Nota de Repúdio à Aprovação da Lei Geral da Copa na Comissão Especial
Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) - O
Secretário Geral da FIFA Jerome Valcke, em entrevista, disse que
precisaria “chutar o traseiro” dos governantes brasileiros para que
agilizassem os trâmites relacionados à organização da Copa do Mundo de
2014.
Agilidade, para Valcke, significa
rapidez para aprovar medidas que garantam os interesses mercantis da
FIFA. Definitivamente, acelerar a superação das mazelas da saúde
pública, ou o atendimento às dezenas de milhares de pessoas atingidas
pelas chuvas, ou mesmo pelas obras relacionadas aos mega-eventos
esportivos não é a sua preocupação. Tampouco interessa à entidade
agilizar a redução da histórica desigualdade social do país ou do
déficit habitacional que assola suas cidades. Quanto à nossa justiça,
notoriamente morosa, celeridade para a FIFA diz respeito aos
procedimentos extraordinários e aos tribunais de exceção para julgar os
crimes especiais que pretende criar. A entidade visa, portanto, apenas
seus interesses/lucro em detrimento do bem comum e das necessidades da
população. Também os congressistas e os nossos governantes parecem pouco
se importar com os direitos sociais dos brasileiros. Onde está o
suposto “legado social” dos jogos? Até agora, nada encontramos que
permita justificar as dezenas de bilhões já investidos em nome da Copa e
das Olimpíadas.
Com esta polêmica frase, Jerome Valcke
se referia à Lei Geral da Copa, fruto do Projeto de Lei 2330 de 2011,
elaborado pelo governo federal e que tramitava, até terça-feira (06 de
março) na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e foi aprovada,
nessa instância, na forma do texto consolidado pelo relator Vicente
Cândido (PT-SP). Atendendo ao cartola da FIFA, a comissão atropelou
manifestações democráticas, não permitindo a realização de um debate
público sobre a lei em questão. No mesmo dia, o deputado Jilmar Tatto
(PT-SP) protocolou requerimento de urgência para a aprovação da lei no
plenário da casa, agendando-a para a próxima terça feira, dia 13 de
março.
A expressão grosseira “chute no traseiro
dos governantes brasileiros” utilizada pela FIFA não causa surpresa. A
Lei Geral da Copa já é, em si mesma, um verdadeiro “chute no traseiro”
do povo brasileiro. Ela constitui o documento central de um conjunto de
leis de exceção que vem sendo editadas nos três níveis federativos do
país, de forma a garantir que a Copa do Mundo maximize o lucro da FIFA,
de seus patrocinadores e de um conjunto de corporações nacionais,
ampliando o canal de repasse de verbas públicas a particulares e
fortalecendo um modelo de cidade excludente, que reproduz a lógica da
especulação imobiliária e do cerceamento ao espaço público.
A Lei Geral da Copa não é tão “geral”
assim. Em primeiro lugar, porque, longe de proteger o interesse público,
ela tem por base contratos e compromissos particulares, ou seja,
interesses privados. Além disso, não abrange a totalidade das
intervenções no ordenamento jurídico brasileiro para os mega-eventos, já
que não é a primeira e pode não ser a última das leis aprovadas sobre o
assunto. Em cada cidade já foram emitidas “leis de segurança”, “leis de
isenção fiscal”, “leis de restrição territorial”, “leis de
transferência de potencial construtivo”, etc. No Senado, ainda, para
onde seguirá, caso os deputados aceitem a submissão à FIFA, a Lei Geral
se associará a pelo menos outros dois PLs (394/09 e 728/11) que, entre
outras propostas, restringem o direito à greve a partir de três meses
antes da Copa, abrem a possibilidade de proibição administrativa de
ingresso de torcedores em estádios por até 120 dias, inventam o tipo
penal de “terrorismo” – hoje inexistente no Brasil – e estabelecem
justiças e procedimentos de urgência para julgá-lo. Criam, ainda, as
chamadas “Zonas Limpas”, de exclusividade da FIFA nas cidades e
privatizam o hino, símbolos, expressões e nomes para a Confederação
Brasileira de Futebol – a tão “idônea” CBF.
A FIFA manda e desmanda, desrespeita e
humilha as populações mundo afora. O povo brasileiro, hoje, é a “bola da
vez”. Ela deseja construir um reinado de exploração itinerante durante
seu evento, para o qual o Estado assume o duplo papel de “policial” –
reprimindo, criminalizando e encarcerando sua sociedade – e de
“financiador” – assumindo os ônus, riscos e a responsabilidade desta
empreitada privada. A Lei Geral da Copa está no centro de todo este
processo e consolidará, caso seja aprovada, uma Copa do Mundo excludente
e com graves prejuízos ao povo brasileiro.
Dentre outras premissas, o projeto a ser votado na Câmara:
a) Preconiza a retirada de direitos
conquistados por vários grupos sociais, como a meia-entrada e outros
direitos dos consumidores (Artigo 26);
b) Restringe seriamente o comércio de rua e popular durantes os jogos (Artigo 11);
c) Impede que o povo brasileiro possa
assistir aos jogos como achar melhor, limitando a transmissão por rádio,
internet e em bares e restaurantes (Artigo 16, inciso IV);
d) Coloca a União em posição de
submissão à FIFA, sendo responsável por quaisquer danos e prejuízos de
um evento privado (artigo 22, 23 e 24);
e) Cria novos tipos penais e restringe a
liberdade de expressão e a criatividade brasileira. Chargistas,
imprensa e toda a torcida que usar os símbolos da Copa podem ser
processados (Artigos 31 a 34);
f) Desestrutura o Estatuto do Torcedor em favor do monopólio da FIFA (Art. 67);
g) Coloca em risco o direito à educação, pela possível redução do calendário escolar (Artigo 63);
h) Permite a venda de bebidas alcoólicas durante os jogos, retrocedendo em relação à legislação existente (Artigo 29);
i) Transforma o INPI (Instituto Nacional
de Propriedade Industrial) numa espécie de “cartório particular”,
abrindo caminho para abusos nas reservas de patente (Artigo 4 a 7) e na
privatização de símbolos oficiais e do patrimônio cultural popular.
Dessa forma, a Articulação Nacional dos
Comitês Populares da Copa (ANCOP, organizada nas 12 cidades sede e
constituída por diversas entidades da sociedade civil que lutam para
enfrentar, impedir e minimizar os prejuízos sociais advindos com a Copa,
mais uma vez, vem a público repudiar este ato de submissão brasileira
perante os interesses privados de grandes monopólios da FIFA e seus
patrocinadores, totalmente financiados com recursos públicos,
atropelando direitos e garantias arduamente conquistados, ferindo
princípios democráticos e onerando o povo brasileiro.
O Brasil tem condições objetivas de
sediar a Copa do Mundo sem produzir este legado autoritário e
anti-democrático. Já sediamos grandes eventos, dos mais diversos tipos. A
aprovação de novas leis não é necessária e representa um
cavalo-de-tróia para modificações que, supostamente transitórias,
terminam por incorporar-se definitivamente em nosso direito interno.
À luz disso, os Comitês Populares da
Copa vêm exigir do Poder Legislativo brasileiro, na figura de todos os
congressistas, que formalize o veto que a população já deu ao PL
2330/2011, votando contrários ao mesmo. Sabemos que isso não ocorrerá
sem pressão e mobilização popular e, portanto, estaremos atentos para
legitimamente defender a justiça social e a soberania popular acima de
tudo.
Assim não dá jogo! Queremos respeito às
regras e leis já existentes na Constituição Federal que garantem ao povo
brasileiro direitos e soberania.
As exigências da FIFA são um GOL contra o povo brasileiro.
FIFA BAIXA A BOLA!
A Articulação Nacional dos Comitês
Populares da Copa (ANCOP) é formada pelos Comitês Populares nas 12
cidades-sede da Copa: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba,
Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador
e São Paulo. Mais informações em www.portalpopulardacopa.org.br
LEI GERAL DA COPA: um “chute no traseiro” do povo brasileiro
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Oleh
Rubens Ragone