8 de agosto de 2011

EUA: Uma mentira de 16 bilhões de dólares


imagemCrédito: 3.bp.blogspot


Atilio A. Boron

A atenção da opinião pública internacional esta centrada no acordo desvantajoso firmado entre Barack Obama e o Congresso diante do qual o presidente compromete-se a aplicar um duro programa de ajuste fiscal, centrado no corte de gastos sociais (saúde, educação, alimentação) e infra-estrutura por 2.5 bilhões (2.500.000 milhões de dólares), porém, preservando, como exige o Tea Party, o nível atual do gasto militar e sua eventual expansão. Em troca disso, a Casa Branca recebeu a autorização para elevar a dívida dos Estados Unidos a 16,4 bilhões de dólares (ou seja, 16.400.000 milhões de dólares), cifra superior em dois bilhões ao PIB desse país. Com isso espera-se – confiando na “magia dos mercados”- superar a crise da dívida pública e reativar a debilitada economia norte-americana. Esta receita já foi implementada a ferro e fogo na América Latina e não funcionou; e tampouco o fez na convulsionada Europa destes dias. Com este acordo, a única coisa segura será o agravamento da crise e, de quebra, a acentuação da belicosidade norte-americana no cenário mundial.

Socialismo” para os ricos, mercado para os pobres

O debate sobre o possível default dos EUA eclipsou por completo um escândalo financeiro de inéditas proporções: No dia 21 de julho passado, conheceu-se o resultado da auditoria integral realizada pela Oficina Governamental de Rendições de Contas (Government Accountability Office, GAO, sua sigla em inglês) na Reserva Federal (Fed), o banco central dos Estados Unidos, a primeira que praticou a dita instituição desde que foi criada em 1913. (1) Os resultados são pasmosos: num prazo de pouco mais de dois anos e meio, entre 1º de Dezembro de 2007 e 21 de julho de 2010, o Fed outorgou empréstimos secretos a grandes corporações e empresas do setor financeiro de 16 bilhões de dólares, uma cifra maior que o PIB dos Estados Unidos que no ano 2010 foi de 14.5 bilhões de dólares e mais elevada que a soma dos orçamentos do governo federal durante os últimos quatro anos. Não só isso: a auditoria revelou também que 659 milhões de dólares foram abonados a algumas das instituições financeiras beneficiadas arbitrariamente por este programa para que administrassem o multimilionário regaste de bancos e corporações disposto como mecanismo de “saída” da nova crise geral do capitalismo. Desse gigantesco montante, uns 3 bilhões foram destinados a socorrer grandes empresas e entidades financeiras em Europa e Ásia. O resto foi orientado ao resgate de corporações estadunidenses, encabeçadas pelo Citibank, o Morgan Stanley, Merril Lynch e o Bank of America, entre as mais importantes. Tudo isso enquanto a crise aprofundava a níveis desconhecidos a desigualdade econômica dentro da população americana, ao mesmo tempo em que afundava crescentes setores sociais na pobreza e na vulnerabilidade social. É óbvio que esta informação mereceu um espaço completamente marginal na imprensa financeira, tanto a internacional como a norte-americana ou nos grandes meios de comunicação dos Estados Unidos. São notícias que, como lembra Noam Chomsky, não têm porque ser conhecidas pelo grande público.

As assombrosas revelações deste informe deveriam gerar uma discussão, sobre vários temas de grande importância. Um, por causa da extremada desigualdade de distribuição dos esforços requeridos para enfrentar a crise. Até agora aqueles tinham sido aportados pelos trabalhadores, enquanto que grandes fortunas pessoais ou corporativas assim como os fenomenais ingressos dos mais ricos, se tinham beneficiado com as baixas de impostos e resgates multimilionários dispostos por George W. Bush e ratificados por Barack Obama no recente acordo. Dois, sobre os inexistentes –ou sumamente débeis e ineficazes- mecanismos de auditoria e controle democrático sobre as políticas e decisões de uma instituição crucial para a economia norte-americana e o bem-estar de sua povoação como a Fed. Três, sobre a duvidosa compatibilidade existente entre uma ordem que se auto-proclama democrática e o estatuto jurídico e institucional do FED como entidade autônoma que não tem a obrigação de render contas ante nenhuma instância de controle democrático. Em relação a este último o Fed manifestou sua predisposição a “considerar muito seriamente” as recomendações da GAO, mas por não ser uma instituição governamental não pode ser forçada a aceitá-las. Pese seu caráter privado, o Presidente (Chairman) do FED e os sete membros de sua diretoria são designados pelo Presidente dos Estados Unidos e sujeitos a sua posterior confirmação pelo Senado.

Mas contrariamente ao que pensa a grande maioria da população norte-americana o Fed não é uma agência do governo federal, senão uma corporação privada. Em termos políticos é o partido do capital financeiro. Sua autonomia é tão grande que não sairia um milímetro da legalidade si suas autoridades decidissem não escutar as recomendações da GAO ou rebelar-se abertamente contra elas. Não existe, para o Fed, a prestação democrática de contas ante a comunidade e, por ser uma entidade de direito privado, não tem porque acatar sequer o disposto na Lei de Liberdade de Informação, cuja jurisdição se estende tão somente a instituições públicas. Situação aberrante: uma cifra equivalente ao total da dívida pública americana que pôs os EUA à beira do default foi desembolsada e resgates fraudulentos, secretos e muito beneficentes para os que tomaram os empréstimos e lesivos ao contribuinte, com cujo dinheiro um banco central “independente” como o Fed financiou toda esta operação. Cabe perguntar-se: independente de quem?

Conspiração de silêncio?

O escândalo revelado pela auditoria não teve quase nenhuma repercussão os EUA. O “Chairman” do FED, Ben Bernanke, se fez de desentendido e expressou que nos momentos em que se temia um default deste país, o importante era resguardar a credibilidade do FED e do sistema monetário americano. Pese que o GAO é um órgão de apoio aos trabalhos do Congresso as reações dos representantes e senadores ante a divulgação do informe foi a do mais absoluto e imoral silêncio. Até onde pudemos indagar uma das pouquíssimas vozes foi a do senador Bernie Sanders, do estado de Vermont. Sanders é uma ave rara não somente no Congresso senão na política americana: é um político que se declara como socialista e que foi eleito como candidato independente em aliança com o partido democrata, única maneira de superar o asfixiante bipartidarismo imperante nos EUA. Eleito como Senador em 2007 com 65% dos votos, um aluvião eleitoral bem pouco freqüente na política desse país, foi apoiado por diversos movimentos sociais e pequenas organizações políticas de Vermont. Sanders reagiu duramente quando se conheceu o informe (2). Transcrevemos abaixo alguns parágrafos mais importantes destacados da declaração emitida por seu escritório de imprensa, que praticamente não foi divulgada por nenhum meio de comunicação dos EUA, e que diz o seguinte:

21 de Julho, 2011.

"A primeira auditoria integral da Reserva Federal descobriu novos assombrosos detalhes sobre como os EUA administraram a ninharia de 16bilhões de dólares (16.000.000 de milhões) em empréstimos secretos para resgatar bancos e empresas americanas e estrangeiras durante a pior crise econômica desde a Grande Depressão de 29. Uma emenda proposta pelo senador Bernie Sanders a lei de reforma de Wall Street- aprovada faz exatamente um ano atrás esta semana- tinha pedido ao Gabinete Governamental Prestação de Contas (Governmet Accountability Office) para levar a cabo este exame: “Como resultado desta auditoria agora sabemos que a Reserva federal administrou mais de 16 bilhões de dólares em assistência financeira total a algumas grandes corporações e instituições financeiras nos EUA e no resto do mundo”, disse Sanders “Este é um claríssimo caso de socialismo para os ricos e descarado individualismo tipo “salve-se que puder” para os demais”.

Esclarecimento: a GAO é uma agência independente e não partidária que trabalha para o Congresso dos EUA. A missão da GAO é investigar forma com a qual o Governo Federal dispõe dos dólares dos contribuintes. O chefe da GAO é o Controlador Geral dos EUA é designado por um período de 15 anos pelo Presidente a partir de uma lista de candidatos elaborada pelo Congresso. O chefe atual da GAO é Gene L. Dodaro, que foi nomeado pelo presidente Barak Obamna em Setembro de 2010 e confirmado em seu cargo em Dezembro desse mesmo ano ao ser confirmado em seu posto pelo Senado. (Nota de A. Boron)

Entre outras coisas a auditoria estabeleceu que a Reserva Federal “carece de um sistema suficientemente exaustivo para tratar casos de conflitos de interesses, apesar de que existem sérios riscos de abusos neste sentido.De fato, segundo a auditoria a Reserva Federal emitiu dispensas de conflitos de interesses a favor de empregados e contratistas privados a fim de que pudessem manter seus investimentos nas mesmas corporações e instituições financeiras que recebiam empréstimos de emergência.”

“Por exemplo, o CEO de JP Morgan Chase cumpria funções na Direção da Reserva federal de Nova Iorque enquanto seu banco recebia mais de 390 milhões de dólares em ajuda financeira por parte da Reserva Federal. Além disso, JP Morgan Chase atuava como um dos bancos de compensação de programas de empréstimos de emergência do FED.”

“Outra descoberta perturbadora da GAO é a que se refere ao dia 19 de setembro de 2008, em que o senhor William Dudley, presidente da Reserva Federal de Nova Iorque, recebeu uma dispensa para permitir-lhe conservar seus investimentos em AIG ( American International Group, um líder mundial no campo de seguros) e GE (General Electric) enquanto estas companhias recebiam fundos de resgate. Uma razão pela qual o Fed não obrigou a Dudley a vender suas ações, segundo a auditoria, foi porque tal ação poderia ter criado aparência de um conflito de interesses).

“A investigação também revelou que a Fed terceirizava contratistas privados como JP Morgan Chase, Morgan Stanley e Wells Fargo para maioria de seus programas de empréstimos. Estas mesmas também recebiam bilhões de dólares do FED por empréstimos concedidos a taxas de juros próximas a zero.”

Os principais beneficiados destes empréstimos, concedidos entre 1º de Dezembro de 2007 e 21 de julho de 2010 são os seguintes:

Citigroup: $2.5 bilhões ($2,500,000,000,000)

Morgan Stanley: $2.04 bilhões ($2,040,000,000,000)

Merrill Lynch: $1.949 bilhões ($1,949,000,000,000)

Bank of America: $1.344 bilhões ($1,344,000,000,000)

Barclays PLC (United Kingdom): $868 mil milhões ($868,000,000,000)

Bear Sterns: $853 mil milhões ($853,000,000,000)

Goldman Sachs: $814 mil milhões ($814,000,000,000)

Royal Bank of Scotland (UK): $541 mil milhões ($541,000,000,000)

JP Morgan Chase: $391 mil milhões ($391,000,000,000)

Deutsche Bank (Germany): $354 mil milhões ($354,000,000,000)

UBS (Switzerland): $287 mil milhões ($287,000,000,000)

Credit Suisse (Switzerland): $262 mil milhões ($262,000,000,000)

Lehman Brothers: $183 mil milhões ($183,000,000,000)

Bank of Scotland (United Kingdom): $181 mil milhões ($181,000,000,000)

BNP Paribas (France): $175 mil milhões ($175,000,000,000)

Wells Fargo & Co.: $159 mil milhões ($159,000,000,000)

Dexia SA (Belgium): $159 mil milhões ($159,000,000,000)

Wachovia Corporation: $142 mil milhões ($142,000,000,000)

Dresdner Bank AG (Germany): $135 mil milhões ($135,000,000,000)

Societe Generale SA (France): $124 mil milhões ($124,000,000,000)

Todos los demás: $2,6 bilhões ($ 2,639,000,000,000)


Total: $16.115 bilhões ($ 16.115.000.000.000)

Notas:


(1) A versão completa do informe da GAO pode ser consultada no: http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf


Maís informações: http://alainet.org


Agencia Latinoamericana de Información


 

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Oleh

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