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Mapa atualizado/legendado da Guerra na Síria até set/2013 |
[*] Finian CUNNINGHAM, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A política dos EUA para a Síria poderia ser descrita como “uma
comédia de erros”, se o custo, em sofrimento humano, não fosse tão
brutal. Depois de criar um pandemônio de terrorismo e desrespeito à lei
na Síria, com operações clandestinas de insurgência ao longo dos últimos
dois anos e meio, o governo dos EUA parece agora um Dr. Frankenstein
que perdeu o controle sobre a besta, ou, melhor dizendo, as bestas...
As criaturas, nascidas do laboratório norte-americanos de golpes para
mudança de regime, têm várias formas, de selvagens esquadrões da morte
em solo, a grupos de exilados políticos mantidos em hotéis 5 estrelas no
Golfo Pérsico.
Mas nenhuma das criaturas parece obedecer ao suposto patrão-criador. A
situação está evidentemente fora de controle, e os EUA mostram-se ao
mundo como idiotas, loucos, impotentes.
Primeiro, Washington repetiu o pedido, essa semana, para que suas
criaturas ativas na oposição síria, a Coalizão Nacional Síria (CNS),
participe das conversações políticas de Genebra-2. Mas a CNS fez que nem
ouviu.
Então, uma declaração conjunta do bando de mercenários de vários
países reunido na Síria, essa semana, tratou de repudiar, furiosamente,
publicamente, o CNS e todos os demais grupos políticos.
Em vídeo, cerca de 70 brigadas de mercenários disseram:
Tendo visto o fracasso dos grupos políticos que dizem representar
a oposição e os grupos revolucionários (...), nós, comandantes dos
grupos militares nas províncias do sul, declaramos que não reconhecemos
nenhum dos grupos políticos que dizem nos representar e lhes retiramos o
nosso apoio.
Foi a segunda bofetada aplicada na chamada Coalizão Nacional que o
ocidente tanto promoveu e apoiou. Mês passado, 13 organizações
insurgentes nas províncias do norte da Síria também distribuíram
declaração em que rejeitam a coalizão e a declaram ilegítima, como
representante política.
Significativamente, dentre esses 13 grupos que repudiaram a CNS
estava a Frente Al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda, e o Exército Sírio
Livre. Os governos ocidentais dizem que apoiavam o Exército Sírio Livre,
do general Salim Idriss, porque ele seria líder “moderado”, sem
associação com as redes de extremistas takfiri, como a Frente Al-Nusra.
Estranhamente, para os propagandistas pró-ocidente, o Exército Sírio
Livre parece já não estar lendo os manuais e memorandos “certos”, e já
se aliou publicamente aos “extremistas”. Em outras palavras, não há
diferença alguma entre “moderados” e “extremistas”; ou entre “rebeldes
do bem” e “rebeldes do mal”.
Essa distinção sem qualquer fundamento na realidade já está sendo
vista por todos, claramente, como ficção de propaganda, que governos
ocidentais fabularam para criar, para eles mesmos, alguma cobertura
política e moral para conseguirem inventar uma guerra criminosa de
agressão à Síria – ocultados por trás da mentira de que estariam
apoiando rebeldes “bons”, pró-democracia e pró-liberdade.
Vergonhosamente, a empresa-imprensa ocidental, chamada “indústria do
jornalismo”, ajudou muito a armar essa fachada escandalosa, em vez de
investigar rigorosamente os fatos e expor as mentiras.
A verdade é que governos ocidentais lançaram uma onda de terrorismo
contra a Síria, desde março 2011, servindo-se como disfarce da
“Primavera Árabe”, com vistas ao objetivo geopolítico de promover mais
uma “mudança de regime”. Essa onda de agressão para desestabilizar o
governo do presidente Bashar al-Assad sempre incluiu centenas de grupos
de mercenários de variadas tendências extremistas, a maioria dos quais
saídos de cerca de 30 países, dentre os quais Líbia, Tunísia, Egito,
Arábia Saudita, Afeganistão e Rússia, além de estados ocidentais como
Austrália, Grã-Bretanha, França e Canadá.
A ilusória divisão que o ocidente divulgou, entre “moderados” e
“extremistas”, foi pelos ares nos massacres acontecidos na província de
Latakia, no oeste da Síria, em agosto. Até a ONG Human Rights Watch,
em geral muito atenta aos interesses da agenda política do ocidente,
noticiou centenas de atrocidades contra civis em ataques a várias vilas
na província de Latakia. Dentre essas atrocidades, o sequestro de mais
de 200 mulheres e crianças, cujo destino ainda não se conhece até hoje.
Há notícias, de fontes dignas de crédito, de que todos foram
assassinados para “produzir” os cadáveres apresentados como vítimas do
“ataque químico” de East Ghouta, dia 21/8. Durante o ataque em Latakia, o
comandante do Exército Sírio Livre, general Idriss, foi filmado em
campo, discursando sobre o sucesso da campanha que comandava.
O que se vê, pois, são os planos tantas vezes requentados, em que os
EUA e seus aliados regionais, inundam a Síria com terroristas, ao mesmo
tempo em que obram para construir um governo-à-espera, constituído de
exilados carreiristas e políticos oportunistas. Esses fantoches
políticos deveriam ter-se mudado para Damasco, para assumir o governo,
no instante em que a população abandonasse a defesa do governo de Assad,
apavorada sob a ameaça dos terroristas e dos esquadrões da morte. Mas
nada aconteceu conforme o ocidente planejara.
A “mudança de regime” planejada para a Síria foi plano absolutamente
insustentável, porque não levou em consideração a legitimidade do
governo do presidente Assad; o profissionalismo do exército sírio; a
robusta aliança regional entre Síria, Rússia e Irã; e a competência da
diplomacia russa, sobretudo no Conselho de Segurança da ONU, onde os
russos fizeram gorar, uma a uma, as manobras dos EUA. Além do mais, o
eixo dos EUA não levou em consideração a forte oposição da opinião
pública ocidental, farta de guerras, e contra as sujas maquinações
imperialistas dos EUA no Oriente Médio.
Condenada a esse seu jogo incompetente, Washington vê-se agora às
voltas com uma total confusão, cercada de incoerências, das quais não
consegue safar-se. Seus mercenários em campo estão sendo derrotados e
voltam-se uns contra os outros, em furiosas disputas internas. A Frente
Al-Nusra, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante/Síria [orig. Islamic State of Iraq and Shams, ISIS] e o Exército Sírio Livre são hoje maior ameaça uns aos outros, do que ameaçam o Exército Nacional Sírio.
Mas, seja lá o que for que organize ou venha a forjar-se entre esses
grupos, todos os seus movimentos e pensamentos são de furiosa rejeição à
oposição política inventada no ocidente e apoiada pelo ocidente.
Como já se sabe, a oposição política arquitetada pelo ocidente já se
declarou completamente contra qualquer diálogo em Genebra, apesar das
insistentes súplicas do secretário de estado dos EUA, John Kerry. Esses
peões políticos reagem provavelmente, afinal, e com fúria, ante a
percepção de que foram usados de fato, sim, como peões.
As conversações de Genebra que visavam a constituir um novo governo
de consenso na Síria, estavam marcadas para junho de 2012, mas, desde
então, foram várias vezes adiadas, porque EUA e seus aliados no golpe da
“mudança de regime”, Grã-Breanha e França, precisavam de tempo para
convencer seus clientes sírios exilados a não participar. E, agora, os
EUA precisam de que seus peões participem das conversações – porque
Washington já tem de trabalhar com o fato de que foi derrotada no campo
militar.
Quando a Rússia jogou uma boia de salvação política aos EUA, mês
passado, sob a forma de acordo com a Síria para o desarmamento químico
dos sírios, para ajudar Washington a extrair-se do desastroso caminho da
guerra, parte do acordo implicava apressar a realização das
conversações de Genebra, marcadas para o mês seguinte, na capital da
Suíça.
Há apenas um ano, Washington e seus aliados só investiam no golpe da
“mudança de regime” na Síria. Para isso, fomentaram uma guerra suja,
contratando legiões de grupos terroristas mercenários. Nenhuma diferença
fazia que muitos daqueles “contratados” fossem de organização
franqueada da Al-Qaeda e estivessem na lista oficial dos EUA de
organizações terroristas.
Toda essa agenda militar clandestina resultou em rematado fracasso. O
ponto de virada aconteceu há cerca de quatro meses, com a derrota dos
grupos mercenários na região de Qusayr. Com a agenda militar clandestina
fazendo água, o falso ataque químico encenado em East Ghouta foi a
última esperança de Washington para conseguir atacar diretamente a
Síria, em guerra aberta, tentando ainda forçar sua obsessiva “mudança de
regime”.
Washington e seus aliados, contudo, não previram a oposição firme de
suas próprias populações a mais essa ação de aventureirismo militar. O
eixo de Washington tampouco avaliou corretamente a resistência
internacional a mais esse surto de militarismo. O alerta do presidente
russo Vladimir Putin, contra qualquer ataque que os EUA tentassem,
ressoou fundo em muita gente comum em todo o mundo, inclusive na opinião
pública nos EUA e Europa.
Tendo-se deixado prender nas cordas, Washington recebeu uma ajuda
luxuosa, quando o ministro de
Relações Exteriores da Rússia, Sergei
Lavrov, conseguiu arrancar de Kerry o acordo das armas químicas sírias,
em Genebra, dia 14/9.
Aquele movimento dos russos repôs o processo político no centro do palco.
Esta semana, Lavrov disse que os EUA devem “usar todo o poder que
tenham” para levar a oposição síria, com suas múltiplas facções, a fazer
bom uso das conversações de Genebra-2.
Lavrov disse que:
O principal obstáculo nessa via política ainda é a incapacidade
de nossos parceiros [os EUA] para conseguir que a oposição síria, sobre a
qual os EUA sempre velaram, decida ir a Genebra e sentar para negociar
com o governo.
Lavrov é um estadista e não usaria linguagem grosseira. Mas a
essência do que disse pode ser facilmente traduzida: Washington criou
tal monstruosidade na Síria, que agora já não tem poder para controlar
seus próprios monstros.
Num mundo que já sabe que o governo dos EUA está quebrado, em total
bancarrota financeira, já se vê também, claramente, que os EUA já são
também força geopolítica falida. Em bancarrota em casa e pelo mundo, a
Síria mostra que Washington é ator geopolítico exaurido.
[*] Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do
Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos
para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi
expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual
destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini
apoiado pelo Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e
trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry,
Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é
músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e
articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.
Bancarrota em casa e pelo mundo: A Síria mostra que Washington é ator geopolítico exaurido
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Oleh
Kaizim