Eu e meu ex-companheiro, George Duque
Estrada, fomos presos em meio a uma avalanche de prisões que tinham como
alvo o PCB, de norte ao sul do país. Só em São Paulo, em outubro de
1975, estavam detidas 96 pessoas do partidão, dentre as quais: Lenita
Yassuda, Dilea Frate, Marisa Saenz Leme, Eleonora Freire, Sonia
Morossetti, Sandra Miller, Sarita D’Ávila Mello, Zilda Gricolli,
Marinilda Marchi, Rosa Faria, Ana Maria Brandão Dias, Eugenia Paesani,
Nancy Trigueiros, Carmen Vidigal Moraes, Cristina Castro Mello, Monica
Staudacher, Nanci Marcelino, Celia Candido, Stela Brandão. No DOI-Codi,
passei a noite encapuzada, ouvindo os gritos de um homem sendo
brutalizado. O dia seguinte, soube depois, foi aquele em que Vladimir
Herzog foi torturadoaté a morte. Fui levada à sessão de interrogatório
numa sala próxima à outra onde alguém também estava sendo interrogado e
torturado. Diziam-me que era meu companheiro. Eram gritos abafados de
uma pessoa amordaçada. Achei que iam matá-lo. Os homens que me
torturavam se revezavam entre o local onde eu estava e a sala contígua.
Estavam num estado de alteração psíquica indescritível. Eu era erguida
da cadeira e jogada, nua e encapuzada, como se fosse uma peteca, de mão
em mão, no meio de xingamentos e gritaria. Depois, fui submetida a tapas
e choques elétricos. Perdi alguns dentes e todas as minhas obturações
caíram. Como estava amamentando, o leite escorria pelo meu corpo, o que
constrangeu alguns torturadores e estimulou outros. O entra e sai era
frenético. De repente, instalou-se um silêncio sepulcral. Sobe e desce
de escadas. Os interrogatórios foram suspensos. Na madrugada entre 25 e
26 de outubro, agentes passavam pelos corredores perguntando se 'alguém
também estava passando mal'. Pensei que algo de terrível tivesse
ocorrido com o George. Não havia sido com ele, mas com o Vladimir
Herzog. Foram provavelmente dele os gemidos que ouvi da sala contígua
MARISE EGGER-MOELLWALD, ex-militante do
Partido Comunista Brasileiro (PCB),era estudante de Ciências Sociais
quando foi presa no dia 24 de outubro de 1975, emSão Paulo (SP). Hoje,
vive na mesma cidade, é socióloga e trabalha como consultoraem gestão
pública e desenvolvimento de políticas sociais.
Relato de perseguição ao PCB durante a ditadura
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Oleh
Rubens Ragone