A definição do Brasil como alvo de espionagem dos EUA não é de hoje,
diz o historiador e cientista político Moniz Bandeira, em entrevista à
Carta Maior.
Marco Aurélio Weissheimer
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Em 2005, o cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna
Moniz Bandeira apontou em seu livro “Formação do Império Americano” as
práticas de espionagem exercidas pelas agências de inteligência dos
Estados Unidos. Uma prática que, segundo ele, já tem aproximadamente
meio século de existência. Desde os fins dos anos 60, diz Moniz
Bandeira, a coleta de inteligência econômica e informações sobre o
desenvolvimento científico e tecnológico de outros países, adversos e
aliados, tornou-se uma prioridade do trabalho dessas agências.
Em seu novo livro, “A Segunda Guerra Fria - Geopolítica e dimensão
estratégica dos Estados Unidos – Das rebeliões na Eurásia à África do
Norte e Oriente Médio”(Civilização Brasileira), Moniz Bandeira defende a
tese de que os Estados Unidos continuam a implementar a estratégia da
full spectrum dominance (dominação de espectro total) contra a presença
da Rússia e da China naquelas regiões. “As revoltas da Primavera Árabe”,
afirma o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que assina o prefácio do
livro, “não foram nem espontâneas e ainda muito menos democráticas, mas
que nelas tiveram papel fundamental os Estados Unidos, na promoção da
agitação e da subversão, por meio do envio de armas e de pessoal, direta
ou indiretamente, através do Qatar e da Arábia Saudita”,
Nesta nova obra, Moniz Bandeira aprofunda e atualiza as questões
apresentadas em “Formação do Império Americano”. “Em face das revoltas
ocorridas na África do Norte e no Oriente Médio a partir de 2010,
julguei necessário expandir e atualizar o estudo. Tratei de fazê-lo,
entre e março e novembro de 2012”, afirma o autor. É neste contexto que o
cientista político analisa as recentes denúncias de espionagem
praticadas pelos EUA em vários países, inclusive o Brasil.
A definição do Brasil como alvo de espionagem também não é de hoje.
Em entrevista à Carta Maior, Moniz Bandeira assinala que a Agência
Nacional de Segurança (NSA) interveio na concorrência para a montagem do
Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), pelo Brasil, e assegurou a
vitória da Raytheon, a companhia encarregada da manutenção e serviços de
engenharia da estação de interceptação de satélites do sistema Echelon.
Na entrevista, o cientista político conta um pouco da história desse
esquema de espionagem que, para ele, está a serviço de um projeto de
poder imperial de proporções planetárias.
Moniz Bandeira defende que o Brasil, especialmente a partir da
descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, deve se preparar para
defender seus interesses contra esse projeto imperial. “As ameaças
existem, conquanto possam parecer remotas. Mas o Direito Internacional
só é respeitado quando uma nação tem capacidade de retaliar”, afirma.
Carta Maior: O seu livro "Formação do Império Americano" já tratava,
em 2005, do tema da espionagem praticada por agências de inteligência
dos Estados Unidos. Qual o paralelo que pode ser traçado entre a
situação daquele período e as revelações que vêm sendo feitas hoje?
Moniz Bandeira: Sim, em “Formação do Império Americano”, cuja
primeira edição foi lançada em 2995, mostrei, com fundamento em diversas
fontes e nas revelações pelo professor visitante da Universidade de
Berkeley (Califórnia), James Bamford, que o sistema de espionagem,
estabelecido pela National Security Agency (NSA), começou a funcionar há
mais de meio século. O objetivo inicial era captar mensagens e
comunicações diplomáticas entre os governos estrangeiros, informações,
que pudessem afetar a segurança nacional dos Estados Unidos, e dar
assistência às atividades da CIA.
Com o desenvolvimento da tecnologia eletrônica, passou a ser usado
para interceptar comunicações internacionais via satélite, tais como
telefonemas, faxes, mensagens através da Internet. Os equipamentos estão
instalados em Elmendorf (Alaska), Yakima (Estado de Washington), Sugar
Grove (Virginia ocidental), Porto Rico e Guam (Oceano Pacífico), bem
como nas embaixadas, bases aéreas militares e navios dos Estados Unidos.
A diferença com a situação atual consiste na sua comprovação, com os
documentos revelados por Edward Snowden, através do notável jornalista
Gleen Greenwald, que a espionagem é feita em larga escala, com a maior
amplitude.
Desde os fins dos anos 60, porém, a coleta de inteligência econômica e
informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico de outros
países, adversos e aliados, tornou-se mais e mais um dos principais
objetivos da COMINT (communications inteligence), operado pela NSA), dos
Estados Unidos, e pelo Government Communications Headquarters (GCHQ),
da Grã-Bretanha, que em 1948 haviam firmado um pacto secreto, conhecido
como UKUSA (UK-USA) - Signals Intelligence (SIGINT). Esses dois países
formaram um pool - conhecido como UKUSA - para interceptação de
mensagens da União Soviética e demais países do Bloco Socialista, a
primeira grande aliança de serviços de inteligência e à qual aderiram,
posteriormente, agências de outros países, tais como Communications
Security Establishment (CSE), do Canadá, Defense Security Directorate
(DSD), da Austrália e do General Communications Security Bureau (GCSB),
da Nova Zelândia. Essa rede de espionagem, de Five Eyes e conhecida
também como ECHELON - só se tornou publicamente conhecida, em março de
1999, quando o governo da Austrália nela integrou o Defence Signals
Directorate (DSD), sua organização de SIGINT.
Carta Maior: Qual sua avaliação a respeito da reação (ou da falta de) da União Europeia diante das denúncias de espionagem?
Moniz Bandeira: Os serviços de inteligência da União Europeia sempre
colaboraram, intimamente, com a CIA e demais órgãos dos Estados Unidos.
Os governos da Alemanha, França, Espanha, Itália e outros evidentemente
sabiam da existência do ECHELON e deviam intuir que o ECHELON - os Five
Eyes - trabalhasse também para as corporações industriais. As
informações do ECHELON, sobretudo a partir do governo do presidente Bill
Clinton, eram canalizadas para o Trade Promotion Co-ordinating
Committee (TPCC), uma agência inter-governamental criada em 1992 pelo
Export Enhancement Act e dirigida pelo Departamento de Comércio, com o
objetivo de unificar e coordenar as atividades de exportação e
financiamento do dos Estados Unidos. Corporações, como Lockheed, Boeing,
Loral, TRW, e Raytheon, empenhadas no desenvolvimento de tecnologia,
receberam comumente importantes informações comerciais, obtidas da
Alemanha, França e outros países através do ECHELON.
O presidente Clinton recorreu amplamente aos serviços da NSA para
espionar os concorrentes e promover os interesses das corporações
americanas. Em 1993, pediu à CIA que espionasse os fabricantes
japoneses, que projetavam a fabricação de automóveis com zero-emissão de
gás, e transmitiu a informação para a Ford, General Motors e Chrysler.
Também ordenou que a NSA e o FBI, em 1993, espionassem a conferência
da Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), Seattle, onde aparelhos
foram instalados secretamente em todos os quartos do hotel, visando a
obter informação relacionada com negócios para a construção no Vietnã,
da hidroelétrica Yaly. As informações foram passadas para os
contribuintes de alto nível do Partido Democrata. E, em 1994, a NSA não
só interceptou faxes e chamadas telefônicas entre o consórcio europeus
Airbus e o governo da Arábia Saudita, permitindo ao governo americano
intervir em favor da Boeing Co, como interveio na concorrência para a
montagem do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), pelo Brasil, e
assegurou a vitória da Raytheon, a companhia encarregada da manutenção e
serviços de engenharia da estação de interceptação de satélites do
sistema ECHELON, em Sugar Grove.
Carta Maior: Um dos temas centrais de seus últimos trabalhos é a
configuração do Império Americano. Qual é a particularidade desse
Império Americano hoje? Trata-se de um Império no sentido tradicional do
termo ou de um novo tipo?
Moniz Bandeira: Todos os impérios têm particularidades, que são
determinadas pelo desenvolvimento das forças produtivas. Assim, não
obstante a estabilidade das palavras, o conceito deve evoluir conforme a
realidade que ele trata de representar. O império, na atualidade, tem
outras características, as características do ultra-imperialismo, o
cartel das potências industriais, sob a hegemonia dos Estados Unidos,
que configuram a única potência capaz de executar uma política de poder,
com o objetivo estratégico de assegurar fontes de energia e de matérias
primas, bem como os investimentos e mercados de suas grandes
corporações, mediante a manutenção de bases militares, nas mais diversas
regiões do mundo, nas quais avança seus interesses, através da mídia,
ações encobertas dos serviços de inteligência, lobbies, corrupção,
pressões econômicas diretas ou indiretas, por meio de organizações
internacionais, como Banco Mundial, FMI, onde detém posição majoritária.
As guerras, para o consumo dos armamentos e aquecimento da economia,
foram transferidas para a periferia do sistema capitalista.
É óbvio, portanto, que o Império Americano é diferente do Império
Romano e do Império Britânico. Ainda que informal, isto é, não
declarado, os Estados Unidos constituem um império. São a única
potência, com bases militares em todas as regiões do mundo e cujas
Forças Armadas não têm como finalidade a defesa das fronteiras
nacionais, mas a intervenção em outros países. Desde sua fundação, em
1776, os Estados Unidos estiveram at war 214 em seus 236 anos do
calendário de sua existência, até dezembro de 2012. Somente 21 anos não
promoveram qualquer guerra. E, atualmente, o governo do presidente
Barack Obama promove guerras secretas em mais de 129 países. O Império
Americano (e, em larga medida, as potências industriais da Europa)
necessita de guerras para manter sua economia em funcionamento, evitar o
colapso da indústria bélica e de sua cadeia produtiva, bem como evitar o
aumento do número de desempregados e a bancarrota de muitos Estados
americanos, como a Califórnia, cuja receita depende da produção de
armamentos.
Ademais do incomparável poderio militar, os Estados Unidos também
detém o monopólio da moeda de reserva internacional, o dólar, que
somente Washington pode determinar a emissão e com a emissão de papéis
podres e postos em circulação, sem lastro, financiar seus déficits
orçámentários e a dívida pública. Trata-se de um "previligégio
exorbitante", conforme o general Charles de Gaulle definiu esse unipolar
global currency system, que permite aos Estados Unidos a supremacia
sobre o sistema financeiro internacional.
Carta Maior: Qual a perspectiva de longo prazo desse império?
Moniz Bandeira: Os Estados Unidos, como demonstrei nesse meu novo
livro “A Segunda Guerra Fria”, lançado pela editora Civilização
Brasileira, estão empenhados em consolidar uma ordem global, um império
planetário, sob sua hegemonia e da Grã-Bretanha, conforme preconizara o
geopolítico Nicholas J. Spykman, tendo os países da União Européia e
outros como vassalos. O próprio presidente Obama reafirmou, perante o
Parlamento britânico, em Westminster (maio de 2011) que a “special
relationship” dos dois países (Estados Unidos e Grã-Bretanha), sua ação e
liderança eram indispensáveis à causa da dignidade humana, e os ideais e
o caráter de seus povos tornavam “the United States and the United
Kingdom indispensable to this moment in history”. Entrementes, o
processo de globalização econômica e política, fomentado pelo sistema
financeiro internacional e pelas grandes corporações multinacionais,
estava a debilitar cada vez mais o poder dos Estados nacionais,
levando-os a perder a soberania sobre suas próprias questões econômicas e
sociais, bem como de ordem jurídica.
O Project for the New American Century , dos neo-conservadores e
executado pelo ex-presidente George W. Bush inseriu os Estados Unidos em
um estado de guerra permanente, uma guerra infinita e indefinida,
contra um inimigo assimétrico, sem esquadras e sem força aérea, com o
objetivo de implantar a full spectrum dominance, isto é, o domínio
completo da terra, mar, ar e ciberespaço pelos Estados Unidos, que se
arrogaram à condição de única potência verdadeiramente soberana sobre a
Terra, de "indispensable nation" e “exceptional”.
O presidente Barack Obama endossou-o, tal como explicitado na Joint
Vision 2010 e ratificado pela Joint Vision 2020, do Estado
Maior-Conjunto, sob a chefia do general de exército Henry Shelton. E o
NSA é um dos intrumentos para implantar a full spectrum dominance, uma
vez que possibilitar monitorar as comunicações de todos os governantes
tanto aliados quanto rivis. Informação é poder
Carta Maior: Qual o contraponto possível a esse império no ambiente geopolítico atual?
Moniz Bandeira: Quando em 2006 recebi o Troféu Juca Pato, eleito pela
União Brasileira de Escritores "Intelectual do ano 2005", por causa do
meu livro “Formação do Império Americano”, pronunciei um discurso, no
qual previ que, se o declínio do Império Romano durou muitos séculos,
mas o declínio do Império Americano provavelmente levará provavelmente
algumas décadas. O desenvolvimento das ferramentas eletrônicas, da
tecnologia digital, imprimiu velocidade ao tempo, e a sua queda será tão
vertiginosa, dramática e violenta quanto sua ascensão. Contudo, não
será destruído militarmente por nenhuma outra potência. Essa perspectiva
não há. O Império Americano esbarrondará sob o peso de suas próprias
contradições econômicas, de suas dívidas, pois não poderá
indefinidamente emitir dólares sem lastros para comprar petróleo e todas
as mercadorias das quais depende, e depender do financiamento de outros
países, que compram os bonus do Tesouro americano, para financiar seu
consumo, que execede a produção, financiar suas guerras.
É com isto que a China conta. Ela é o maior credor dos Estados
Unidos, com reservas de cerca US$ 3,5 trilhões, das quais apenas US$
1,145 trilhão estavam investidos em U.S. Treasuries. E o
ex-primeiro-ministro Wen Jiabao previu o “primeiro estágio do
socialismo para dentro de 100 anos”, ao afirmar que o Partido Comunista
persistiria executando as reformas e inovação a fim de assegurar o vigor
e vitalidade e assegurar o socialismo com as características chinesas,
pois “sem a sustentação e pleno desemvolvimento das forças produtivas,
seria impossível alcançar a equidade e justiça social, requesitos
essenciais do socialismo.”
Carta Maior: Na sua opinião, o que um país como o Brasil pode fazer para enfrentar esse cenário?
Moniz Bandeira: O ministro-plenipotenciário do Brasil em Washington,
Sérgio Teixeira de Macedo, escreveu, em 1849, que não acreditava que
houvesse “um só país civilizado onde a idéia de provocações e de guerras
seja tão popular como nos Estados Unidos”. Conforme percebeu, a
“democracia”, orgulhosa do seu desenvolvimento, só pensava em conquista,
intervenção e guerra estrangeira, e preparava, de um lado, a anexação
de toda a América do Norte e, do outro, uma política de influência sobre
a América do Sul, que se confundia com suserania.
O embaixador do Brasil em Washington, Domício da Gama, comentou, em
1912, que o povo americano, formado com o concurso de tantos povos, se
julgava diferente de todos eles e superior a eles. E acrescentou que “o
duro egoísmo individual ampliou-se às proporções do que se poderia
chamar de egoísmo nacional”. Assim os Estados Unidos sempre tenderam e
tendem a não aceitar normas ou limitações jurídicas internacionais, o
Direito Internacional, não obstante o trabalho de Woodrow Wilson para
formar a Liga das Nações e de Franklin D. Roosevelt para constituir a
ONU. E o Brasil, desde 1849, esteve a enfrentar a ameaça dos Estados
Unidos que pretendiam assenhorear-se da Amazônia.
Agora, a situação é diferente, mas, como adverti diversas vezes, uma
potência, tecnologicamente superior, é muito mais perigosa quando está
em declínio, a perder sua hegemonia e quer conservá-la, do que quando
expandia seu império. Com as descobertas das jazidas pré-sal, o Brasil
entrou no mapa geopolítico do petróleo. As ameaças existem, conquanto
possam parecer remotas. Mas o Direito Internacional só é respeitado
quando uma nação tem capacidade de retaliar. O Brasil, portanto, deve
estar preparado para enfrentar, no mar e em terra, e no ciberespaço, os
desafios que se configuram, lembrando a máxima “se queres a paz
prepara-te para a guerra” (Si vis pacem,para bellum).
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Moniz Bandeira: O Brasil e as ameaças de projeto imperial dos EUA
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5
Oleh
Kaizim