16 de janeiro de 2014

As Guerrilheiras das FARC-EP: Parteiras da história

As Guerrilheiras das FARC-EP: Parteiras da história

Chris Gilbert e Vilma Kahlo
Se os exércitos regulares são um mundo de homens, a guerrilha e as forças insurgentes são o oposto: um mundo onde a mulher sempre teve um papel central. Pensemos em Agustina de Aragón, Olga Benário, Tania Bunke, María Grajales e Celia Sánchez ou, inclusive, as amazonas lendárias. Tampouco é uma coincidência que Liberté – a figura representada por Delacroix nas barricadas da revolução de 1830 – seja uma mulher.
A Colômbia não é uma exceção a esta regra. Inclusive antes da independência, mulheres como Cacica Gaitana e Policarpa Salavarrieta tiveram um papel fundamental na luta insurrecional. Hoje em dia este legado de mulheres na resistência continua nas FARC-EP, a guerrilha de mais longa duração em nosso continente. Esta organização política e militar participa agora dos diálogos de paz em Havana, onde um em cada três membros da Delegação de Paz é mulher.
Quem são estas mulheres? O que as fizeram arriscar suas vidas pelos ideais do socialismo e da libertação nacional num país sob o tacão dos Estados Unidos? Qual é seu papel no atual processo de paz, que aponta a uma solução negociada nos 50 anos de conflito interno na Colômbia? De nossas visitas à Delegação em Havana regressamos com respostas interessantes a estas e outras perguntas acerca das mulheres da insurgência colombiana.
A pobreza e a injustiça
É um fato bem conhecido que a sociedade colombiana se caracteriza por uma desigualdade extrema (com um índice de Gini de até 0,89 em áreas rurais). No entanto, igualmente à pobreza em todo o mundo, o peso recai especialmente sobre os ombros das mulheres. Uma combatente chamada Marcela González se referiu à relação entre gênero, pobreza e opressão: “A mulher é quem leva a pior neste conflito... A maioria dos removidos são mulheres. A isto também se soma a violência sexual, a violência doméstica… A maioria dessas mulheres são chefes de família que perambulam com seus filhos pelo território nacional. Então, esta é a tragédia humana vivida pela mulher colombiana”.
Ainda que as mulheres levem a pior e representem uma grande porcentagem dos quase cinco milhões de removidos na Colômbia, as razões fundamentais que levam homens e mulheres a incorporarem-se à guerrilha são exatamente as mesmas: a pobreza, a injustiça e a repressão à oposição política da esquerda. “As mesmas necessidades, a mesma miséria”, Marcela continuou, “obrigam que a gente opte por buscar saídas para esta realidade”.
A falta de opções políticas é realmente a chave para determinar a forma que toma a luta. O último convite para constituir uma alternativa legal foi a União Patriótica, partido formado em 1985. A iniciativa gerou grande entusiasmo, porém os agentes da oligarquia massacraram sistematicamente os militantes da UP: em torno de 5.000 mortos em menos de uma década. A lição histórica, escrita nos muros com o sangue da oposição, é que onde não existe democracia é preciso lutar por ela. Por agora, só é possível opor-se ao regime oligárquico da Colômbia – armado até os dentes pelos EUA e seus aliados – portando armas.
Uma vez na guerrilha, os homens e as mulheres têm papéis idênticos. “Homens e mulheres têm os mesmos direitos, as mesmas tarefas”, explicou Bibiana Hernández, que se incorporou às FARC há trinta anos. “Assim como vamos transportar, vamos tirar a lenha, vamos dirigir as massas... também vamos ao combate, também vamos enfrentar o inimigo. Estamos nas mesmas condições [que os homens]”. Da mesma forma, as mulheres assumem funções de direção e liderança nas FARC-EP e sua igualdade é parte dos estatutos da organização.
As mulheres participantes da Delegação de Paz são de origens diversas. Camila Cienfuegos nasceu numa família campesina e muito jovem viu a pobreza extrema com seus próprios olhos. Laura Villa estudou medicina em Bogotá. Ela mencionou a privatização da educação e da saúde como os fatores que pesaram em sua decisão de unir-se à luta revolucionária das FARC, onde agora contribui com sua experiência médica. Alexandra Nariño, nascida Tanja Nijmeijer na Holanda, conseguiu um trabalho como professora de inglês na Colômbia em 1998 e, num processo gradual de aprendizagem sobre a opressão e a injustiça política, acabou por ingressar à guerrilha.
Estas mulheres continuam uma longa tradição nas FARC: a organização foi fundada em 1964, quando 48 camponeses em Marquetalia enfrentaram e superaram o ataque de mais de 10 mil efetivos governamentais. Entre os “Marquetalianos” havia duas jovens mulheres heroicas: Judith Grisales e Miriam Narváez.
No território livre da América
As doze mulheres da Delegação de Paz das FARC são sobreviventes de um conflito brutal, porém ante seu falar suave e suas roupas de civil é possível esquecer as duras realidades da guerra. Pode-se sentar e tomar um sorvete com elas na Coppelia (¹) ou juntar-se na busca de livros usados nas inúmeras livrarias de Havana. É que, apesar de suas tarefas políticas, estas mulheres buscam tempo para a leitura. Diana Grajales, uma guerrilheira do sudoeste da Colômbia, nos disse que está imersa nos livros de Che Guevara.
Um dos projetos destas mulheres – além de “rearmar-se” com livros e participar das conversações de paz com os delegados do governo – é fazer contato com organizações de mulheres: “Estamos escutando as propostas que nos chegam das organizações de mulheres na Colômbia”, explicou Alexandra, acrescentando que também objetivam estabelecer relações com grupos internacionais de mulheres. A comandante Yira Castro observou que os movimentos de mulheres são praticamente invisíveis, porém o processo de paz permitiu que as guerrilheiras participantes da delegação conhecessem mais de perto as lutas outras mulheres, compartilhando experiências com elas. As mulheres da Delegação também mantêm uma página na Internet (www.mujerfariana.co) e uma conta no Facebook.
Apesar da tranquilidade de Havana, a realidade da guerra irrompe quando se está em companhia da Delegação. A cicatriz no braço de uma companheira ou a lesão de outra nos recorda que o governo colombiano viola sistematicamente os direitos humanos em sua condução da guerra. O da Colômbia é um conflito desigual e imperialista no qual – assim como no Vietnã ou na Argélia – tudo cabe para manter a ordem neocolonial.
Muitas destas mulheres sobreviveram a bombardeios com tecnologia de ponta que tanto se parecem às tentativas ianques e israelenses de assassinatos “cirúrgicos”. Algumas perderam amigos próximos e familiares – assassinados a sangue frio ou desaparecidos em valas comuns como a da Macarena (a maior vala comum da América Latina, onde as forças especiais da Colômbia depositaram aproximadamente 2.000 cadáveres) – e pelo menos uma companheira da delegação foi vítima de torturas e violação por parte dos soldados do exército.
Laura Villa fala das duras realidades da guerra: “Uma guerra é uma guerra... É uma guerra para conquistar a liberdade dos povos e, nessa guerra, se dão mortos e se dão feridos. Existem mortos que nos sensibilizam demais”. Entre as perdas mais sentidas se encontra a do comandante Alfonso Cano, que iniciou o atual processo de paz e foi assassinado pelo exército há dois anos. Camila Cienfuegos denunciou os abusos sexuais e os desaparecimentos forçados por parte dos militares: “Lembre que temos um episódio bastante palpável que são as madres de Soacha, cujos filhos foram apresentados como falsos positivos (²). Isso também é terrorismo de Estado”. Camila fala do terror do Estado a partir de sua experiência: tem queimaduras de cigarros nas mãos e nos braços ao ter sido torturada durante um interrogatório empreendido pelo exército colombiano.
Além das violações aos direitos humanos, existe a constante difamação midiática sobre as combatentes das FARC. Inventam histórias sobre guerrilheiras, histórias que são um simples reflexo da sociedade exterior: uma sociedade que pressiona a mulher a entrar em todo tipo de relações de exploração no trabalho e na vida privada e, às vezes, aceita a ideia equivocada de que as mulheres se veem forçadas a ingressar às FARC. Ainda assim as mídias colombianas dizem falsamente que as guerrilheiras, que desfrutam de condições de igualdade de gênero muito superiores às da sociedade exterior, são meras cozinheiras e acompanhantes sexuais dos comandantes.
Olhando para a paz
Uma das razões de fundo deste tipo de difamação é tentar dividir e cooptar membros das FARC-EP, separando as mulheres dos homens. Essa, dizem as mulheres da Delegação, é uma tentativa fútil, que não impede o número cada vez mais crescente de mulheres que tomam a decisão de mudar o mundo, em lugar de apenas contemplá-lo. Estas manobras midiáticas tampouco fazem com que as mulheres que já estão nas FARC alterem sua visão dos problemas sociais ou abandonem um projeto que reconhecem essencialmente como luta de classes pela justiça social.
Este último ponto é importante. As mulheres nas FARC veem a dominação patriarcal como parte da luta de classes e não estão dispostas a separar as causas, erro em que caem algumas feministas. As farianas lutam não apenas pelas mulheres colombianas, mas pela Colômbia em seu conjunto. Assim, a paz que tratam de construir – uma paz com justiça social, uma paz que erradicará as raízes da desigualdade social – será uma paz para toda a sociedade.
Como entender, então, a importância das mulheres na luta das FARC-EP? Por que é que, para citar Victoria Sandino, “sem a participação da mulher no processo revolucionário não existe revolução”? Talvez a chave esteja na velha ideia de que esses grupos, os que a estrutura da sociedade coloca entre a espada e a parede, são precisamente os convocados pela história para mudar a sociedade em sua totalidade. Isto é o que se chama uma missão histórica e é uma descrição perfeita da posição da mulher colombiana, cuja situação não se pode melhorar sem mudanças fundamentais em toda a sociedade. Por isso o setor mais consciente das colombianas muitas vezes tomou as armas para mudar as condições que operam em seu país.
Hoje esta mesma missão histórica pode conduzir a novas táticas. Com as mudanças profundas que estão sendo vividas em muitos países da América Latina e o ressurgimento do movimento popular colombiano, se abre a possibilidade de que os homens e as mulheres da insurgência pensem numa paz dialogada para conquistar os mesmos objetivos pelos quais sempre lutaram. Porém, isto apenas ocorrerá se o Estado colombiano mudar radicalmente sua atitude e permitir que as forças da mudança participem no âmbito da política legal. A partir deste ponto de partida – uma “janela democrática” obtida com as vidas de muitos guerrilheiros e guerrilheiras –, a força política mais abnegada e comprometida poderia iniciar o processo de desmantelamento das injustiças estruturais do país e a construção de uma paz duradoura.
Chris Gilbert é professor de Estudos Políticos na Universidade Bolivariana de Venezuela. Vilma Kahlo está trabalhando em Rosas y Fusiles, un documentário sobre as mulheres das FARC-EP.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Notas da tradução:
(2) – Coppelia é uma popular sorveteria estatal numa das principais praças do centro de Havana;
(2) – Falso positivo é uma prática comum das forças de repressão colombianas, que consiste em assassinar jovens, principalmente na periferia, e vesti-los como guerrilheiros, para aumentar a estatística e os assassinos receberem prêmios em dinheiro, por “produtividade”.
Nova Palestina: quem são os sem-teto que protestam em São Paulo

Nova Palestina: quem são os sem-teto que protestam em São Paulo

Outras Palavras - 10/01/2014

Acampamento de 8 mil famílias na Zona Sul revela que programas oficiais não resolveram déficit habitacional. Assembleias diárias reúnem 4 mil pessoas

Camila Maciel, na Agência Brasil
Programas como o “Minha Casa Minha Vida” são suficientes para assegurar o Direito à Habitação no Brasil? Ao interromperem o tráfego da Marginal Pinheiros — uma das principais vias rápidas de São Paulo — milhares de pessoas ofereceram, esta madrugada, uma resposta sonora à pergunta. Elas são parte de um elemento novo na paisagem da metrópole. Na região do Jardim Ângela, a 25 quilômetros do Centro, uma área urbana imensa (um quilômetro quadrado, ou cem campos de futebol) foi ocupada em outubro, por famílias participantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto — MTST. A novidade alastrou-se rapidamente. Hoje, 8 mil famílias já habitam o que chamam de “latifúndio urbano” e há mais 2,5 mil inscritas. Formam uma comunidade mais populosa que milhares de municípios brasileiros. Deram, ao lugar em que agora moram, o nome significativo de Nova Palestina.
Estão em área de proteção ambiental, próxima à represa de Guarapiranga. O prefeito Fernando Haddad, acossado pela mídia e atingido por decisões judiciais que reduziram o orçamento do município, afirma que não tem recursos para desapropriar a área — mas não oferece alternativas. Por isso, o protesto de hoje. Na reportagem abaixo, a jornalista Camila Maciel descreve a área e a notável mobilização de seus ocupantes, que realizam assembleias diárias com 4 mil pessoas. Organizam-se em 21 grupos de trabalho e cuidam, por si mesmas, de tarefas como alimentação coletiva, limpeza e segurança. (A.M.)
Em um terreno de aproximadamente 1 milhão de metros quadrados, na zona sul da capital paulista, quase 8 mil famílias acampam em barracas de lona, desde o dia 29 de novembro, para reivindicar o direito à moradia digna. A ocupação, que começou há pouco mais de um mês, com cerca de 2 mil famílias, já quadruplicou. Além disso, cerca de 2,5 mil famílias aguardam vaga em uma lista de espera, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Para os coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o rápido crescimento da comunidade, batizada de Nova Palestina, mostra como é grande o déficit habitacional da região. “As pessoas que estão aqui não têm condições de pagar aluguel, algumas moravam na rua, outras na casa de parentes. Aqui, eles têm a esperança de conseguir um teto. É uma região muito carente”, explicou Helena Santos, coordenadora estadual do MTST. Ela, que é militante há cinco anos, conta que nunca viu uma procura tão grande por vaga em uma ocupação. “Já participei de outras e essa é a maior”, disse. A ocupação é dividida em 21 grupos, cada um com coordenação própria. Cada área possui uma cozinha comunitária e dois banheiros, sendo um masculino e um feminino.
Diariamente, cerca de 4 mil pessoas participam de uma assembleia no acampamento, na qual são repassadas informações sobre as negociações por moradias definitivas, dentre outras decisões. O estatuto da ocupação, por exemplo, foi aprovado em assembleia. Entre os pontos acordados, está a proibição do consumo de bebida alcoólica, de drogas e também agressões. “Caso ocorra algum problema, nós conversamos e, caso continue, a pessoa pode ser convidada a se retirar”,  destacou.
Tauana Oliveira da Silva, de 18 anos, vive em um barraco com o marido e os três filhos – o mais novo de apenas 3 meses. “É a primeira vez que participo de uma coisa assim. Foi meu marido que trouxe a gente. Foi a única forma que a gente viu de ter uma casa”, relatou. Marx William, 24 anos, também trouxe os poucos pertences que tem para viver com a mãe e os filhos na ocupação. “A gente pagava R$ 450 de aluguel, sendo que nossa renda é R$ 800. Ficava faltando [dinheiro] para as outras coisas”, destacou.
Helena explica que estruturas de alvenaria não são permitidas e que o objetivo é conseguir moradias dignas para os que participam da mobilização. “Nossa primeira ideia é construir as casas aqui. Se a prefeitura disser que vai fazer, saímos. Também pedimos auxílio-aluguel, mas já disseram que não tem verba”, disse.
A destinação do terreno é objeto de conflito com a prefeitura, pois um decreto municipal estabelece que a área deve ser transformada em um parque público. “A maior parte não pode ser usada para edificar moradias, porque é uma área de preservação ambiental e o proprietário tinha, sob pena inclusive de responder por crime ambiental, que cuidar para que não fosse invadido”, declarou o prefeito Fernando Haddad. Ele destacou que, neste momento, não há ação cabível ao governo municipal, por se tratar de área privada. Além disso, não há recursos para o processo de desapropriação.
O movimento, por sua vez, questiona a posição da prefeitura, pois a classificação da área como Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS) permite edificações em 10% do total, o que corresponderia a mil moradias. “Agora, inclusive, nós estamos ocupando somente a área permitida. Não houve nenhum desmatamento para colocar as barracas”, disse Helena. O MTST propõe, ainda, que o terreno seja transformado em Zona Especial de Interesse Social 4, o que permitiria a construção de edificações em 30% da área. Diante do impasse, o movimento planeja um protesto para esta sexta-feira (10), ainda sem horário e local divulgados.

15 de janeiro de 2014

14 de janeiro de 2014

Dossiê de J.F.Neres - Cassado em Sabará por ser um vereador comunista

José Francisco Neres, conhecido durante a clandestinidade na ditadura de 64/85 como Pinheiro, ou, para todos nós, simplesmente o camarada Neres, foi o último preso político a ser posto em liberdade em Minas Gerais.
Neres foi vereador em Sabará, e foi cassado não pelo governo federal ditatorial, mas pela própria câmara municipal de Sabará, que se aproveitou do golpe para tirar o mandato conseguido nas urnas.
Em 2012, décadas depois da covardia legislativa, a câmara em sessão solene devolveu simbolicamente o seu mandato.
Neres está produzindo um documento sobre suas vida e sua luta. Abaixo, reproduzimos trecho dessa obra. Sabará também tem seus heróis, abnegados na resistência à ditadura empresarial/militar. Boa leitura!
Interrompe-se bruscamente o sol; das flores só o cheiro cada vez mais distante. Da música os acordes mais dissonantes, depois estridentes até desaparecerem os acordes; a melhodia foi vencida.
Resta o barulho ensurdecedor tentando ofuscar a lembrança, as vozes de crianças, as vozes do povo, as vozes do novo, o barulho contra o grito.
Gritos, urros, homem contra maquina de dor, a maquina contendo refinada tecnologia, manejada com arte sinistra.
Homem no escuro, o ar cada vez mais fragmentado. Sombra da noite, enfim a noite. As asas do pássaro o carregam para a noite.
Mas não... é proibido anoitecer. Aqui também a medicina tem seu lugar, encobre a noite mas reforça a escuridão.
Nos raros intervalos em que se pode lembrar, explode o canto novo. É preciso ocupar todas as horas do dia, todos os dias da noite. Som, barulho, dança macabra, onde o velho e o filho bastardo descarregam sua ira como que vingano sua decadência.
Como pode o passado se atirar com tanta força contra o presente e o futuro? O velho foi ferido de morte em 1917. De lá para cá sobrevive sugando força de sua filha bastarda – a classe média, e se alimentando da bestialidade, do obscurantismo que tembém são sub produto do velho.
Agora a dança é mais feroz; não conta horas. O dia se perdeu, o ar ficou mais escasso, os combústiveis para vida foram cortados. Em lugar o seu terror, o delírio, as alucinações; o encontro com a noite se faz urgente antes que se apague da mente as cores, as lembranças e a força do novo.
Até a noite foi acorrentada, passou a ser jogada contra a escuridão. A força nova se mantém por um fio, comprida, reprimida. Momentos de refluxo: momentos em que o velho se impõe e festeja a vitória que antevê.
Mas, um rasgo de sopro passa pelo fio e arromba a janela. Impõe de novo o novo, de a lembrança, de novo a herança, e lá fora se distingue a cor vermelha, a tocha de luz que avança nas mãos da classe operária.
“Pensamento passado para fora da prisão por Neres clandestinamente, no mês de Junho de 1976.”
VEJA O VÍDEO DA SESSÃO DE RESTITUIÇÃO SIMBÓLICA DO MANDATO DE JF NERES
LIBERDADE PARA FRANCISCO JAVIER TOLOSA!

LIBERDADE PARA FRANCISCO JAVIER TOLOSA!

Movimento Continental Bolivariano  (MCB) soma-se  a todas as vozes do mundo que repudiam a prisão do professor e responsável internacional da Marcha Patriótica, FRANCISCO JAVIER TOLOSA, e que reivindicam sua imediata liberdade.
Exigimos que o governo colombiano cesse os ataques e perseguições ao movimento político e social Marcha Patriótica-MP, que liberte seus 3 dirigentes nacionais encarcerados e que investigue e castigue exemplarmente os responsáveis por, ao menos, 25 assassinatos cometidos contra membros da MP durante o ano de 2013.
Convocamos as organizações políticas e sociais do continente e do mundo a solidarizarem-se com os dirigentes da MP e com os (as) presos (as) políticos (as) colombianos (as), que já contam mais de 9.500.
Acompanhamos os transcendentes esforços pela paz com justiça social empreedidos na Colômbia e na Mesa de Diálogo de Havana entre a insurgência armada e o governo. Nessa direção, acreditamos que as prisões sistemáticas, os assassinatos e a criminalização dos movimentos políticos de esquerda afetam gravemente o louvável propósito de criar um clima político favorável ao proceso de paz, sendo necessário impedir esse rumo.
Pela liberdade imediata de FRANCISCO JAVIER TOLOSA.
Pela LIBERDADE DE TODOS OS PRESOS POLÍTICOS DA COLÔMBIA.
PELA PAZ COM JUSTIÇA SOCIAL E SOBERANIA NACIONAL NA COLÔMBIA.
Sonhar não é um crime!
Narciso Isa Conde. Presidência do MCB.
Carlos Casanueva Troncoso.- Secretaria Executiva do MCB
Caracas, 10 de janeiro de 2014
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

A QUESTÃO INDÍGENA: ABORDAGEM PARA UMA AÇÃO SOLIDÁRIA


Yuri Vasconcelos*
Miguel Anacleto**
INTRODUÇÃO
A denominação “índio” imposta pelo colonizador europeu aos povos do continente americano, além de genérica, denota um componente depreciativo. Desconsidera, por exemplo, a imensa diversidade ancestral, cultural e linguística dos povos indígenas reduzindo-os a um artificial denominador comum. Seria o equivalente a
chamar todos os povos europeus de “brancos” ou todos os povos da África subsaariana de “negros”. Os povos indígenas constituem um grande número de nações, que embora compartilhem alguns valores comuns, se diferenciam pelos seus hábitos, costumes, ritos, crenças, línguas e formas de organização social.
Tão pernicioso quanto às manifestações preconceituosas contra os povos indígenas, são as formas idílicas e romanceadas, presentes, sobretudo nas camadas médias, que sugerem que todo “índio” é “puro e bom”, e que é preciso defendê-los dos vícios da sociedade moderna. Também não é rara a adoção de estereótipos tal como o de exigir trajes tradicionais e adornos para serem considerados “índios de verdade”. Essa visão paternalista coincide, embora de forma diferente, com a tutela disfarçada ainda presente na política de estado e em muitas práticas exercidas por várias entidades religiosas e organizações não governamentais.
Como qualquer comunidade humana, os povos indígenas estão sujeitos a mudanças culturais e a interação com os valores das comunidades não índias circundantes, absorvendo, inclusive, recursos tecnológicos de largo uso como os celulares ou a internet. Isso em nada compromete as suas identidades étnicas enquanto reconhecida por eles próprios.
Atualmente a definição mais aceita é a elaborada pelo antropólogo Darcy Ribeiro: “índio é todo o indivíduo reconhecido como membro por uma comunidade pré-colombiana que se identifica etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com quem está em contato”.
Estimativas recentes, realizadas por pesquisadores e antropólogos, indicam que o número de indígenas existentes no mundo atual está situado entre 250 a 300 milhões de indivíduos, distribuídos em aproximadamente cinco mil grupos distintos, presentes em todos os continentes. Invariavelmente, a história dos povos indígenas está marcada pela violência de vários tipos e dimensões, indo desde o genocídio até as recorrentes tentativas de aniquilar suas culturas e os seus meios de sobrevivência, especialmente no que se relaciona às suas terras e os recursos naturais ali existentes.
Foram submetidos, em sua grande maioria, à brutalidade do colonialismo, matiz de todas as mazelas que afetam ainda hoje esses povos, tais como a perda de suas terras ancestrais, a pobreza, os altos índices de mortalidade infantil, o preconceito, entre outras. Apesar de representarem cerca de 5% da população mundial, são responsáveis, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO, por 15% da pobreza extrema.
A América Latina foi palco de uma sistemática matança de indígenas nos primeiros séculos de colonização. Estimativas modestas delineadas pelo geógrafo Wiiliam Denevan, em 1976, apontam o extermínio de até 80% da população original no período compreendido entre a chegada dos europeus, no final do século XV até meados do século XVI. Isso significou a morte de aproximadamente oito milhões de seres humanos, apenas nesse período. Povos inteiros foram dizimados, tanto pelas armas quanto pelo contágio de doenças desconhecidas pelos nativos. Civilizações avançadas, como a dos Incas, na região andina, ou os maias e astecas na América Central, foram completamente destroçadas.
No Brasil, as estimativas feitas pelos estudiosos são bastante díspares, variando entre um e dez milhões de habitantes quando da chegada dos colonizadores. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), vivem hoje cerca de 800 mil indígenas, distribuídos em aproximadamente 300 povos distintos, sendo 80 deles constituído de grupos isolados ainda não contatados. Eles falam, pelo menos, 180 línguas diferentes (das conhecidas), o que coloca o Brasil com um dos países com maior diversidade étnica e linguística do mundo. A maioria está concentrada nas regiões norte e centro-oeste, embora exista um considerável contingente na região nordeste.
Tal como a escravidão, o extermínio de inúmeras nações indígenas ao longo dos últimos cinco séculos constitui uma das páginas mais vergonhosas da história do Brasil, especialmente no nordeste, onde teve início a colonização propriamente dita. Perseguidos, acossados ou forçados à política de “assimilação” pelos sucessivos governos e pelas classes dominantes, os povos indígenas dessa região estiveram próximos de serem totalmente exterminados.
Todo esse ciclo de perseguição, invasão de terras e tentativas de eliminação física não foram realizados sem que houvesse resistência por parte dos povos indígenas no Brasil, ainda que em completa desvantagem perante o aparato militar dos governos e das elites. Essa resistência foi retomada com maior vigor na segunda metade do século XX, especialmente a partir dos anos 80. De lá para cá, surgiram várias organizações indígenas tanto de caráter regional como nacional, assim como se multiplicaram as organizações da sociedade civil em defesa da chamada causa indígena. Por pressão delas, foi possível obter avanços na Constituição de 1988, ainda que muito distantes do satisfatório.
Por mais que as classes dominantes tentem camuflar, é inegável a influência dos povos indígenas no patrimônio cultural do Brasil, a começar pela infinidade de topônimos de origem indígena até a vertente cultural presente na música, na dança, na culinária e em vários costumes da sociedade brasileira. Para além disso, é preciso observar atentamente as potenciais possibilidades da contribuição dos indígenas nos campos da saúde, alimentação e preservação do meio ambiente, tal como enfatizou o Representante Regional da FAO, Raul Benitez, no Segundo Diálogo Social entre os Povos Indígenas e a FAO, ocorrido em Santiago, Chile. De acordo com ele, “os sistemas alimentares desenvolvidos por estes povos, suas dietas tradicionais e sistemas de produção e manejo sustentável dos recursos naturais, são uma herança de valor inestimável, que pode ajudar a encontrar as respostas para os problemas decorrentes dos paradigmas atuais de vida e progresso da sociedade contemporânea”.
A presente publicação representa uma contribuição não apenas para suscitar no PCB um debate sobre a chamada questão indígena, mas, sobretudo, uma conclamação para que nossos quadros assumam como bandeira a solidariedade militante com os povos indígenas nas suas lutas cotidianas, a começar pela garantia do acesso e controle de suas terras ancestrais e o seu direito à autodeterminação.
RELAÇÃO COM O ESTADO
  1. Após quatro séculos de uma política exterminatória dos índios no Brasil, o governo federal brasileiro passa a se preocupar na construção de um aparato estatal, responsável pela política indigenista. Vale ressaltar que essa construção surgiu em decorrência das denúncias internacionais - como no XVI Congresso de Americanistas em Viena em 1908, onde o Brasil foi acusado de permitir ou ser omisso sobre os casos de massacre que ocorriam contra os índios - e dos vários conflitos armados envolvendo os índios e as defesas de suas terras, em virtude das diversas frentes de expansão para o interior do país.
  2. Dessa forma, é criado, em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, mais tarde apenas denominado Serviço de Proteção aos Índios (SPI). A finalidade do órgão indigenista era proteger os indígenas, ao mesmo tempo em que garantiria a implementação de uma estratégia de ocupação territorial do país, onde tinha como lema “integrar para não entregar”.
  3. Para gerenciar o novo órgão indigenista foi convidado o então coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, uma vez que o mesmo tinha obtido sucesso na instalação de redes telegráficas no interior do país, tendo tido um contato pacífico com as populações indígenas existentes nesse percurso. Esse era, por sinal, o sentido da política indigenista do SPI: evitar o extermínio dos povos indígenas, ao mesmo tempo em que aprofundava uma política de integração destes povos com a chamada “civilização”, ao mesmo tempo em que incentivava a levada migratória, principalmente de homens nordestinos para desbravar e ocupar a região amazônica, no intuito de incentivar a agricultura e a pecuária.
  4. A política indigenista foi formalizada no Código Civil de 1916 e na lei nº 5.484 de 1928, que estabeleceram o poder de tutela ao SPI, bem como a relativa incapacidade jurídica dos indígenas. Cabe recordar que a primeira Constituição Brasileira, em 1824, ignorava a existência de sociedades indígenas, negando a diversidade étnica e cultural do nosso país. Somente com a Constituição de 1934 que os direitos dos Povos Indígenas começaram a ser tratados nos marcos legais, assegurando aos índios a posse dos seus territórios tradicionais e atribuindo à União a responsabilidade pela promoção da política indigenista.
  5. A política integracionista do SPI entendia o índio como um segmento em estágio transitório à chamada “civilização”. Ou seja, havia o reconhecimento do caráter coletivo dos Povos Indígenas, mas como um estágio de desenvolvimento culturalmente inferior, que se concluiria com a incorporação do índio à sociedade nacional. O Estado desenvolvia uma política indigenista que criasse as condições para que os índios evoluíssem lentamente, até estarem integrados com a sociedade brasileira. Nesse sentido, negavam-se os costumes, crenças, hábitos e rituais dos Povos Indígenas, numa clara política de homogeneização da cultura brasileira dominante.
  6. É também nesse período que ganha grande publicidade a atuação dos irmãos Villas Bôas. Reconhecidos como humanistas, eles criaram, em 1961, o Parque Indígena do Xingu - a primeira terra indígena homologada pelo governo federal -, com a finalidade de proteger diversos grupos (16 etnias vivem no parque) do contato com a cultura dos grandes centros urbanos, sendo, portanto, um trabalho de preservação da diversidade cultural, onde os indígenas pudessem manter os seus modos tradicionais de organização social e de subsistência econômica.
  7. Apesar da boa intencionalidade dos irmãos Villas Bôas, entendemos que a construção do Parque significou também o aprisionamento das nações indígenas, uma vez que unificou em um mesmo território, diferentes etnias, com línguas e culturas distintas. Visto que a proposta inicial dos irmãos Villas Bôas para o Parque previa limites muito maiores do que os vigentes nos dias de hoje - que excluiu as cabeceiras dos principais rios, que hoje estão circundadas por cidades e pastagens que ameaçam a vida das populações indígenas que habitam no Parque – é de se supor que o real interesse na construção do Parque pelas autoridades governamentias da época não foi a preservação da diversidade cultural, mas a retirada dos índios dos seus territórios tradicionais para o desenvolvimento da economia capitalista no meio rural.
  8. Pode-se dizer que o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) alterou o quadro da gestão indígena no Brasil, fazendo com que a hegemonia da Igreja Católica (catequese) passasse a coexistir com a política de proteção por parte do Estado, realizando o atendimento à saúde, evitando o massacre exterminatório das comunidades indígenas e proporcionando uma educação formal a esses Povos. O surgimento do SPI também significou uma centralização da política indigenista, uma vez que diminuiu o papel que os estados realizavam em relação aos indígenas.
  9. Essa foi a tônica do primeiro momento da política indigenista por parte do Estado brasileiro: o não reconhecimento dos índios como povos diferenciados; a política de assimilação cultural; e a incapacidade de assegurar a proteção territorial dos Povos Indígenas, uma vez que continuavam constantes as invasões às Terras Indígenas, motivadas pelos interesses econômicos das classes dominantes em nosso país.
  10. Para além dessas questões, no final da década de 1950 e início dos anos 1960, o SPI passou a sofrer inúmeras denúncias de improbidade administrativa, de genocídio e de saques das terras e das riquezas das aldeias pelos póprios agentes do governo, repercutindo, nacional e internacionalmente, uma imagem negativa do órgão estatal. Dessa forma, o golpe civil-militar, implementado em nosso país no ano de 1964, extingue o SPI e o substitui, em 1967, pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
  11. Durante o período militar, relatos revelam uma política de Estado de extermínio sistemático das Aldeias Indígenas. O propósito do regime ditatorial era dizimar comunidades indígenas localizadas em áreas concedidas para grandes latifundiários e companhias internacionais, com a finalidade de executar grandes empreendimentos, como a transamazônica. Para essa finalidade, os militares utilizavam a repressão, violência, trabalho escravo, estupros, torturas e incontáveis crueldades contra as tribos brasileiras. Esses métodos provocaram a redução de vários Territórios Indígenas, além da expropriação das riquezas de suas terras.
  12. A ditadura construiu e treinou a Guarda Rural Indígena (Grin), ensinando técnicas de tortura e enraizando a violência policial nas terras indígenas, obrigando os índios a massacrarem o seu próprio povo. Em 1969, objetivando o controle dos indígenas, foi construído o Reformatório krenak (assim chamado por ficar em terras dos índios krenak), funcionando como colônia penal para os índios que transgrediam as ordens ditadas em seu território de origem, como se recusar a sair de suas terras tradicionais.
  13. Além dessas questões, a ditadura obrigava muitas Aldeias Indígenas a combater os grupos guerrilheiros que lutavam pela democratização em nosso país. E aqueles que não participavam das ações militares eram reprimidos e até mortos. Assim, os índios eram obrigados a identificar acampamentos das guerrilhas, caçando os lutadores brasileiros com quem, muitas vezes, já tinham estabelecido contato e relação de amizade.
  14. As políticas indigenistas estatais foram completamente subordinadas aos planos de defesa nacional, com cooptação de lideranças indígenas, limitação de acesso de pesquisadores e organizações de apoio às terras indígenas, além das políticas de construção de estradas e hidrelétricas, expansão de fazendas e extração de minérios.
  15. A Funai, criada com o propósito de superar as limitações do antigo SPI, acabou por reproduzí-las, estando sua atuação marcada pela política assimilacionista, paternalista, assistencialista e pelas redes de relações pessoais e corporativas que permearam o seu âmbito interno. O Estatuto do Índio (Lei nº 6.001), aprovado em 1973, e ainda vigente, reafirmou as premissas de integração que permearam a história do SPI.
  16. No início da década de 1980, no chamado período de “redemocratização”, a questão indígena voltou a ter uma maior publicidade e repercussão nacional. Ocorrem, nesse período, várias manifestações indígenas e constituições das primeiras organizações formais de base comunitária ou regional.
  17. Com esse cenário, a Constituição de 1988, rompendo com a política assimilacionista e integracionista, reconhece, em seu Artigo 231, o direito dos indígenas à diferença e garante o usufruto exclusivo de seus territórios tradicionalmente ocupados, definidos a partir de seus usos, costumes e tradições. É nesse período também que as organizações indígenas se consolidam e se fortalecem, forçando a Constituição a reconhecer, através do Artigo 232, as mesmas como legítimas para defender os seus direitos e interesses.
  18. Essas medidas constitucionias foram extremamente importantes para superar os conceitos de tutela e de “capacidade relativa dos silvícolas” (Código Civil, 1916). Entretanto, esses avanços não se fizeram sentir na prática. A implementação e intensificação das políticas neoliberais em nosso país, a partir da década de 1990, aprofundaram o descaso do Estado brasileiro com as populações indígenas.
POLÍTICA NEOLIBERAL E OS POVOS INDÍGENAS
  1. A política neoliberal no Brasil começou a ser implementada no governo Collor, se intensificou no governo FHC e é continuada nos governos petistas (Lula e Dilma). Seguindo à risca as recomendações da Cartilha Neoliberal, esses governos trabalharam no sentido de minimizar a participação do Estado na economia do país; privatizar as empresas estatais; aumentar a produção, na perspectiva desenvolvimentista; fragmentar a classe trabalhadora e precarizar as condições de trabalho; dentre outras medidas.
  2. No âmbito indígena, ocorre uma fragmentação das responsabilidades da Funai. A saúde, educação, desenvolvimento rural e meio ambiente, anteriormente na responsabilidade do órgão indigenista, passam a fazer parte das atividades dos Ministérios da Saúde, Educação, Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente, respectivamente. Com esse esvaziamento de suas atribuições, a Funai passa a se concentrar nas políticas de regularização fundiária, mantendo as limitações evidenciadas em toda história do indigenismo oficial. Os servidores da Funai sofrem com o sucateamente ainda maior do órgão indigenista, com péssimas condições de trabalho e o arrocho salarial da década de 1990.
  3. Com a extinção do Ministério do Interior, a Funai passa a fazer parte do Ministério da Justiça.  Parlamentares contrários aos direitos indígenas tentam extinguir a Funai, sem subsituí-la por nada, criando um vazio na representação institucional específica dos Povos Indígenas. Os movimentos indígenas, em crescente fortalecimento desde a década de 1980, conseguem frear essa tentativa de aniquilamento da Funai. Para os indígenas, apesar das limitações da instituição, era importante mantê-la, reestruturando o órgão indigenista ao mesmo tempo em que se avançasse na reformulação do Estatuto do Índio, datado de 1973. Apesar da criação, em 1991, de uma Comissão Especial para rever o Estatuto do Índio - discutindo temáticas como a proteção territorial, a demarcação de terras indígenas e a situação jurídica dos índios -, os trabalhos foram paralisados em 1994, não alterando o caráter integracionista do retrógrado Estatuto.
  4. Nesse período, os movimentos indígenas se somam aos mais variados movimentos camponeses do país, em luta contra o monopólio capitalista da terra. Os seguidos governos brasileiros – FHC, Lula e Dilma – mantêm uma política de priorização do agronegócio, com grandes repasses aos grandes proprietários de terra, em detrimento de uma política seriamente comprometida com a democratização do meio rural, da reforma agrária, dos territórios indígenas e quilombolas.
  5. A política de favorecimento ao agronegócio significa uma intensificação da concentração de terra, da destruição ambiental, com uso de transgênicos e agrotóxicos, e dos impactos sociais e culturais de grave expressão, visto as constantes expulsões dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pequenos agricultores das suas terras, para oportunizar a produção para a exportação.
  6. Esse cenário do meio rural brasileiro traz sérias consequências aos Povos Indígenas. Expulsos dos seus territórios, as comunidades indígenas ficam ameaçadas da sua própria existência, visto que a terra para os indígenas, diferentemente dos latifundiários e do agronegócio, não possui interesses puramente econômicos. A terra tem um significado de sustentabilidade, de memória, de cultura e identidade para os Povos Indígenas, condição vital para a reprodução física e cultural desses povos.
  7. Buscando resistir aos processos de expulsão de suas terras, os movimentos indígenas atuam em duas frentes: a pressão para que a Funai realize os procedimentos demarcatórios dos Territórios Indígenas e o conflito direto com posseiros, madeireiros, garimpeiros e latifundiários que saqueiam dos seus territórios todas as riquezas do solo e subsolo, além de violentar social e culturalmente os Povos Indígenas. Além dessas duas frentes, o movimento indígena também atua na perspectiva do autoreconhecimento de diversos grupos indígenas que, por pressão externa da sociedade (perseguição, extermínio, preconceito), negaram sua identidade e hoje retomam um movimento de identidade cultural e de aquisição de suas terras.
  8. A luta pela retomada dos Territórios Indígenas é legítima e de fundamental importância para o processo de transformação da realidade rural em nosso país. Entretanto, o Estado burguês brasileiro caracteriza os movimentos indígenas como violentos, vândalos e baderneiros, fazendo coro ao projeto neoliberal de criminalização dos movimentos sociais. Nesse aspecto, é importante destacar o papel de desinformação e manipulação ideológica dos meios de comunicação no Brasil, que atuam enquanto instrumento burguês de difamação da causa indígena. Os assassinatos das lideranças indígenas e a impunidade continuam tendo presença marcante no meio rural brasileiro.
  9. A violência e presença de posseiros nas Terras Indígenas comprometem também as práticas dos seus rituas e tradições culturais. O preconceito, a discriminação e o processo de homogeneização da cultura afetam diretamente os Povos Indígenas. Na sociedade burguesa, a tolerância à diversidade étnica é limitada, sendo permissível apenas se a manifestação étnica permanecer submissa aos ditames dos valores dominantes, permanecendo, na lógica burguesa, como uma expressão de “inferioridade cultural”. A cultura indígena se apresenta como uma ferramenta da contra-hegemonia cultural, devendo ser preservada e valorizada.
  10. Por fim, o caráter neoliberal de monopólio capitalista da terra, de criminalização dos movimentos sociais, de homogeneização da cultura e a violência contra os Territórios Indígenas, faz com que inúmeros índios tenham que deixar os seus locais de origem e se deslocar para as grandes periferias das cidades brasileiras. Além do impacto da perda com a terra e com suas tradições e valores culturais, esses índios desaldeados se inserem, precariamente, no modo de produção capitalista das periferias urbanas, aumentando a força de trabalho excedente e as tentativas de inserção no mercado informal. Portanto, ficam vulneráveis à fome, miséria, prostituição, drogas e todas as mazelas orgânicas ao modelo de sociedade capitalista.
A POLÍTICA INDIGENISTA OFICIAL
  1. Apesar dos avanços constitucionais, a política indigenista oficial mantém práticas hegemônicas do poder tutelar, do assimilacionismo e o assistencialismo junto aos Povos Indígenas. O Estado brasileiro atua como intermediador entre as comunidades indígenas e outros segmentos da sociedade brasileira, autorizando ou não essas relações. Essa prática compromete à autogestão das Terras Indígenas, além de manter uma visão dos indígenas enquanto seres “relativamente capazes”.
  2. Para além do regime tutelar, os seguidos governos neoliberais executaram e executam uma política de cooptação das lideranças indígenas, com o propósito de garantir o apoio aos governos através do pacto burguês de sociabilidade. Essa cooptação enfraquece os movimentos indígenas, que perdem a sua autonomia e independência política, ficando refém das políticas compensatórias e assistencialistas do Estado. Também acarreta no divisionismo das comunidades indígenas, fazendo com que diversos Povos disputem entre si as migalhas oferecidas pelo governo, perdendo o foco da resistência e luta contra a política indigenista oficial.
  3. O governo Lula, em 2006, criou a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), composto por representantes institucionais e lideranças indígenas. A CNPI tem como objetivo construir, conjuntamente, as políticas a serem desenvolvidas nos Territórios Indígenas, tendo como prioridade a atualização do Estatuto do Índio. No ano de 2009 uma proposta de atualização do Estatuto foi apresentada ao Congresso Nacional, aguardando ainda a sua votação.
  4. Outro grave problema na política indigenista do Estado diz respeito à falta de recursos e servidores na Funai. O órgão indigenista, seguidamente sucateado, sofre com os constantes cortes orçamentários, dificultando a realização de projetos de sustentabilidade junto aos Povos Indígenas. Os servidores, por sua vez, sem contar com um Plano de Cargos e Carreira, trabalham em pouco número, sem capacitações e em condições extremamente precárias.
  5. Em 2009, o decreto presidencial (nº 7.056), anunciou um grande plano de reestruturação da Funai, pretendendo garantir maior capacidade de atuação. Na verdade, essa reestruturação enxugou as sedes organizacionais do órgão indigenista, aumentando a quantidade de comunidades jurisdicionadas às Coordenações Regionais e sem aumentar os recursos financeiros e o número de profissionais capacitados para desenvolver projetos com os Povos Indígenas. Vale ressaltar que essa reestruturação foi bastante contestada por vários povos indígenas que também reclamaram da falta de consulta prévia de acordo com a Convenção nº 169 da OIT.
  6. Dessa forma, é bastante difícil a realidade dos índios no Brasil. O direito à autodeterminação dos povos indígenas – controlar suas vidas e suas terras - continua a não ser garantido em nosso país. Além de ser o segmento mais pobre do Brasil, os indígenas estão excluídos das decisões que afetam os seus Territórios, como, por exemplo, a transposição do Rio São Francisco, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, dentre outas obras já realizadas. Essas duas construções, além dos impactos ambientais gerados, acarretam prejuízos sociais, econômicos e culturais aos Povos Indígenas. Para além desses exemplos, as comunidades indígenas não estão sendo consultadas em outros projetos como as construções de estradas, ferrovias, mineração e barragens.
  7. A educação e a saúde indígena continuam a possuir uma realidade bem precária. A inexistência ou limitações de escolas nos territórios indígenas é ainda um obstáculo a ser superado, assim como o alto índice de analfabetos, principalmente entre os adultos e idosos. Estudantes indígenas buscam a continuidade dos seus estudos, porém, o ingresso nas Universidades públicas é difícil. Apesar do programa de cotas em algumas Universidades, a distância destas das suas Aldeias é um complicador, necessitando não só condições de acesso, mas também de políticas de permanências. Para além dessa questão, é necessário ir mais adiante na relação da educação e os Povos Indígenas. Não é suficiente apenas o ingresso de indígenas nas universidades. Torna-se necessário a transformação da lógica da universidade, incorporando os conhecimentos dos Povos Indígenas, as suas histórias e as suas lutas na perspectiva do ensino, pesquisa e extensão, criando, dessa forma, a Universidade Popular.
  8. Os Povos Indígenas enfrentam grandes dificuldades no atendimento à saúde. Os índios apresentam os piores índices de saúde em todo o país, sofrendo com altas taxas de alcoolismo, suicídio, além do descaso e preconceito com que são tratados nos sistemas de saúde institucionais. A construção e reforma de Unidade Básica de Saúde nos territórios indígenas, com equipamentos adequados, consultório odontológico e regularidade de atendimento são demandas constantes. Para além dessas questões, a lógica de atendimento à saúde com os Povos Indígenas precisa ser transformada, atendendo aos princípios das especificidades do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo necessária a incorporação das práticas, saberes e tradições que os indígenas utilizam na prevenção e tratamento de suas enfermidades. Além disso, o trabalho relacionado à saúde indígena não pode ser restrito ao tratamento de doenças, mas incorporar todas as condições necessárias para a sua vida social saudável, como moradia, educação, atividades produtivas, cultura, lazer, etc.
  9. No entanto, a principal dificuldade enfrentada pelos Povos Indígenas é a questão da terra. Apesar dos números apontarem que 12,4% do território nacional estão demarcados como terra indígena, isso não significa que a terra e os direitos dos índios estejam assegurados. A presença de posseiros, o mercado ilegal de mineração, o uso de pastagem e a falta de políticas públicas são constantes nos territórios indígenas.
  10. Por outro lado, várias comunidades indígenas continuam sem possuir o direito à terra, portanto, sem o direito de locais para morar, realizar suas atividades produtivas e praticar suas manifestações culturais. Até mesmo o direito à educação diferenciada não é respeitado, uma vez que só pode se realizar se a comunidade indígena tiver a posse da terra.
  11. E o prognóstico de resolução dessas situações não é animador, principalmente após a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso da reserva Raposa Serra do Sol, visto a tentativa que as dezoito condicionantes estabelecidas pelo STJ sejam generalizadas para todas outras reivindicações indígenas a respeito da terra. Essas condicionantes são extremamente preocupantes, visto que proibem, por exemplo, a ampliação de terras já demarcadas, além de permitirem a presença militar nas áreas indígenas sem ter de passar por consultas junto aos Povos Indígenas e nem mesmo com a Funai.
  12. Como já dito, a falta da terra para os Povos Indígenas acarreta em prejuízos econômicos, sociais, ambientais e culturais, uma vez que a vida indígena está diretamente relacionada com a terra. Apesar do cenário já não ser bom, é frequente os ataques institucionais contra os poucos direitos indígenas garantidos na Constituição. O parlamento burguês, em especial a bancada ruralista, vem fazendo constante pressão pela modificação de leis que tratam dos assuntos indígenas.
  13. Um desses ataques aos Direitos Indígenas ocorreu com a publicação, em 2012, da Portaria 303 pela Advocacia Geral da União (AGU). De acordo com esta criminosa Portaria, o Estado brasileiro (orientado pela ordem do capital) possui poder de instalações de bases militares, construções de estradas, redes de comunicação, hidroelétricas, etc. em Territórios Indígenas, independentemente de consulta aos Povos Indígenas e nem a própria Funai. Esta Portaria representa uma afronta aos Direitos Indígenas, além de ignorar importantes avanços jurídicos da causa indígena, como o artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e o direito de consulta assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Contra essa Portaria, levantaram-se em luta os movimentos indígenas e também os servidores da Funai em greve no ano de 2012, conseguindo suspender, temporariamente, a tentativa do governo federal de retroceder em sua política indigenista. Por outro lado, vários deputados contrários aos direitos dos índios e em favor da expansão do agronegócio nos Territórios Tradicionais pressionam o governo para o restabelecimento da Portaria 303, sob a justificativa da necessidade de limitar as ações da Funai no processo de demarcação de terras indígenas. A Advocacia Geral da União (AGU) decidiu suspender a portaria até a publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja análise versará sobre a constitucionalidade ou não desta Portaria.
  14. Outro ataque diz respeito à PEC 215, onde, segundo a mesma, o poder de demarcação de Terras Indígenas é transferido do Executivo ao poder Legislativo e se estende a terras quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental. Na prática, impedirá que haja mais áreas indígenas e quilombolas identificadas, uma vez que a decisão de demarcação de territórios será por conta dos parlamentares por meio de projeto de lei, aprovado por maioria simples. Significa um retrocesso do Estado brasileiro com as populações indígenas, pois fere pontos consagrados na Constituição: o reconhecimento das terras ocupadas pelos índios como direito original e a prerrogativa do Executivo em demarcar as terras.
  15. Em abril de 2013, um protesto dos índios na Câmara de Deputados conseguiu frear a instalação da Comissão Especial que iria analisar a PEC 215 e criar um grupo de trabalho de análise sobre as condições dos indígenas no país, sendo esse grupo composto por lideranças indígenas, parlamentares em favor dos índios e também representantes da bancada ruralista. Esse grupo de trabalho rejeitou a PEC 215, por sua inconstitucionalidade. Essa decisão foi unânime, visto que a bancada ruralista não participou das reuniões. Entretanto, em setembro de 2013, o presidente da Câmara instituiu a Comissão Especial, contrariando o grupo de trabalho e indicando para a Comissão vários deputados que integram a frente do agronegócio.
  16. Como respostas às todas essas afrontas, os movimentos indígenas organizaram a Mobilização Nacional Indígena, entre os dias 30 de setembro a 05 de outubro de 2013, ocupando a Esplanada e realizando várias manifestações em todo o país, em defesa dos direitos constitucionais e pela demarcação de terras indígenas, buscando barrar todos esses ataques institucionais, liderados pela bancada ruralista. Com essa mobilização, o Parlamento burguês teve de recuar e ainda não foi instalada a Comissão Especial para analisar a PEC 215.
  17. Porém, a luta não está ganha. Com esse cenário, é imprescindível a mobilização e luta dos movimentos indígenas, indigenistas e de todas as forças anticapitalistas, no sentido de frear os ataques contra os direitos indígenas, ao mesmo tempo em que é preciso avançar na construção de uma política indigenista em nosso país, que tenha como princípio os indígenas como protagonistas nas tomadas de decisões.
APONTAMENTOS POLÍTICOS
  1. Estamos convictos que as propostas dos povos indígenas na luta pelos seus direitos fundamentais devam ser elaboradas e encaminhadas pelos próprios indígenas, que mais do que ninguém sabem das suas reais necessidades enquanto povos permanentemente ameaçados de invasão de suas terras ancestrais, expulsão de seus territórios e até de extermínio. A contribuição do Partido deve ser, portanto, guiada prioritariamente por uma política de apoio às propostas de suas organizações autônomas e independentes, sejam elas de caráter étnico (local), interétnico, interlocal, regional ou nacional. Neste sentido propomos:
§ Demarcação / Homologação imediata de todas as terras indígenas no território nacional.
§ Expressar nosso apoio à Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil entregue à presidenta Dilma Rousseff, em 10 de julho de 2013 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB (anexo 01).
§ Pela implementação imediata de políticas sociais dignas e diferenciadas aos Povos Indígenas, no que diz respeito à educação, saúde, moradia, lazer, dentre outras.
§ Contras as obras capitalistas e neodesenvolvimentista nos Territórios Indígenas, como a Transposição do Rio São Francisco e a Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
§ Atualização do Estatuto do Índio com o protagonismo dos Povos Indígenas, superando os conceitos ainda vigentes de tutela, assimilação, integração e das políticas paternalistas e assistencialistas.
§ Contra os ataques institucionais que ferem os direitos indígenas, como a Portaria 303 e a PEC 215.
§ Transformação do órgão indigenista oficial (Funai), com: a) Aumento do orçamento para a implementação de projetos e atividades junto aos Povos Indígenas; b) Realização de concurso para o ingresso de um maior número de técnicos, visto que já foi aprovado, pelo Ministério do Planejamento, a contratação de 3.100 novos funcionários; c) Capacitações, melhoria das condições de trabalho e instituição do Plano de Cargo e Carreira para os servidores indigenistas.
§ Inserir nossa militância nas manifestações, atos e organizações que apoiem a luta dos povos indígenas pelos seus direitos, com prioridade para as questões da demarcação de suas terras e controle dos recursos naturais.
§ Estimular, onde houver atuação do partido, a formação de organizações políticas próprias dos indígenas, rechaçando as interferências externas de instituições que comumente tentam introduzir representações de suas preferências e que não coincidem com as autoridades tradicionais.
§ Apesar da complexidade do assunto, devido, sobretudo, à diversidade das nações indígenas no país, consideramos ser importante a criação de uma articulação política nacional que funcione como interlocutor desses povos, algo como um Congresso Indígena Permanente, que reúna o maior número de representações dos povos indígenas.
§ Instituir um grupo de trabalho reunindo representantes indígenas, parlamentares aliados e forças política de apoio para iniciar estudo sobre a instituição de um percentual de representação parlamentar dos povos indígenas, proposição a ser estendida a outras comunidades etnicamente diferenciadas, a exemplo dos ciganos e dos quilombolas.
* Yuri Vasconcelos - indigenista especializado e membro da Direção Estadual do PCB-BA.
** Miguel Anacleto - Presidente do Instituto de Amizade e Solidariedade aos Povos (IBASP) e membro da Direção Estadual do PCB-PE.
ANEXO 01
CARTA PÚBLICA DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL À PRESIDENTA DA REPÚBLICA DILMA ROUSSEFF
A Excelentíssima Senhora Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Brasília-DF
Estimada Presidenta,
Nós lideranças indígenas de distintos povos e organizações indígenas das diferentes regiões do Brasil, reunidos nesta histórica ocasião com a vossa excelência no Palácio de Governo, mesmo em número reduzido, mas suficientemente informados e profundamente conhecedores, mais do que ninguém, dos problemas,  sofrimentos, necessidades e aspirações dos nossos povos e comunidades, viemos, por este meio manifestar, depois de tão longa espera,  as seguintes considerações e reivindicações, que esperamos sejam atendidas pelo seu governo como início da superação da dívida social do Estado brasileiro para conosco, após séculos de interminável colonização, marcados por políticas e práticas de violência, extermínio, esbulho, racismo, preconceitos e discriminações.
Estamos aqui, uma pequena, mas expressiva manifestação da diversidade étnica e cultural do país, conformada por 305 povos indígenas diferentes falantes de 274 línguas distintas com uma população aproximada de 900 mil habitantes conforme dados do IBGE. E em nome desses povos que:
- Reiteramos o nosso rechaço à acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país numa total desconsideração da nossa contribuição na formação do Estado Nacional brasileiro, na preservação de um patrimônio natural e sociocultural invejável, inclusive das atuais fronteiras do Brasil, das quais os nossos ancestrais foram guardiães natos. Contrariamente aos que nos acusam de ameaçarmos a unidade e integridade territorial e a soberania do nosso país.
- Repudiamos toda a série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que buscam destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças que nos antecederam, durante o período da constituinte.
- Somos totalmente contrários a quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras indígenas atualmente patrocinados por setores de seu governo, principalmente a Casa Civil e Advocacia Geral da União (AGU), visando atender a pressão e interesses dos inimigos históricos dos nossos povos, invasores dos nossos territórios, hoje expressivamente representados pelo agronegócio, a bancada ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras, entre outros.
- Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, por meio de iniciativas legislativas que poderão condenar os nossos povos a situações de indesejável miséria, etnocídio e conflitos imprevisíveis como já se verifica em todas as regiões do país, principalmente nos estados do Sul e no Estado de Mato Grosso do Sul.
- Rechaçamos a forma como o governo quer viabilizar o modelo de desenvolvimento priorizado, implantando a qualquer custo, nos nossos territórios, obras de infraestrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão, desrespeitando a nossa visão de mundo, a nossa forma peculiar de nos relacionar com a Mãe Natureza, os nossos direitos originários e fundamentais, assegurados pela Carta Magna, a Convenção 169 e a Declaração da ONU.
REIVINDICAÇÕES
Diante deste manifesto, expressamos as seguintes reivindicações:
1. A incidência do governo junto a sua base para o arquivamento das Propostas de Emendas à Constituição (PEC) 038 e 215 que pretendem transferir para o Senado e Congresso Nacional respectivamente a competência de demarcar as terras indígenas, usurpando uma prerrogativa constitucional do Poder Executivo.
2. Reivindicamos o mesmo procedimento para a PEC 237/13 que visa legalizar o arrendamento das nossas terras, do PL 1610/96 de Mineração em Terras Indígenas, do PL 227/12 que modifica a demarcação de terras indígenas, entre outras tantas iniciativas que pretendem reverter os nossos direitos constitucionais.
3. O Governo deve fortalecer e dar todas as condições necessárias para que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) cumpra devidamente o seu papel na demarcação, proteção e vigilância de todas as terras indígenas, cujo passivo ainda é imenso em todas as regiões do país, mesmo na Amazônia onde supostamente o problema já teria sido resolvido. Não admitimos que a FUNAI seja desqualificada nem que a Embrapa, Ministério da Agricultura e outros órgãos, desconhecedores da questão indígena, venham a avaliar e supostamente contribuir nos estudos antropológicos realizados pelo órgão, só para atender interesses políticos e econômicos, como fizera o último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.
4. Para a demarcação de terras indígenas propomos a criação de um Grupo de Trabalho, com participação dos povos e organizações indígenas no âmbito do Ministério da Justiça e da FUNAI para fazer um mapeamento, definição de prioridades e metas concretas de demarcação.
5. Não aceitamos a proposta de criação de uma Secretaria que reúna a FUNAI com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prejudicando o papel diferenciado de cada órgão.
6. Exigimos a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades:
6.1.Portaria 303, de 17 de julho de 2012, iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU) que estende equivocadamente a aplicação para todas as terras a aplicabilidade das condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388/RR), que ainda não transitou em julgado.
6.2. Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, sendo que o Decreto 1.775/96 já estabelece o direito do contraditório.
6.3. Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infraestrutura que atingem terras indígenas.
6.4. Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.
7. Reivindicamos também do Governo Brasileiro políticas públicas específicas, efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas.
- Na saúde, efetivação da Secretaria Especial de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, para a superação dos distintos problemas de gestão, falta de profissionais, de concurso específico para indígenas, plano de cargos e salários, de assistência básica nas aldeias, entre outros.
- Na Educação, que a legislação que garante a educação específica e diferenciada seja respeitada e implementada, com recursos  suficientes para tal e que seja aplicada imediatamente da Lei 11.645, que trata da obrigatoriedade do ensino da diversidade nas escolas.
- Na área da sustentabilidade, instalação do Comitê Gestor da PNGATI e de outros programas específico para os nossos povos, com orçamento próprio.
- Para a normatização, articulação, fiscalização e implementação de outras políticas que nos afetam, criação imediata do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), cujo Projeto de Lei (3571/08) não foi até hoje aprovado na Câmara dos Deputados.
8. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), relacionados com a tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso Nacional.
9. Considerando que esta reunião com a Vossa Excelência acontece no contexto de muitos outros protestos pelo país inteiro, manifestamos a nossa solidariedade a outras lutas e causas sociais e populares que almejam como nós um país diferente, plural e realmente justo e democrático. Pela também regularização e proteção das terras quilombolas, territórios pesqueiros e de outras comunidades tradicionais, e pela não urgência do PL do novo marco regulatório da mineração, para assegurar a participação da sociedade civil na discussão deste tema tão estratégico e delicado para a nação brasileira.
10. Reafirmamos por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, mas também reiteramos a nossa disposição para o diálogo aberto, franco e sincero, em defesa dos nossos territórios e da Mãe Natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações, em torno de um Plano de Governo para os povos indígenas, com prioridades e metas concretas consensuadas conosco.
11. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, lideranças, povos e organizações, e aliados de todas as partes, para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.
Brasília-DF, 10 de julho de 2013.
APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL