
A "paralisação" do governo e o "incumprimento da dívida"
– uma benesse de muitos milhares de milhões para a Wall Street
por Michel Chossudovsky
A
"paralisação" do governo dos EUA e o clímax financeiro associado a uma
data limite, que pode levar a um "incumprimento da dívida" do governo
federal, é uma oportunidade para a Wall Street ganhar dinheiro.
Uma onda de actividade especulativa varre os grandes mercados.
A incerteza em relação à paralisação e ao "incumprimento da dívida"
constitui uma oportunidade de ouro para os "especuladores
institucionais". Os que têm "informações privilegiadas" fidedignas no
que se refere ao complexo resultado do processo legislativo poderão
ganhar milhares de milhões de dólares em receitas excepcionais.
Benesse especulativa
Surgem diversas agendas políticas e económicas sobrepostas. Num artigo anterior, examinámos a saga do incumprimento da dívida em relação à eventual privatização de importantes componentes do sistema do Estado federal .
Embora a Wall Street exerça uma influência decisiva na política e na
legislação relativa à paralisação do governo, essas mesmas importantes
instituições financeiras também controlam o movimento dos mercados de
divisas, dos mercados de produtos e de acções através de operações em
grande escala no comércio de derivativos.
A maior parte dos actores chave no Congresso dos EUA e no Senado,
envolvidos no debate da paralisação, é controlada por poderosos grupos
de pressão empresariais que agem, directa ou indirectamente, por conta
da Wall Street. Os grandes interesses da Wall Street não só estão em
posição de influenciar os resultados dos trabalhos do Congresso, como
também têm "informação privilegiada" ou conhecimentos anteriores da
cronologia e do resultado do impasse da paralisação do governo.
Vão poder fazer milhares de milhões de dólares de receitas
excepcionais em actividades especulativas que são "seguras", visto que
estão em posição de exercer a sua influência sobre resultados políticos
relevantes.
Mas é preciso notar que há importantes divisões no seio do Congresso americano e no seio do establishment financeiro. Este último revela a confrontação e a rivalidade de importantes conglomerados da banca.
Estas divisões terão impacto nos movimentos e contra movimentos
especulativos nos mercados de acções, de dinheiro e de produtos. Aquilo a
que assistimos é uma "guerra financeira". E esta não se limita à Wall
Street, as instituições chinesas, russas e japonesas (entre outras)
também se vão envolver no jogo final especulativo.
Assim, as movimentações especulativas baseadas em informações
privilegiadas podem seguir direcções diferentes. Que resultados do
mercado é que as instituições bancárias rivais estão a procurar? Ter
informações privilegiadas quanto às acções dos principais competidores
da banca é um elemento importante para desencadear grandes operações
especulativas.
Comércio de derivativos
O principal instrumento de actividade especulativa "segura" para
estes actores financeiros é o comércio de derivativos, com apostas
cuidadosamente formuladas nos mercados de acções, de produtos principais
– incluindo o ouro e o petróleo – e nos mercados cambiais de divisas.
Estes actores principais têm a possibilidade de saber "para onde vai o
mercado" porque estão em posição de influenciar as políticas e a
legislação no Congresso dos EUA assim como de manipular os resultados do
mercado.
Mais ainda, os especuladores da Wall Street também influenciam a
percepção do grande público nos meios de comunicação, para não falar das
acções de correctores financeiros de instituições financeiras rivais ou
menores que não têm conhecimento antecipado nem acesso a informações
privilegiadas.
Estes mesmos actores financeiros estão envolvidos na dispersão de
"desinformações financeiras", que assumem muitas vezes a forma de
notícias nos meios de comunicação que contribuem para enganar o público
ou para formar um "consenso" entre os economistas e os analistas
financeiros que impulsionam os mercados numa determinada direcção.
Apontando para um inevitável declínio do dólar americano, os meios de
comunicação servem os interesses dos especuladores institucionais para
camuflar o que pode acontecer num ambiente caracterizado pela
manipulação financeira e a interacção da actividade especulativa em
grande escala.
O comércio especulativo envolve rotineiramente actos fraudulentos.
Nas últimas semanas, os meios de comunicação têm estado inundados com
"previsões" de diversos acontecimentos económicos catastróficos que se
concentram no colapso do dólar, no aparecimento de uma nova divisa de
reserva dos países BRICS, etc.
Numa conferência recente promovida pelo poderoso Institute of International Finance
(IIF), uma organização de reflexão com sede em Washington que
representa os bancos e instituições financeiras mais poderosos do mundo:
"Três dos banqueiros mais poderosos do mundo alertaram para as terríveis consequências no caso de os Estados Unidos não cumprirem a sua dívida ; o director executivo do Deutsche Bank, Anshu Jain, afirmou que o incumprimento seria "terrivelmente catastrófico".
Seria uma doença fatal, de contágio instantâneo,… não posso recomendar a esta audiência… que ponha um penso rápido numa ferida aberta", disse.
"O director executivo do JPMorgan Chase, Jamie Dimon e o presidente do BNP Paribas, Baudouin Prot, disseram que um incumprimento teria consequências dramáticas para o valor da dívida dos EUA e para o dólar, e provavelmente mergulharia o mundo noutra recessão". (…)
Na semana passada, Dimon e outros altos executivos de importantes empresas financeiras americanas reuniram com o presidente Barack Obama e com advogados para os instar a resolver estas questões.
No sábado, Dimon disse que os bancos já estão a gastar "quantidades enormes" de dinheiro a preparar-se para a possibilidade de um incumprimento que, segundo afirmou, ameaçará a recuperação global depois da crise financeira de 2007-2009.
Dimon também defendeu o JPMorgan contra as críticas que dizem que o banco é grande demais para se gerir. Está sob a vigilância de numerosos reguladores e na sexta-feira deu conta dos primeiros prejuízos trimestrais desde que Dimon assumiu o cargo, devido a mais de 7 mil milhões de dólares em protecção jurídica. (Emily Stephenson e Douwe Miedema, World top bankers warn of dire consequences if U.S. defaults | Reuters , October 12, 2013
O que estas afirmações económicas "de autoridades" pretendem criar é
uma aura de pânico e de incerteza económica, apontando para a
possibilidade de um colapso do dólar americano.
O que é retratado pelo painel do Instituto Internacional de Finanças
(que são os líderes dos maiores conglomerados da banca mundial) equivale
a uma análise de Economia Básica de ajustamento do mercado, que exclui
negligentemente o facto conhecido de que os mercados são manipulados
através do uso de sofisticados instrumentos de troca de derivativos.
Ironicamente, os painéis de IIF estão envolvidos em valores de mercado
rotineiramente retorcidos através do comércio de derivativos. O
capitalismo do século XXI já não está baseado nos lucros resultantes dum
processo produtivo da economia real, os ganhos financeiros inesperados
são adquiridos em grande medida através de operações especulativas, sem a
ocorrência de actividade da economia real, ao toque de um botão do
rato.
A manipulação de mercados é feita segundo as ordens de executivos dos
bancos mais importantes, incluindo os directores do JPMorgan Chase, do
Deutsche Bank e do BNP Paribas.
Os "demasiado grandes para cair" são apresentados, nas palavras do
director da JPMorgan Chase, Jamie Dimon, como as "vítimas" da crise de
incumprimento da dívida quando, na realidade, são os arquitectos do caos
económico, assim como os receptadores silenciosos de milhares de
milhões de dólares do dinheiro roubado aos contribuintes.
Estes megabancos corruptos são os responsáveis por criar a "ferida
aberta" a que se refere Anshu Jain do Deutsche Bank, em relação à crise
da dívida pública dos EU.
Colapso do Dólar?
Os movimentos de subida e descida do dólar americano nos últimos anos
pouco têm a ver com as forças normais de mercado, ao contrário do que é
afirmado pelas doutrinas da economia neoclássica.
As afirmações do director Jamie Dimon do JP Morgan Chase e do
director Anshu Jain do Deutsche Bank fornecem uma compreensão distorcida
do funcionamento do mercado do dólar americano. Os especuladores querem
convencer-nos de que o dólar vai entrar em colapso, em linha com o
mecanismo normal do mercado, sem reconhecer que os bancos "demasiado
grandes para cair" têm a capacidade de provocar um declínio do dólar
americano que, em certo sentido, impede o funcionamento normal do
mercado.
A Wall Street tem, de facto, a capacidade de "encolher" a nota verde
com vista a reduzir o seu valor. Também tem tido a capacidade, através
do comércio de derivativos, de fazer subir o dólar. Estes movimentos de
subida e descida da nota verde, por assim dizer, são o "alimento do
canhão" da guerra financeira. Fazer subir o dólar americano e especular
em alta, fazê-lo descer e especular em baixa.
É impossível prever o próximo movimento do dólar americano
concentrando-nos unicamente na interacção das forças do "mercado normal"
em resposta à crise da divida pública dos EUA.
Embora uma análise baseada nas forças do "Mercado normal" aponte
inegavelmente para fraquezas estruturais no dólar americano enquanto
divisa de reserva, isso não quer dizer que um dólar americano
enfraquecido vá cair obrigatoriamente num mercado estrangeiro que está
sujeito, rotineiramente, à manipulação especulativa.
Além disso, é de assinalar que as divisas nacionais de vários países
profundamente endividados aumentaram de valor em relação ao dólar
americano, sobretudo em consequência da manipulação dos mercados de
câmbios estrangeiros. Porque é que as divisas nacionais de países
literalmente esmagados por endividamento externo sobem em relação ao
dólar americano?
O especulador institucional
JPMorgan Chase, Goldman Sachs, Bank America, Citi-Group, Deutsche
Bank e outros: a estratégia dos especuladores institucionais é manter-se
quieto nas suas "informações privilegiadas" e criar a incerteza através
de notícias profundamente tendenciosas que, por sua vez, são usadas por
corretores individuais para aconselhar os seus clientes individuais
quanto a "investimentos seguros". E foi assim que as pessoas por toda a
América perderam as suas poupanças.
Deve sublinhar-se que estes importantes actores financeiros não só
controlam os meios de comunicação, como também controlam as agências de
avaliação da divida, como a Moody's e a Standard and Poor.
Segundo a bíblia da economia neoclássica, o comércio especulativo
reflecte o movimento "normal" dos mercados. Uma afirmação absurda.
Desde a revogação da Lei Glass-Steagall e a adopção da Lei de
Modernização dos Serviços Financeiros em1999, a manipulação do mercado
tende a relegar totalmente para segundo plano as "leis do mercado",
levando a uma dívida em derivativos altamente instável de muitos milhões
de milhões de dólares que inevitavelmente tem relevância no actual
impasse do Capitólio. Este entendimento é agora reconhecido por sectores
da análise financeira institucional.
Não há "movimentos normais de mercado". O resultado da paralisação do
governo nos mercados financeiros não pode ser previsto tacanhamente
aplicando uma análise macroeconómica convencional, que exclui totalmente
o papel da manipulação do mercado e do comércio de derivativos.
O resultado da paralisação do governo sobre os principais mercados
não depende das "forças normais do mercado" e dos seus impactos sobre os
preços, taxas de juro e câmbios de divisas. O que tem que ser analisado
é a interacção complexa das "forças normais do mercado" com um conjunto
de instrumentos sofisticados de manipulação do mercado. Estes são uma
interacção de operações especulativas em grande escala realizadas pelas
instituições financeiras mais poderosas e corruptas, com a intenção de
distorcer as forças de mercado "normais".
Vale a pena referir que imediatamente depois da aprovação da Lei da
Modernização dos Serviços Financeiros em 1999, o Congresso dos EUA
aprovou a Lei da Modernização dos Produtos Futuros de 2000 que, na sua
essência, "isentava o comércio de produtos futuros da fiscalização
reguladora".
Quatro das principais instituições financeiras da Wall Street são
responsáveis por mais de 90 por cento do chamado risco de derivativos:
J.P. Morgan Chase, Citi-Group, Bank America, e Goldman Sachs. Estes
importantes bancos exercem uma influência omnipresente no comportamento
da política monetária, incluindo o debate no seio do Congresso americano
sobre o tecto da dívida. Estão também entre os maiores especuladores
mundiais.
Qual é o jogo especulativo final por detrás da saga da paralisação e do incumprimento da dívida?
Predomina uma aura de incerteza. As pessoas por toda a América estão
empobrecidas em resultado do corte de "direitos", podem ocorrer
manifestações de protesto e conflitos civis. A Segurança Interna é o
procedimento de imposição da lei interna militarizada. Ironicamente,
cada um desses incidentes económicos e sociais, incluindo afirmações
políticas e decisões do Congresso americano relativas ao tecto da
dívida, as avaliações das agências de avaliação, etc, criam
oportunidades para o especulador.
As grandes operações especulativas – alimentando-se de informações
privilegiadas e de embustes – parecem vir a ocorrer rotineiramente nos
próximos meses enquanto se desenrola a crise fiscal e de incumprimento
da dívida.
O que é diabólico em todo este processo é que os principais
conglomerados bancários não hesitarão em desestabilizar os mercados de
acções, de produtos e de câmbios de divisas se isso for do seu
interesse, nomeadamente como meio de se apropriarem de ganhos
especulativos resultantes duma situação de perturbação e de crise
económica, sem se preocuparem com o fardo social de milhões de
americanos.
Uma solução – que pouco provavelmente será adoptada a não ser que
ocorra uma importante viragem na política americana – seria cancelar
toda a dívida de derivativos e congelar todas as transações de
derivativos nos principais mercados. Isso ajudaria certamente a deter a
carnificina especulativa.
A manipulação através do comércio de derivativos dos mercados de
produtos alimentares básicos é especialmente perniciosa porque cria
potencialmente a fome. Tem um efeito direto na vida de milhões de
pessoas.
Tanto quanto nos lembramos, "o preço dos alimentos e de outros
produtos começou a aumentar rapidamente [em 2006]… Foram lançados abaixo
da linha da pobreza milhões de pessoas e irromperam motins por
alimentos por todo o mundo em desenvolvimento, desde Haiti a
Moçambique".
Segundo o economista indiano, Dr. Jayati Ghosh:
"Reconhece-se agora amplamente que a especulação financeira foi o factor principal por detrás da forte subida de preços de muitos produtos primários, incluindo produtos agrícolas, durante o ano passado [2011]… Até uma investigação recente do Banco Mundial (Bafis and Haniotis 2010) reconhece o papel desempenhado pela "financiarização de produtos" nas subidas e descidas dos preços, e assinala que a variabilidade de preços esmagou as tendências dos preços em produtos importantes". (Citado em Speculation in Agricultural Commodities: Driving up the Price of Food Worldwide and plunging Millions into Hunger By Edward Miller, October 05, 2011)
As subidas artificiais no preço do petróleo, que também são resultado
de manipulação do mercado, têm um impacto geral sobre os custos de
produção e de transporte mundiais que, por sua vez, contribuem para
levar à falência milhares de pequenas e médias empresas.
O Big Oil, incluindo a BP e o Goldman Sachs, exerce um impacto global sobre os mercados de petróleo e de energia.
A crise económica global é cuidadosamente projectada.
O resultado final da guerra financeira é a apropriação da riqueza
através do comércio especulativo incluindo a confiscação de poupanças, a
apropriação descarada de activos da economia real assim como a desestabilização das instituições do Estado Federal através da adopção de medidas radicais de austeridade.
A carnificina especulativa liderada pela Wall Street não está apenas a
empobrecer o povo americano, mas a afectar toda a população mundial.
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... . Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
O jogo especulativo final
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Oleh
Kaizim