Fábio Bezerra*
Mais de 100 Dias da Heróica Greve dos Trabalhadores em Educação de Minas.
A mais de cem dias, os trabalhadores em
educação de Minas Gerais travam uma batalha heróica em defesa da
carreira do magistério e pelo pagamento do Piso Salarial Nacional.
Iniciada em 08 de Junho, a Greve dos
educadores de Minas já é a mais longa da história da categoria e hoje
uma das mais longas greves do funcionalismo público brasileiro.
Mas o que chama a atenção a esse
processo não é a sua temporalidade, mas sim as condições nas quais o
movimento eclodiu e principalmente as reações do Governo tucano de
Antônio Augusto Anastasia e de toda a estrutura de poder e repressão a
serviço do Estado e da classe dominante.
Em 2010, o que chamo de Ensaio Geral, os
educadores de Minas entram em Greve questionando o fato de o Estado ter
o pior piso salarial de todos os Estados da Federação, pagando aos
profissionais do magistério a fabulosa bagatela de R$ 369,00!
Isso em um Estado que possui o 2º maior
PIB do Brasil e que teve a 2ª maior arrecadação em ICMS entre todos os
entes federativos.
A reivindicação era simples e baseada na
lei recentemente aprovada pelo congresso e sancionada pelo executivo; o
pagamento do PSN (Piso Salarial Nacional), criado no Governo Lula como
parâmetro para uma isonomia salarial e base para as carreiras do
magistério do ensino básico municipal e estadual em todo o país.
Porém, a mesma Lei do Piso traz consigo
contradições que são oportunistamente apropriadas por diversos governos a
fim de não cumprir o pagamento integral da mesma.
Ela condiciona o pagamento a uma jornada
de até 40 h/semanais para os servidores, o que no caso mineiro abre uma
prerrogativa ao Governo de alegar que já paga o piso devido ao fato de
em MG a jornada ser de 24h/semanais e dessa forma se aplicar a
proporcionalidade o que naquela época chegava ao patamar de R$ 545,00.
Mas o que muitos não sabem é que já em
2010 parte desses R$ 545,00 mantinham o piso de quase 10 anos, ou seja,
R$ 369,00 acrescidos de um abono que se chamava PRC (Parcela
Remuneratória Complementar), o que por sua vez causava outra
irregularidade, pois o Piso é integral e não comporta em sua
contabilidade abonos ou qualquer outro tipo de penduricalho aos quais o
Governo ao longo dos últimos 20 anos determinou como modelo de “reajuste
salarial”.
Para os menos desavisados, esses
penduricalhos não servem como patamar para biênios e quinquênios
incindirem na remuneração total, ou seja, as vantagens adquiridas com o
tempo de serviço incidem apenas no salário base, que é há mais de 10
anos R$ 369,00!
Mas voltando a Greve do Ensaio Geral, a
Greve de 2010; ela foi marcante e significativa, pois nunca na história
de Minas Gerais, nem em 1979 ou 1986 quando se tem os maiores registros
de greves dos educadores mineiros, uma greve foi tão atacada e combatida
pelo Governo e seu batalhão de serviçais arautos da moralidade e da
segurança pública.
Primeiro a costumeira ação deletéria da
pusilânime, nojenta e provincial impressa mineira, que parece ainda
viver nos tempos de Chateaubriand....
Esse pseudo quarto poder, nos perseguiu
de todas as formas possíveis e inimagináveis, atacando os educadores
como criminosos culpados pelas crianças estarem nas ruas, como
baderneiros que atrapalhavam o trânsito de BH e de outras cidades do
Estado, como insensíveis às contas públicas e a famigerada Lei de
Responsabilidade Fiscal e por fim como oportunistas por estarmos em
Greve em um ano eleitoral!
Poucas e raras foram as matérias isentas de juízo de valor contrário ao movimento.
Depois veio o leal escudeiro dos
Governos do PSDB, a Bem Conceituada Federação de Pais de MG, que só
aparece nos cerimoniais do Governo para puxar saco ou nos períodos de
Greve para criticar o movimento.
Mas até aqui nada de diferente do que já
presenciamos em outras Greves da educação, a não ser o fato de pela
primeira vez na história o Tribunal de Justiça ter sido acionado pelo
Governo e em menos de 48 horas dar um veredito de ilegalidade da greve e
a multa diária ao sindicato caso persistisse em manter o movimento.
Como disse anteriormente, nem no período da Ditadura em 1979 e nem em outras épocas o Governo de Minas chegou a tanto.
E qual a resposta da categoria?
Manteve a Greve, com muito mais vigor e
determinação. Tanta por sinal que após a assembleia ratificar por
unanimidade a continuação da Greve, seguiram em passeata, mais de cinco
mil manifestantes, em direção ao Palácio da Justiça para comunicar
pessoalmente aos juízes qual era a nossa decisão e se tivesse que
começar a demitir os 72 mil designados em educação de MG que começasse
por ali mesmo.
A própria Direção do Sindicato um dia
antes, já ciente da decisão judicial, balançou frente à ameaça de
demissão de todos (as) os (as) servidores contratados, mas por fim
prevaleceu o bom senso que esse debate deveria ser avaliado e decidido
pela categoria em luta.
E esta não titubeou!
Já naquele momento, não era apenas a
imprensa boca de latrina, os baba ovo e puxa saco do governo que acham
que falam em nome de pais, nem tão pouco os cassetetes, cães e cia Ltda.
da costumeira repressão militar, agora a justiça nos desafiava e nos
tentava subjugar.... E o que assistimos naquele momento foi uma das mais
belas aulas de luta de classes e tomada de consciência de um movimento
em si e seu real papel na sociedade, assim como qual é o real papel do
Estado, dos aparelhos ideológicos e do aparato repressivo.
Se há muito não se via um cenário onde
os atores políticos não assumiam os seus papéis na realidade
conjuntural, chego a dizer que a Greve de 2010 recolocou na ordem do dia
e no imaginário do movimento sindical a ideia e o sentido da luta de
classes.
Pois ao questionar o não cumprimento do
Piso Salarial Nacional, mesmo com as suas contradições, o movimento dos
educadores em Greve pôs o dedo na ferida das contas públicas do Estado e
das prioridades do Governo de Aécio Neves e Antônio Anastasia.
Prioridades estas que privilegiam as
mineradoras com renúncia fiscal, apesar de Minas ser a maior produtora
de minério de ferro do Brasil, que sobrecarrega a massa trabalhadora com
as mais altas taxas de ICMS do país e isenta as grandes indústrias
privadas instaladas em Minas.
Prioridades que sonegam recursos para os
serviços públicos desde o famigerado Choque de Gestão, com cortes e
redução de pessoal e investimentos, destinando volumosas quantias de
dinheiro público para a rolagem de juros de dívidas questionáveis e para
a fábrica de obras faraônicas que serviriam de outdoor para as
candidaturas do PSDB e seus aliados.
Lamentável foi e ainda o é a postura do
PT no Governo Federal, que se omitiu em retirar da Lei do Piso o
parágrafo ambíguo sobre as 40h/ semanais.
Chamo de Ensaio Geral a Greve de 2010,
pois ela reacendeu a perspectiva da luta na categoria e pode promover da
melhor maneira possível, ou seja, através da práxis política, do
exercício do confronto de posições e do aprendizado ontológico desse
processo, sendo um prelúdio do reencontro da categoria consigo mesmo e
com o seu potencial político de mobilização e de identidade de classe.
Se hoje os bravos educadores (as) de
Minas Gerais, mesmo que cansados e castigados pelo corte de salários
nos últimos dois meses, além de toda a angústia e do drama em viver no
fronte das ruas, o dia a dia da maior greve de todos os tempos do
funcionalismo público em Minas, chegam a cem dias de luta, podem ter
certeza que não são mais os mesmos.
São mais do que grevistas, pois na luta e
no combate diário que estão travando contra o governo, constituíram um
novo patamar de homens e mulheres conscientes de sua força, conscientes
de suas atribuições e principalmente enrijecidos pelas pancadas e
auguras do combate diuturno contra o poder do Estado e porque não dizer
do capital.
Um dos grandes companheiros que conheci
nas jornadas de lutas que travamos ao longo desses últimos anos, o
companheiro Euller Conrado, de maneira peculiar e muito fortuita cunhou
esse agrupamento de servidores guerrilheiros da defesa da educação
pública e da profissão de educador de Núcleo Duro da Greve.
E é assim que melhor classifico essa
brava gente: “O Núcleo Duro Da Greve”, pois como muro de arrimo, tanta
pancada vem suportando e a cada embate com o mar revolto consolida sua
firmeza e sua posição de resistência.
Certa ocasião o velho bolchevique e
líder da revolução russa, o camarada Vladimir Ulianov (Lênin) proferiu
em uma sessão nos Sovietes de Petrogrado a celebre frase que sintetiza a
ontologia do ser social sob a égide da luta contra o poder do capital e
seus agentes: “A Luta Muda o Homem que Luta”.
E é assim que compreendo, ao ver meus
companheiros de categoria, que se no passado tinham receios e dúvidas em
relação à luta por nossos direitos e dignidade, se descobrirem como
sujeitos históricos, agentes de transformação e que se transformaram em
soldados de uma guerra que já acontece às claras há muito tempo, mas
sempre era velada e escondida pela mídia, pela ignorância, pela
ideologia dominante e principalmente pela mediocridade e pelo medo.
Essa greve, caro leitor, é mais do que
uma greve pela valorização da educação... É mais do que uma greve de
resistência, pois essa categoria chegou ao fundo do posso e como dizia o
bom e velho Marx, no Manifesto Comunista: “(...) já não tem mais nada a
perder a não ser os grilhões que os acorrentam.” é mais do que uma
greve salarial!
Ela hoje atingiu um ponto culminante
entre o econômico e o ideológico, nem sempre comuns nos movimentos
reivindicatórios, dando condições de suporte da retomada do papel
político do movimento sindical na educação e de revigoramento do
conjunto dos movimentos sociais no Estado, pois num determinado momento,
a Greve dos Trabalhadores em Educação de Minas reluziu em si todo o
esplendor e sentido da luta política entre capital e trabalho, entre o
funcionalismo público e o autoritarismo do Estado, entre os pobres que
dependem de serviços públicos de qualidade e aqueles que se apoderaram
da máquina e das finanças do Estado, entre dois modelos de
governança... Atraindo para si os olhares, simpatia e apoio militante de
lideranças sindicais e movimentos sociais que isoladamente vinham, a
seu modo, travando pelejas contra a máquina do Governo e até mesmo, em
alguns casos, contra o imobilismo e o ceticismo tão comuns em épocas de
sindicalismo pelego e conciliações de classe.
Muitos questionam precipitadamente a
validade do movimento e se este de fato irá atingir os seus objetivos
econômicos, outros apostam no malogro de tão contaminados que estão pelo
senso comum de só enxergar resultados baseados em cifras.
Mas o que a burguesia desse Estado e seu
auto- comissariado sabem bem é que o germe da rebeldia, da
insubordinação, do questionamento mais agudo e crítico, da agitação
revolucionária de brasa quase imperceptível que existia, se tornou uma
labareda capaz de consumir todas as injúrias e ataques desesperados a
ponto de ser uma chama viva e reluzente que alimenta os sonhos, as
esperanças e quem sabe ilumine um novo trilhar de conquistas ao conjunto
da classe trabalhadora de Minas e do Brasil.
Não é a toa que o PSDB em Minas sob a
batuta de Antônio Anastasia, chamado por muitos de Anastasista, tenta
desesperadamente sufocar esse sopro de rebeldia, antes que contamine
mais e mais o conjunto do funcionalismo e antes que comece a derreter,
mais ainda, a frágil estátua de cera do Governo Aécio Neves proponente
candidato tucano às eleições de 2014.
Para a burguesia mineira e o PSDB- MG, a
derrota da Greve é agora uma questão de princípios, pois querem dar um
exemplo a toda a elite brasileira e em especial à burguesia paulista,
não apenas para salvar a imagem do modelo imposto em MG desde o período
de Aécio Neves, mas também como modelo de coerção e tratamento de
choque, especialidade desse governo no tratamento ao funcionalismo
público no Estado.
Mas quero aproveitar para ressaltar que
há entre nós, muitos pseudos amigos do povo, que se juntaram a nós
nesse momento por interesses eleitorais visando as disputas municipais
contra o PSDB e seus aliados e a disputa eleitoral entre PT e PSDB para
2014.
Os correligionários de Dilma, por
exemplo, nada ou quase nada fizeram para impedir a aprovação do
famigerado parágrafo que tanto tem servido de álibi a Secretaria de
Planejamento e Educação para dizer que em Minas o Piso é pago
proporcionalmente às 40 horas previstas na lei.
Mas enfim, são contradições as quais não
há como se evitar e que nesse momento temos que saber distinguir sem
nutrir falsas ilusões e expectativas.
Só a luta muda a vida e isso tem sido o
mais importante nessa tônica tenaz em que a Greve dos Educadores de
Minas vem construindo em nossas vidas e na vida política desse país.
E que ninguém nunca mais duvide do poder da classe trabalhadora!
*Professor de Filosofia e membro do CC do PCB.
E Que Ninguém Nunca Mais Duvide do Poder da Classe Trabalhadora
4/
5
Oleh
Rubens Ragone