21 de outubro de 2011

Não nasça, meu filho, é perigoso!

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Jacques Gruman
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A turma está na rua. Anteontem, manifestantes deram as caras em cerca de 950 cidades em 82 países. O chão já está fervendo há algum tempo. Gregos enfrentam a repressão desde o início do ano, todo santo dia. Estudantes chilenos continuam lutando contra os efeitos devastadores da privatização do ensino em seu país. Israelenses começaram acampando em Tel Aviv e, algum tempo depois, centenas de milhares gritavam contra a escalada de preços e a eliminação da proteção social aos trabalhadores. A classe média, e não só ela, está uma fera nos Estados Unidos. Os empregos estão indo p’ro brejo, as perspectivas de regressão na escala social aumentam. A revolta parece se universalizar. Será ?

Mário Quintana, meu poeta de cabeceira, disse que “a resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas”. Grande Mário. Neste momento, as respostas, amigo e amiga, estão, bobdylanamente, soprando no vento. Não há como garantir nada, e é bom ficar assim por algum tempo. Nada de encaixes forçados nos manuais de outrora. Nessas horas, melhor o curioso do que o categórico.

Primeira pergunta: por trás destas manifestações haverá uma intenção revolucionária ? Não parece. Tudo cheira, respeitadas as particularidades de cada país, a um imenso desabafo contra as várias formas, todas elas selvagens, de funcionamento do capitalismo. Muitas jamais saíram de cena, mas eram menos visíveis, menos debatidas, ou, digamos, mais contidas. Ganância ? Ora, será que estão reinventando a roda ? Aquele touro de bronze em Wall Street, símbolo chucro do vale-tudo, está lá há um tempão. A pirataria financeira, cada vez mais desregulada, flutuou acima do bem comum e, nos últimos 10 anos, sugou mais de 40% de todo o lucro do setor privado nos Estados Unidos. Segundo estudo de um economista do MIT, seis conglomerados financeiros controlam ativos equivalentes a 60% da economia norte-americana. Foi esta “exuberância irresponsável”, esta bolha em marcha, que revelou seus limites e espalha, desde 2008, destroços por economias antes consideradas sólidas. Parênteses: sólidas para os de cima da pirâmide.

Os ricos estão enriquecendo ? Uai, quando eu era pequeno lá em Barbacena, era isso que ensinavam na escola. Desde quando isso é novidade no capitalismo ? Talvez o que chame a atenção seja a radicalização deste processo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a renda da chamada classe média subiu 21%, entre 1979 e 2005. No mesmo período, a renda dos ricaços subiu 480%. Para essa gente, não tem crise. Lojas de grife, como a Nordstrom e a Neiman Marcus, estão com vendas aquecidas. Na Nordstrom, há uma lista de espera por casacos de tweed com lantejoulas de Chanel, que custam a bagatela de US$ 9.010. A Neiman Marcus esgotou quase todos os tamanhos de sapatos plataforma Bianca. Preço ? US$ 775 o par. A Mercedes-Benz está batendo recordes de vendas.

Segunda pergunta: o que pretendem os manifestantes ? Não dá para generalizar. Na introdução ao primeiro livro d’O Capital, Marx observa que não há atalhos para o conhecimento. O que nossos sentidos percebem é insuficiente para explicar a sociedade e descobrir os mecanismos que movimentam o mundo. Tudo é mediado por ideologias, que são, na correta visão marxista, uma espécie de reino das aparências. Ao protestar contra os banqueiros, os rebeldes enxergam a árvore mas ignoram a raiz e a floresta, confundem sintoma com causa. Percebem a pobreza (que, nos Estados Unidos, atingiu, 2010, o recorde de 46,2 milhões de pessoas, ou 15,1% da população), mas não a relacionam com a exploração do trabalho que caracteriza e define o capitalismo, e não apenas o financeiro. Neste primeiro momento, de raiva contra os pacotes de salvação da pele dos banqueiros, é natural que assim seja. No entanto, se ficar nisso e sem bandeiras revolucionárias, sem partidos que apontem alternativas reais, sem lideranças que enxerguem além do horizonte, o perigo é que, com o incrível poder de autorreforma que o capitalismo tem demonstrado, os protestos aos poucos se esvaziem. Num cenário sombrio, podemos ter revoltas contínuas, sem perspectiva de verdadeiras revoluções anticapitalistas.

No Brasilzão velho de guerra, como andam as coisas ? Marcio Pochmann, presidente do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, que é uma fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência da República, andou dizendo umas cositas: “As mansões pagam menos impostos que as favelas e estas ainda não têm serviços públicos como água, esgoto e coleta de lixo”. Traduzindo em números: os 10% mais pobres da população gastam 32,8% de sua renda para pagar impostos diretos e indiretos. Sabem quanto gastam os 10% mais ricos ? 22,7%. Primor de justiça social. Os banqueiros continuam nadando de braçada. A cada balanço publicado, lucros estratosféricos, muita champanhe. Quem está pagando a conta ? Com os movimentos sociais cooptados pelas numerosas boquinhas governamentais, ao que se soma a despolitização da sociedade (estimulada pelos governos petistas, que seguem um figurino conformista-burocrático; um dos slogans da campanha da Dilma foi “ela cuidará do povo”, lembram ?), sobra o quê ? Vassourinhas verde-amarelas, reminiscência janista do que há de mais atrasado na política nacional. O moralismo basbaque está derrotando a política. Saravá.

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