Membro do Comitê Central do PCB desde
1982 e Secretário-geral do Partido desde 2005, quando da realização do
seu XIII Congresso, Ivan Pinheiro recebeu a equipe do Imprensa Popular
para conversar sobre as comemorações de 90 anos do PCB e os desafios
atuais para a organização. Durante a entrevista, Ivan deixou claro que
os comunistas brasileiros estão diante de boas possibilidades para o
fortalecimento do PCB, mas que para isso ocorrer o Partido terá que
vencer algumas deficiências em seu trabalho político e organizativo.
IMPRENSA POPULAR: Ivan, o que você diria
se encontrasse aqueles homens que, em 25 de março de 1922, se reuniram
em Niterói para fundar o PCB?
IVAN PINHEIRO: Em primeiro lugar
agradeceria a eles por terem deixado este legado e o exemplo de que, por
maiores que sejam as dificuldades, é preciso lutar. Aqueles comunistas
enfrentaram grandes dificuldades para colocar o PCB de pé: viviam o
predomínio do anarquismo no meio sindical, a repressão e a perseguição
da República Velha. E ainda sofriam com a falta de recursos materiais e a
pouca convivência comum, pois os núcleos comunistas eram pulverizados
em vários Estados distantes, em um país enorme como o Brasil, numa época
em que as comunicações e os transportes eram muito limitados. Isso
demonstra de forma inequívoca: o PCB sobreviveu a essa dificílima
infância devido ao apoio dos trabalhadores, ao acerto de sua política, à
ligação com o Movimento Comunista Internacional e à disposição de luta
de seus militantes, que conseguiram ultrapassar todas essas barreiras.
Deixaram um enorme exemplo para aqueles que fraquejam, conciliam e se
rendem, cooptados pelo sistema.
Depois de agradecer, diria a eles que
estamos muito atentos para a necessidade de mantermos no PCB os
princípios de camaradagem, de internacionalismo proletário, de firmeza
ideológica, de organização leninista que nos foram deixados. Que estamos
vigilantes para que o instrumento que eles criaram em tão difíceis
condições não caia na vala comum do reformismo, do compadrio, do
caciquismo nas relações internas. Nossa responsabilidade é enorme!
IMPRENSA POPULAR: Responsabilidade não só com o passado, aliás...
IVAN: Sem dúvidas. O respeito àqueles
que tombaram, que entregaram o melhor de suas vidas, que se sacrificaram
em prol do PCB, da liberdade e da revolução socialista - e não só no
Brasil. Nosso suor e nosso sangue estiveram na Guerra Civil Espanhola,
na Resistência Francesa e em tantos outros momentos e lugares. Mais do
que placas e medalhas, livros e filmes, nossa maior homenagem é
continuarmos a luta pelo socialismo em nosso país e a solidariedade
internacionalista.
IMPRENSA POPULAR: E os erros que o Partido cometeu?
IVAN: Aqui está um ponto fundamental.
Esses 90 anos nos dão uma oportunidade ímpar entre as forças políticas
do país: a do aprendizado através da própria experiência. Já erramos
muito; creio que nossa cota de equívocos já se esgotou. São grandes as
possibilidades de o PCB se transformar num vigoroso partido
revolucionário. Mas para isso temos que olhar para alguns momentos do
passado e manter distância tanto do sectarismo quanto da conciliação,
Estamos encontrando um ponto de equilíbrio em algumas questões
importantes. Não cair no liberalismo com questões de segurança e nem no
"secretismo" conspirativo. Não supervalorizar espaços institucionais
como os parlamentos nem na sua completa negação.
Também não podemos ser arrogantes com
aliados do nosso campo político que, como nós, lutam pela ruptura do
capitalismo e não por seu desenvolvimento e reforma. Temos que ser
intransigentes com o reformismo e, no nosso Partido, com desvios
oportunistas, individualistas, carreiristas.
OLHO: "Lembro dos nossos heróis, dos
que foram assassinados, torturados, perseguidos. Lembro de nossas
individualidades mais conhecidas, a começar por Luiz Carlos Prestes, o
Cavaleiro da Esperança. Lembro de Ana Montenegro, Gregório Bezerra, Olga
Benário, Marighella, Dinarcão, Giocondo, Caio Prado, Astrogildo,
Octávio Brandão, Horácio; lembro de João Saldanha, Isnard Teixeira,
Roberto Morena, Oswaldo Pacheco; lembro do Raimundão, do Espedito, do
nosso querido Pacheco. Mas penso sobretudo nos milhares de militantes
anônimos que deram suas energias, suas vidas para construir este querido
PCB e lutar pelas causas mais nobres da humanidade. "
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IMPRENSA POPULAR: Aliás, consideradas as condições atuais, que PCB o futuro encontrará?
IVAN: Estamos fazendo o possível para
que o futuro encontre um PCB cada vez mais enraizado no proletariado,
atuando ativamente nos sindicatos e movimentos populares, na juventude,
nos movimentos contra discriminações, na solidariedade
internacionalista. Precisamos de uma intelectualidade orgânica e
coletiva, em que o estudo teórico esteja a serviço principalmente do
desenvolvimento ideológico. Precisamos uma verdadeira democracia
interna, de mão dupla, das bases ao Comitê Central. Para isso, as bases
têm um papel central no Partido, que é um sistema de organizações.
Queremos um partido verdadeira e profundamente revolucionário e internacionalista.
Temos que estar à altura das
possibilidades com as quais a conjuntura nos oferece: com um capitalismo
em crise e cujas máscaras estão caindo; temos de um lado uma esquerda
que se rendeu ou foi cooptada, que está "no bolso" do grande capital. De
outro, vemos sectarismo e movimentismo. Mas temos forças aliadas que
têm uma linha política próxima a nós, com as quais temos que valorizar a
unidade de ação. O PCB tem uma avenida à sua frente, e não pode
desperdiçar a oportunidade de caminhá-la e alargá-la. Uma avenida ao
socialismo! Parafraseando Leonel Brizola, “o cavalo está passando
encilhado para o PCB”!
IMPRENSA POPULAR: Como assim?
IVAN: A queda da União Soviética e a
posterior tentativa frustrada de liquidação do Partido por aqueles que
fundaram o PPS nos trouxeram muitos problemas e algumas possibilidades.
Entre os problemas estava a convivência, entre nós que mantivemos o PCB,
de visões as mais díspares sobre para que o Partido deveria continuar
existindo. Esse processo só foi cessar em 2005, e atrasou em muito as
nossas possibilidades. Basta perceber que de lá para cá tivemos dois
Congressos, duas Conferências Políticas: uma de organização e outra de
mediações táticas. Reorganizamos a UJC e dinamizamos nossa área de
atuação sindical. É como se estivéssemos azeitando uma máquina durante
seu funcionamento. Não havia - como não há - a possibilidade de botar
uma faixa "Fechado para obras".
Por outro lado, todo esse processo
ocorreu com as inevitáveis depurações e deixou claro: não há modelos a
seguir, fórmulas prontas a importar, é preciso estarmos prontos para
receber militantes com as mais diversas trajetórias. Como dizíamos em
1992, nosso Partido pode ser o estuário dos comunistas brasileiros.
Estamos cientes disso, temos muito a avançar em organização, finanças,
agitação e propaganda, mas principalmente em nossa atuação nos
movimentos de massa. Afinal de contas, PCB é pra lutar!
IMPRENSA POPULAR: Poderia resumir as principais lutas do PCB hoje?
IVAN: São tantas... Vamos começar por
duas que recentemente mereceram algum destaque: a Palestina livre e a
paz com justiça social na Colômbia. Tratam-se, nos dois casos, de povos
que lutam contra Estados verdadeiros terroristas. Israel, que já
desrespeitou tantas resoluções da ONU e que, para nós brasileiros, é um
vergonhoso parceiro comercial na área da indústria armamentista, mais
uma vez bombardeou a população palestina. Seu irmão gêmeo na América
Latina, o governo colombiano, violou de forma sistemática e permanente
os direitos humanos exterminando, na déceda de 90, o partido político de
esquerda União Patriótica (UP), cujos mortos superam 5 mil militantes.
No mundo, 60% dos sindicalistas assassinados são da Colômbia, foram mais
de 2.778 nos últimos anos. No governo Uribe, mais de 34.000 pessoas
foram desaparecidas. Prestamos, ainda que aquém de nosso potencial,
solidariedade irrestrita a esses dois povos em sua luta contra a
opressão.
IMPRENSA POPULAR: Importante você citar as relações comerciais entre Brasil e Israel, principalmente no setor armamentista...
IVAN: Temos denunciado sem subterfúgios
que os governos petistas promovem uma expansão do capitalismo brasileiro
pelo mundo, o que por vezes pode ser confundido como contraponto aos
centros do imperialismo. Fundamentalmente na América Latina, é um
diálogo que mantemos de forma franca com outros partidos comunistas da
região.
OLHO: "Entre os problemas estava a
convivência, entre nós que mantivemos o PCB, de visões as mais díspares
sobre para que o Partido deveria continuar existindo. Esse processo só
foi cessar em 2005, e atrasou em muito as nossas possibilidades. Basta
perceber que de lá para cá tivemos dois Congressos, duas Conferências
Políticas: uma de organização e outra de mediações táticas.
Reorganizamos a UJC e dinamizamos nossa área de atuação sindical. É como
se estivéssemos azeitando uma máquina durante seu funcionamento. Não
havia - como não há - a possibilidade de botar uma faixa 'Fechado para
obras'".
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IMPRENSA POPULAR: Diálogo cada vez mais profícuo, não?
IVAN: E sem nenhum tipo de conciliação. O
movimento comunista internacional precisa deixar, de uma vez por todas,
as ilusões reformistas para trás. Mesmo em países que atravessam
processos de transformações democráticas, e talvez o melhor exemplo seja
a Venezuela, os partidos comunistas não podem abrir mão de princípios e
se deixarem levar por ilusões. Aliás, o Partido Comunista da Venezuela é
um belo exemplo de força política que não coloca subterfúgios em sua
linha política, prestando apoio ao governo Chávez sem perder sua
independência. Não é à toa que mantemos boas relações com ele. De forma
geral, diria que precisamos, cada vez mais, estabelecer ações comuns
entre os PCs. É a política que funcionará como divisora de águas entre
aqueles que se renderam ao capitalismo e os que, em seus países, lutam
pela revolução socialista.
IMPRENSA POPULAR: E para chegarmos a ela no Brasil, qual tem sido a contribuição do PCB?
IVAN: A luta contra o peleguismo nos
movimentos sociais, a bandeira da Frente Anticapitalista e
Anti-imperialista, a defesa de nossos recursos naturais, principalmente o
petróleo, a aproximação com aqueles que enxergam a necessidade de
transformações radicais. Não será com mais capitalismo que os
trabalhadores terão melhorias em sua condição de vida. O que vemos é a
perda de direitos, o endividamento crescente das famílias, a falência
dos sistemas de transporte nas grandes cidades, a privatização da saúde,
a expansão sem qualidade da educação. Precisamos dizer isso de forma
clara, até porque as pessoas sentem isso no dia-a-dia.
IMPRENSA POPULAR: Para terminar, quais suas principais lembranças desses 90 anos do PCB?
IVAN: Lembro dos nossos heróis, dos que
foram assassinados, torturados, perseguidos. Lembro de nossas
individualidades mais conhecidas, a começar por Luiz Carlos Prestes, o
Cavaleiro da Esperança. Lembro de Ana Montenegro, Gregório Bezerra, Olga
Benário, Marighella, Dinarcão, Giocondo, Caio Prado, Astrogildo,
Octávio Brandão, Horácio; lembro de João Saldanha, Isnard Teixeira,
Roberto Morena, Oswaldo Pacheco; lembro do Raimundão, do Espedito, do
nosso querido Pacheco. Mas penso sobretudo nos milhares de militantes
anônimos que deram suas energias, suas vidas para construir este querido
PCB e lutar pelas causas mais nobres da humanidade.
"Temos que estar à altura das possibilidades que a conjuntura nos oferece”
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5
Oleh
Rubens Ragone