou como ilegal qualquer prova levantada sobre os chamados computadores de Raúl Reyes, precisamente porque se manipularam os materiais supostamente encontrados e ademais se desvirtuaram os procedimentos judiciais.
Curiosamente, não apareceram as informações que chegavam até nós e que o Comandante Raul deveria conservar, por exemplo, sobre os pagamentos a altos oficiais de polícia, hoje generais, que fez o narcotraficante Wilber Varela e que comentou pessoal e detalhadamente a um de nossos comandantes no Valle del Cauca o coronel Danilo González, quem ainda em serviço ativo, buscou as FARC pretendendo a liberação de uns suspeitos que havíamos detido; tampouco mencionaram-se informações precisas sobre a utilização plena do DAS por parte do para-militarismo com a total anuência do Presidente de então, nem dos encontros, com whisky na mão, em Bogotá, de chefes paracos (paramilitares) com “prestativas” personalidades ilustres para planificar as agressões contra a esquerda, nem outras muitas informações que fariam muito longa essa entrevista e que seguramente não incluíram nas cópias que presenteavam a alguns dos seus governos amigos, à CIA, o MI5 e o MI6 ingleses, ao MOSSAD israelense e a outros que continuam publicando inverossímeis histórias através de suas organizações de bolso.
Você acredita que o processo de desmobilização de paramilitares impulsionado pela Lei de Justiça e Paz foi um êxito? Qual é sua opinião sobre este processo?
Esse processo se planejou e se executou como uma farsa para tirar a limpo os verdadeiros chefes do paramilitarismo logo que Álvaro Uribe, um deles, ganhou as eleições presidenciais em 2002.
Como cobertura, utilizaram narcotraficantes e sicários com títulos de chefes contra-insurgentes, a quem prometeram status político e respeito a suas incalculáveis fortunas. Logo os jogaram no lixo, em uma história que se recicla, em que a aristocracia e alguns delinqüentes, buscando o poder e a riqueza, utilizam criminosos e bandidos, a quem logo condenam, aprisionam ou mandam assassinar num repetido espetáculo de escárnio público.
O país sabe que o paramilitarismo é uma estratégia do estado para assassinar sistematicamente os opositores, buscando ocultar o sangue que mancha até a medula as instituições públicas, atrás de grupos de sicários e delinqüentes de aparência civil.
A oligarquia colombiana, impotente em sua luta contra os avanços da insurgência revolucionária, se entregou à prática paramilitar que posteriormente, nas décadas de 70, articulou com o nascente narcotráfico dando origem ao narcoparamilitarismo, temperado e consentido socialmente pelos poderosos durante longos anos, que agora lutam por safar-se do estigma e por lavar suas próprias porcarias.
Aos narcos que acreditaram em suas palavras, os exibiram e promoveram como grande chefes contra-insurgentes e logo, os extraditaram aos Estados Unidos com o fim de silenciá-los. Tempos depois, quando desde lá e pela pressão das vítimas procederam a confessar indecências, a mencionar seus cúmplices, sócios, contatos, mecenas políticos e militares, a oligarquia utilizou seus meios para semear a dúvida: como acreditar em um criminoso e não em um aristocrata, um político tradicional ou um prestigioso general das Forças Militares?
A lei de justiça e paz foi uma grande farsa, que passou pela venda de títulos como “comandantes paramilitares” a sicários narcotraficantes, passou também pelas fotos de grandes “desmobilizações” de desempregados e bandidos contratados para a ocasião com fuzis e armas compradas para a fotografia, e terminará com a absolvição de Álvaro Uribe, na comissão de acusações da Câmara de Representantes do Parlamento colombiano, salvo que os milhões de afetados por esta criminosa estratégia imprimam uma maior dinâmica a seus esforços e lutas e se receba maior solidariedade mundial. Somente assim na Colômbia, como sucedeu com a Argentina e outros países, se poderá condenar também aos representantes materiais e intelectuais das negras e sangrentas noites em que afundaram o país.
Por que tem sentido a luta armada para as FARC e não a defesa através de vias democráticas dos ideais políticos e das transformações socioeconômicas que consideram necessárias?
Porque na Colômbia a oposição democrática e revolucionária é assassinada pela oligarquia. O massacre da União Patriótica é a maior mostra. A todo líder, a qualquer organização não oligárquica que ameace os poderes estabelecidos, o assassinam ou a massacram como parte de uma estratégia oficial de Segurança Nacional. Os poderosos a instituíram como característica da cultura política e agora incrustaram a concepção do Estado.
Extensas passagens da história nacional que datam desde setembro de 1828 quando as facções pró-gringas colombianas de então atentaram contra o Libertador Simon Bolívar, até estes anos, passando pelo assassinato do Grande Marechal de Ayacucho, Antonio José de Sucre, do líder liberal Rafael Uribe Uribe, de Jorge Eliécer Gaitán, de Jaime Pardo Leal, de Luiz Carlos Galán, de Bernardo Jaramillo Ossa, de Manuel Cepeda Vargas e de centenas de líderes mais, pareceriam ratificar um velho ditado popular: a oligarquia colombiana entende apenas a língua dos tiros.
Aqui nas FARC pensamos que apesar dessa histórica agressão anti-popular que caracteriza a vida nacional, é realista e insubstituível trabalhar na construção de espaços de convergência, onde entre todos os colombianos construamos os acordos que cimentem a convivência democrática. O comandante Jacobo Arenas insistiu em que o destino da Colômbia não podia ser a guerra civil, em conseqüência lutamos, uma e outra vez, para encontrar com os distintos governos, a saída política ao conflito colombiano. Não se pôde conseguir porque a oligarquia pensa em rendições e nós em mudanças de fundo, democráticas, da vida institucional e das regras de convivência, mas não por isso deixaremos de lutar por uma solução pacífica como essência da nossa concepção revolucionária e sustento da Nova Colômbia.
Que lições tiraram da criação do partido União Patriótica (UP)?
Foi uma experiência tão cheia de riqueza como dolorosa, que devemos analisar e referenciar permanentemente. Dentro de suas muitas lições poderia mencionar algumas como o difícil que é avançar em um processo de solução política, quando a oligarquia colombiana mantém suas estratégias de paz dos cemitérios e Pax Romana, pois frente a este projeto mostrou sua mesquinhez e foi essencialmente sanguinária e cruel. Preferiu o assassinato de cerca de 5 mil dirigentes democráticos e revolucionários em massacre de corte hitleriano, que abrir espaços a todas as vertentes da esquerda, que teria gerado uma nova dinâmica na confrontação política e possibilitado a concretização dos Acordos de La Uribe, há mais de 25 anos.
Com o extermínio da UP não somente se perdeu uma geração quase completa de dirigentes revolucionários, a maioria deles de grande dimensão política e imensos valores éticos, cuja ausência hoje é notável tanto no cenário público da nação como do continente, também se frustrou por muitos anos a possibilidade de assinar uma acordo de convivência.
A experiência da UP nos ensinou que qualquer avanço em direção à paz que surja de acordos exige a transparência, que todo tropeço deve clarificar-se antes de empreender um novo degrau, pois os Acordos de La Uribe, origem da UP, foram sabotados pelo Alto Comando Militar desde o primeiro momento. Lutamos como Quixotes, para garantir a vigência dos acordos. Mas foi impossível.
Assim que os colombianos que empreendemos com grande otimismo e maior entusiasmo uma histórica jornada pela convivência, perdemos essa batalha frente aos “inimigos da paz”, que hoje já não se escondem tanto.
Um processo de paz de êxito tem como premissa obrigatória o respaldo lento, decidido, transparente e ativo da maioria da população.
Não tenho a menor dúvida que as novas gerações de colombianos, num futuro próximo, renderão honras e reconhecerão os mártires da União Patriótica que “a peito descoberto” lutaram por um país melhor para seus filhos, por uma democracia e a convivência, com uma generosidade, um desprendimento e uma valentia exemplares.
Destacados líderes políticos da esquerda colombiana disseram ao Público que acreditam que a existência como guerrilha das FARC é responsabilidade da “direitização extrema” da sociedade colombiana, já que “esquerda” se associa a guerrilha. Está você de acordo?
Digamos genericamente, que se está à esquerda caso se priorize o social, a democracia popular e as mudanças revolucionárias, em oposição a quem privilegia o lucro econômico, o hegemonismo burguês e a defesa do status quo. Não se trata somente de estar ao lado esquerdo da direita, senão de defender integralmente os interesses das classes populares. Integralmente.
Enfatizo para comentar que não escutei nenhum destacado dirigente, de esquerda, afirmar o que menciona em sua pergunta.
Na Colômbia existem militantes de esquerda, muito importantes e conseqüentes, que com enorme responsabilidade e altura discrepam da luta armada revolucionária, se afastam dela, mas entendendo suas circunstâncias históricas, trabalham para encontrar os caminhos da solução política respeitando o nosso compromisso, de quem combatemos desde a insurgência e, priorizando seus debates contra a oligarquia e contra o novo colonialismo imperial, verdadeiros geradores da violência na Colômbia.
Existem os que militaram na esquerda e já não defendem suas posições originais senão as do regime, como sucede em muitas partes do mundo. Há que respeitar suas novas posturas, mas sem inscrevê-los como defensores dos interesses populares nem localizá-los na esquerda no xadrez da política.
Também pode existir o caso dos que pretendem ocultar suas próprias falhas, por detrás do esforço alheio.
A luta nossa desde Marquetalia é pela democracia, pela possibilidade de desenvolver uma ação de massas, aberta, pelas mudanças revolucionárias e para o socialismo. E esta opção é a que tem sabotado com tiros a oligarquia colombiana.
Assassinaram a Jorge Eliécer Gaitán, legislaram com o anticomunismo como suporte durante a ditadura militar, criaram a Frente Nacional Bipartidista para excluir e perseguir aos revolucionários, e aprovaram uma Constituição em 1991 com elementos positivos em seu desenho e textos, que deixou intacta a concepção da Segurança Nacional do inimigo interno que luta desde um pouco mais de 47 anos em nosso país. A mesma do paramilitarismo e dos falsos positivos.
A direita, na Colômbia e em todo o mundo, propagandeia e difunde seus pretextos para confundir, atacar e desvirtuar as lutas populares por bem-estar e progresso social. E utiliza variedade de formas para isso, incluindo a muitos que algum dia foram ativistas da esquerda.
Nos tempos que correm, com o desenvolvimento dos meios de comunicação, não existe confusão possível. Quem defenda a ordem existente, não o pode ocultar.
A confrontação na Colômbia se prolongou demais. Lutar e clamar pela paz é expressão de uma sentimento profundamente popular e revolucionário.
AS FARC assinaram um pacto de não agressão com a guerrilha ELN em dezembro de 2009. Que obstáculos surgiram para sua implementação?
Tanto o Comando Central do ELN como o Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP, reconhecemos com sentido autocrítico, o erro que significou não deter drástica, enfática e oportunamente os choques que foram ocorrendo em diversas áreas do país, entre combatentes das duas forças, desde um bom tempo.
Agora, trabalhamos com enorme convicção revolucionária em todas essas áreas para superar, definitivamente, as asperezas, os mal entendidos, as emulações mal feitas e os enfrentamentos. É um processo complexo, tendo em conta a conjuntura atual, de intensa confrontação política e militar com o Estado. Mas vamos avançando com solidez.
A autocrítica é profunda e nisso estamos. Falta tempo, tem muito terreno para percorrer mas avançamos firmemente fazendo consciência, em todos os níveis de nossas organizações, que somos parte do mesmo contingente de luta popular, revolucionária, antiimperialista, bolivariana e socialista. E que isso é o que fundamenta a forma de nos relacionarmos, as convergências que devemos trabalhar e lutar para elevar a novos níveis a necessária estratégia unitária dos revolucionários colombianos.
Nos balizamos no legado do grande revolucionário, o sacerdote Camilo Torres Restrepo de enfatizar o que nos une. As divergências devemos tratar em mecanismos que estamos criando pra isso.
Estamos obrigados a ser exemplo de unidade. E de maturidade. Assim também contribuiremos para a unidade popular dos colombianos, projetando nos feitos a prioridade do “bem comum” por cima de qualquer interesse particular.
Nos falta um bom trecho, mas já o começamos. E isso é estratégico.
Segundo um documento da Audiência Nacional, dois testemunhos de antigos membros das FARC implicam o Exército de Hugo Chávez em cursos de adestramento que a ETA deu aos guerrilheiros colombianos em solo venezuelano. Os relatos dos arrependidos formam parte de um informe da Delegacia Geral de Informação da Polícia. No documento dedicado aos “feitos” se descreve como em agosto de 2007 dois membros do ETA realizaram na selva venezuelana dois cursos sobre a manejo de explosivos a guerrilheiros das FARC. As FARC tiveram no passado relação com o grupo ETA? Mantêm relação na atualidade e, em caso afirmativo, em que consiste?
A experiência das FARC em matéria de explosivos, tanto de sua fabricação como de seu armazenamento e utilização é longa e abundante, o que desde muito tempo nos permite auto-abastecermo-nos sem recorrer a nenhum tipo de ajuda, simplesmente porque não a necessitamos. Temos nossos próprios instrutores. Simples. Isto para rechaçar as afirmações sobre tais cursos com o pessoal estrangeiro que somente pretendem afetar o governo bolivariano da Venezuela.
Na Colômbia, a partir do oferecimento de dinheiro, viagens a Europa e redução considerável de penas, alguns desertores se prestaram para testemunhar contra a nossa organização e favorecer as políticas do governo de Álvaro Uribe. Mas como a mentira não dura, as montagens que fabricaram a partir dos milhares de falsos testemunhos estão desmoronando. Todos cairão como castelos de cartas.
Por exemplo, atualmente cursam investigações penais e administrativas, da Promotoria e também da Procuradoria Geral da Nação, contra altos funcionários do governo Uribe e contra altos mandos militares da época, pelas comédias que montaram, farsas deserções cheias de infames afirmações como parte de sua ofensiva contra as FARC.
O mundo se está informando de como no departamento de Tolima também se recrutaram bandidos e desocupados, com os quais “formaram” uma coluna guerrilheira, os vestiram com uniformes militares, os dotaram de alguns fuzis velhos e outros muitos de pau, chamaram os jornalistas, tiraram algumas fotos, deram algum dinheiro aos farsantes, difamaram sobre muitos cidadãos que logo prenderam e felizes ratificaram que o fim do fim estava próximo, incluindo o presidente de então.
Essa foi a tônica do governo colombiano anterior, buscando impor políticas fascistas, levantou todo tipo de fronteiras morais, legais, éticas para outorgar-se a licença de caluniar, difamar, mentir e inventar. Valeria a pena que a justiça espanhola verificasse e confrontasse a fundo as informações que lhe foram proporcionadas.
Nossas relações, que neste momento tem caráter clandestino, com grande quantidade de organizações democráticas e revolucionárias do mundo, armadas e civis, estão regidas pelas conclusões da Conferência Guerrilheira que, como já sinalizei, orientam sobre o não desenvolvimento de ações militares em outros países, respeitando a soberania de cada país e as lutas de cada povo.
É certo que as FARC pediram apoio ao ETA para atentar contra várias pessoas, entre elas o presidente Álvaro Uribe, quando visitasse a Espanha ou a UE?
Essa é a propaganda que o próprio Uribe fazia, na Colômbia e no exterior, para projetar uma imagem de vítima.
As forças espanholas detiveram Remedios Garcia Albert, que consideraram vinculada com as FARC. As FARC tem vínculos com Remédios García Albert? Caso tenham, quais seriam estes vínculos?
Não conheço vínculos de Remédios com as FARC. A referência dela foi apenas a citação midiática das autoridades colombianas, durante o período de incontinência propagandística que viveu o governo em torno do suposto computador do Comandante Raul Reyes. Nunca antes nem depois escutei seu nome.
Que relação mantêm com os governos de Cuba, Venezuela e Equador?
Se você me permite, preferiria abster-me de uma resposta alusiva a nossas relações com qualquer governo do mundo.
Acreditam que a Espanha pode ter algum papel na solução do conflito colombiano? Qual?
Sempre percebemos positivamente a participação da comunidade internacional na solução política do conflito. Mas, dadas as suas características atuais e permanentes e agressivas declarações oficiais, é necessário dar-se tempo ao tempo.
O que sabe sobre os falsos positivos? Porque as FARC não difundiram mais revelações sobre esse tema?
O assassinato sistemático de civis por parte de militares e policiais, e sua posterior apresentação como guerrilheiros como baixa em combate, é uma prática institucional na Colômbia desde o ano 1948.
Faz parte de uma guerra suja desenvolvida pelo estado que também executa o assassinato seletivo de líderes políticos da oposição, de dirigentes sindicais comprometidos com os trabalhadores, a desaparição de ativistas revolucionários, as torturas, o terror e os massacres que intimidem e gerem medo, pânico e deslocamentos.
Tudo isso se denunciou e continua sendo denunciado. Existem centenas de livros, milhares de denúncias, milhares de evidências e provas que demonstram a responsabilidade do estado colombiano no desenvolvimento desta estratégia. Só que, até agora, a comunidade internacional aceita a tese oficial que assinala como fatos isolados.
São centenas de milhares as vítimas civis da guerra suja que o regime empreende, segundo afirma, em “defesa das instituições e do Estado de direito”.
A meados dos anos setenta, a estratégia oligárquica de terror fundiu sua prática paramilitar com o narcotráfico, sob a direção de poderosos empresários, destacadas personalidades da política tradicional e altos mandos militares, com o objetivo de intensificar seus crimes e utilizar dinheiro proveniente do narcotráfico, mas ocultando seus verdadeiros chefes e orientadores.
Hoje, muitas evidências começam a aparecer, desde as farsas das prisões de militares e políticos responsáveis por crimes atrozes, passando pela usurpação massiva de terras por parte de fazendeiros, militares, industriais e dirigentes dos partidos tradicionais, acordos políticos ensopados de sangue, enriquecimentos desmesurados e inusitados de um setor reduzido vinculado aos distintos governos destes anos, institucionalidade permeada quase sem exceção por dinheiro mafioso, até os mais altos escalões do governo com esta estratégia que agora visa a dois de seus iminentes cabeças, o senhor Narváez e Álvaro Uribe Vélez.
Quando da morte de Jorge Briceño, em um bombardeio dia 22 de setembro, o presidente Santos reiterou que agora se vislumbra o fim das FARC. Que opinas sobre isto?
Desde 1964 conhecemos essa declaração oficial da boca de diferentes presidentes e ministros militares, em ocasiões fazendo ameaças, outras promessas, sempre com a pretensão de ocultar as raízes do conflito que fez necessária a existência das FARC.
Assim, justificaram a violência do Estado. Assim, aumentaram ano após ano o orçamento militar e policial, para a satisfação dos generais e dos senhores da guerra.
Assim, ocultaram há tempos sua própria incapacidade, sua intransigência e a profunda corrupção que corrói as instituições oficiais.
Assim, pretendem cobrir seu vergonhoso e humilhante ceder frente ao Pentágono Norte-americano e à Casa Branca.
Enquanto não busquemos seriamente, entre todos, a busca de soluções aos problemas estruturais do país, o confronto será inevitável. Umas vezes mais intenso, outras não tanto. Em alguns momentos com a iniciativa militar do estado, em outros, com a iniciativa popular, em uma trágico ciclo que devemos superar, inteligentemente, com grandeza histórica.
Como prossegue o confronto, haverá mais mortos. Dos dois lados. Mais tragédias para o povo. E não chegará a paz e nem a convivência para a Colômbia.
Não se trata da morte de um ou de outro comandante guerrilheiro. O conflito não é tão simples. As circunstâncias históricas do país são muito particulares. A existência da guerra de guerrilhas revolucionárias em Colômbia não é conseqüência do voluntarismo de um punhado de valentes ou de aventureiros, ou de uns terroristas ou narco terroristas, esses adjetivos podemos deixar para uso da propaganda oficial. A insurgência colombiana é reflexo de uma série de fatores estruturais que os diferentes governos não podem criminosa e obsessivamente desconhecer.
A oligarquia colombiana conformou uma força pública armada de mais de 500 mil homens, em um país de aproximadamente 45 milhões de habitantes com enormes necessidades e carências. Injusto! Em torno da quinta parte do orçamento nacional deste ano foi aprovado para gastos militares. Foram investidos quase 10 bilhões de dólares de ajuda norte americana no Plano Colômbia, para uma guerra fracassada. Entretanto, o confronto prossegue.
Quando bombardearam o acampamento do comandante Jorge Briceño, com quase uma centena de aeronaves que deixaram cair milhares de milhares de toneladas de explosivos durante muitos dias, em um dantesco inferno. Instalaram na periferia do local do acampamento, barracas com espelhos e presentes, roupas novas, tênis Nike e Reebock, convidando os guerrilheiros à traição e à deserção.
Tudo o que obtiveram foi uma heróica resposta militar da guerrilha, cheia de moral e de consciência revolucionária, que produziu centenas de baixas na força de ocupação oficial e no pedido massivo de adesão de novos guerrilheiros na região e em muitas outras zonas do país.
A proximidade da paz democrática, da convivência e da justiça social não se pode medir em litros de sangue. Disso estão cientes o país e também o presidente Santos.
Em seu último informe, a ONG Colômbia Novo Arco Íris, que segue o desenvolvimento do conflito militar cruzando informações oficiais e de analistas, ainda que reconheçam a supremacia aérea do governo, dizem que os combates em terra lhe são notoriamente adversos.
Quais são os resultados reais deste longo confronto?
Gostaria de ressaltar que diariamente existem combates e feitos de guerra entre a guerrilha revolucionária e a força publica institucional e extra-institucional na maioria dos 32 estados do país, onde se obtém vitórias e em ocasiões também se recebem golpes, em um confronto que se prolongou no tempo e na qual a iniciativa militar se altera, se modifica, transforma-se no tempo e nas diferentes áreas, mas não estrategicamente. As partes militares que chegam a público quantificam os efeitos da guerra em nosso adversário e em nossas próprias fileiras com cifras irrebatíveis. Queria destacar que a atual ofensiva oficial com inicio há mais de 11 anos, a partir do chamado Plano Colômbia, desenhado no Pentágono norte americano, dirigido e financiado por eles e alimentado sem descanso por armamento de ultima geração desde Washington, fracassou. É a maior e prolongada operação contra-insurgente levada a efeito no continente e é também a maior demonstração de que a solução do conflito não passa pela Pax Romana.
Que condições exigem vocês hoje para desmobilizar-se?
Desmobilizar-se é sinônimo de inércia, é entrega covarde, é rendição e traição com a causa popular e com o ideário revolucionário que cultivamos e lutamos pelas transformações sociais, é uma indignidade que leva implícito uma mensagem de desesperança ao povo que confia em nosso compromisso e proposta bolivariana.
Não temos nenhuma duvida sobre nossa obrigação de lutar permanentemente e sem parar, com convicção e otimismo, por aproximarmos com certeza da solução política do conflito. Nós, os colombianos, com a contribuição dos países amigos, devemos construir um cenário de diálogo que resulte em um processo de acordos, cuja materialização incida contundentemente e irreversivelmente na liquidação das causas que em seu momento originaram o conflito armado e que hoje nutrem abundantemente.
Uma vez feito o cenário, em um processo que também deve ser trabalhada a reconstrução da confiança entre as partes, teremos que conversar sobre os prisioneiros de guerra, militares, policiais e guerrilheiros em poder das partes, como um aspecto político e humanitário que exige prioridade. E, em função de objetivos de longo prazo, contamos como ponto de partida com uma ferramenta excepcional, que é a Agenda Comum pela Transformação a uma Nova Colômbia, assinada como acordo entre o Estado Colombiano e as FARC-EP, no EL Caguán.
Claro que o importante é construir o cenário, com vontade política, pensando no país e em seu futuro, abstraindo as mentiras inventadas pela propaganda oficial que isola a solução definitiva porque faz pensar no estabelecimento de seus próprios desejos. Nestes processos é indispensável manter-se com os pés no chão.
As dolorosas tentativas frustradas que fizemos desde as negociações de La Uribe, em 1984, para encontrar caminhos civilizados, são evidência das enormes dificuldades que existem em encontrar o caminho correto sem que ele implique em resignação.
Colômbia atravessa uma conjuntura crítica porque recém terminou o período do governo mais violento e corrupto da história nacional encabeçado por Álvaro Uribe. Dezenas de congressistas e dirigentes políticos que fizeram campanha presidencial e participaram de sua gestão estão presos condenados como agentes do narcoparamilitarismo outros muitos enfrentam investigação preliminar por parte da Corte Suprema da Justiça, vários de seus ministros também estão sendo investigados enquanto dezenas de mandatários médios desta administração já estão presos por corrupção e para militarismo.
O véu está por cair. A capa de teflon construída pelos amigos de Uribe, possibilitando o enriquecimento desmedido deste círculo mafioso como fruto de absurda corrupção administrativa, a complacência de muitos com a estratégia e prática paramilitar que já se conhecia e sua fascistóide rejeição a uma solução política do conflito, todo este vergonhoso véu está por cair, o que abrirá novas perspectivas para a civilização e para uma democracia verdadeira.
Quando o país, além da violência e da corrupção, sofre pelos fenômenos da natureza em forma de chuva inclemente, está reivindicando a seus dirigentes grandeza e estatura histórica para a difícil conjuntura para projetá-lo com força para o futuro.
A insistência uribista na caracterização das FARC como terrorista não faz nem sombra à contundente verdade sobre a existência do conflito armado na Colômbia, se temos em conta que foi na tese mentirosa da inexistência do conflito, que Uribe construiu seu fascismo.
Como revolucionários que entregamos nossos ideais ao bem estar do povo, persistimos na solução política do conflito.
Traduzido por Coletivo Paulo Petry, núcleo do PCB/UJC em Cuba.
“Sempre será possível construir cenários de negociação com o Governo”
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Oleh
Kaizim