Guilherme Alves Coelho
São muitos e variados os
tipos e meios de manipulação em que a ideologia burguesa se foi
alicerçando ao longo do tempo. Um dos tipos mais importantes são os
mitos. Trata-se de um conjunto de falsas verdades, mera propaganda que,
repetidas à exaustão, acriticamente, ao longo de gerações, se tornam
verdades insofismáveis aos olhos de muitos.
Um comentário amargo, e frequente após
os períodos eleitorais, é o de que “cada povo tem o governo que merece”.
Trata-se de uma crítica errónea, que pode levar ao conformismo e à
inércia e castiga os menos culpados. Não existem maus povos. Existem
povos iletrados, mal informados, enganados, manipulados, iludidos por
máquinas de propaganda que os atemorizam e lhes condicionam o
pensamento. Todos os povos merecem sempre governos melhores.
A mentira e a manipulação são hoje armas
de opressão e destruição maciça, tão eficazes e importantes como as
armas de guerra tradicionais. Em muitas ocasiões são complementares
destas. Tanto servem para ganhar eleições como para invadir e destruir
países insubmissos.
São muitos e variados os tipos e meios
de manipulação em que a ideologia capitalista se foi alicerçando ao
longo do tempo. Um dos tipos mais importantes são os mitos. Trata-se de
um conjunto de falsas verdades, mera propaganda que, repetidas à
exaustão, acriticamente, ao longo de gerações, se tornam verdades
insofismáveis aos olhos de muitos. Foram criadas para apresentar o
capitalismo de forma credível perante as massas e obter o seu apoio ou
passividade. Os seus veículos mais importantes são a informação
mediática, a educação escolar, as tradições familiares, a doutrina das
igrejas, etc. (*)
Apresentam-se neste texto, sucintamente, alguns dos mitos mais comuns da mitologia capitalista.
• No capitalismo qualquer pessoa pode enriquecer à custa do seu trabalho.
Pretende-se fazer crer que o regime capitalista conduz automaticamente qualquer pessoa a ser rica desde que se esforce muito.
O objectivo oculto é obter o apoio
acrítico dos trabalhadores no sistema e a sua submissão, na esperança
ilusória e culpabilizante em caso de fracasso, de um dia virem a ser
também, patrões de sucesso.
Na verdade, a probabilidade de sucesso
no sistema capitalista para o cidadão comum é igual à de lhe sair a
lotaria. O “sucesso capitalista” é, com raras excepções, fruto da
manipulação e falta de escrúpulos dos que dispõem de mais poder e
influência. As fortunas em geral derivam directamente de formas
fraudulentas de actuação.
Este mito de que o sucesso é fruto de
uma mistura de trabalho afincado, alguma sorte, uma boa dose de fé e
depende apenas da capacidade empreendedora e competitiva de cada um, é
um dos mitos que tem levado mais gente a acreditar no sistema e a
apoiá-lo. Mas também, após as tentativas falhadas, a resignarem-se pelo
aparente falhanço pessoal e a esconderem a sua credulidade na
indiferença. Trata-se dos tão apregoados empreendedorismo e
competitividade.
• O capitalismo gera riqueza e bem-estar para todos
Pretende-se fazer crer que a fórmula
capitalista de acumulação de riqueza por uma minoria dará lugar, mais
tarde ou mais cedo, à redistribuição da mesma.
O objectivo é permitir que os patrões
acumulem indefinidamente sem serem questionados sobre a forma como o
fizeram, nomeadamente sobre a exploração dos trabalhadores. Ao mesmo
tempo mantêm nestes a esperança de mais tarde serem recompensados pelo
seu esforço e dedicação.
Na verdade, já Marx tinha concluído nos
seus estudos que o objectivo final do capitalismo não é a distribuição
da riqueza mas a sua acumulação e concentração. O agravamento das
diferenças entre ricos e pobres nas últimas décadas, nomeadamente após o
neo-liberalismo, provou isso claramente.
Este mito foi um dos mais difundidos
durante a fase de “bem-estar social” pós guerra, para superar os estados
socialistas. Com a queda do émulo soviético, o capitalismo deixou
também cair a máscara e perdeu credibilidade.
• Estamos todos no mesmo barco.
Pretende-se fazer crer que não há
classes na sociedade, pelo que as responsabilidades pelos fracassos e
crises são igualmente atribuídas a todos e portanto pagas por todos.
O objectivo é criar um complexo de culpa
junto dos trabalhadores que permita aos capitalistas arrecadar os
lucros enquanto distribui as despesas por todo o povo.
Na verdade, o pequeno numero de
multimilionários, porque detém o poder, é sempre auto-beneficiado em
relação à imensa maioria do povo, quer em impostos, quer em tráfico de
influências, quer na especulação financeira, quer em off-shores, quer na
corrupção e nepotismo, etc. Esse núcleo, que constitui a classe
dominante, pretende assim escamotear que é o único e exclusivo
responsável para situação de penúria dos povos e que deve pagar por
isso.
Este é um dos mitos mais ideológicos do capitalismo ao negar a existência de classes.
• Liberdade é igual a capitalismo.
Pretende-se fazer crer que a verdadeira
liberdade só se atinge com o capitalismo, através da chamada
auto-regulação proporcionada pelo mercado.
O objectivo é tornar o capitalismo uma
espécie de religião em que tudo se organiza em seu redor e assim afastar
os povos das grandes decisões macro-económicas, indiscutíveis. A
liberdade de negociar sem peias seria o máximo da liberdade.
Na verdade, sabe-se que as estratégias
político económicas, muitas delas planeadas com grande antecipação, são
quase sempre tomadas por um pequeno número de pessoas poderosas, à
revelia dos povos e dos poderes instituídos, a quem ditam as suas
orientações. Nessas reuniões, em cimeiras restritas e mesmo secretas,
são definidas as grandes decisões financeiras e económicas conjunturais
ou estratégicas de longo prazo. Todas, ou quase todas essas resoluções,
são fruto de negociações e acordos mais ou menos secretos entre os
maiores empresas e multinacionais mundiais. O mercado é pois manipulado e
não auto-regulado. A liberdade plena no capitalismo existe de facto,
mas apenas para os ricos e poderosos.
Este mito tem sido utilizado pelos
dirigentes capitalistas para justificar, por exemplo, intervenções em
outros países não submissos ao capitalismo, argumentando não haver neles
liberdade, porque há regras.
• Capitalismo igual a democracia.
Pretende-se fazer crer que apenas no capitalismo há democracia.
O objectivo deste mito, que é
complementar do anterior, é impedir a discussão de outros modelos de
sociedade, afirmando não haver alternativas a esse modelo e todos os
outros serem ditaduras. Trata-se mais uma vez da apropriação pelo
capitalismo, falseando-lhes o sentido, de conceitos caros aos povos,
tais como liberdade e democracia.
Na realidade, estando a sociedade
dividida em classes, a classe mais rica, embora seja ultra minoritária,
domina sobre todas as outras. Trata-se da negação da democracia que, por
definição, é o governo do povo, logo da maioria. Esta “democracia” não
passa pois de uma ditadura disfarçada. As “reformas democráticas” não
são mais que retrocessos, reacções ao progresso. Daí deriva o termo
reaccionário, o que anda para trás.
Tal como o anterior este mito também serve de pretexto para criticar e atacar os regimes de países não capitalistas.
• Eleições igual a Democracia.
Pretende-se fazer crer que o acto eleitoral é o sinonimo da democracia e esta se esgota nele.
O objectivo é denegrir ou diabolizar e
impedir a discussão de outros sistemas politico-eleitorais em que os
dirigentes são estabelecidos por formas diversas das eleições burguesas,
como por exemplo pela idade, experiencia, aceitação popular, etc.
Na verdade é no sistema capitalista, que
tudo manipula e corrompe, que o voto é condicionado e as eleições são
actos meramente formais. O simples facto da classe burguesa minoritária
vencer sempre as eleições demonstra o seu carácter não representativo.
O mito de que, onde há eleições há democracia, é um dos mais enraizados, mesmo em algumas forças de esquerda.
• Partidos alternantes igual a alternativos.
Pretende-se fazer crer que os partidos burgueses que se alternam periodicamente no poder têm políticas alternativas.
O objectivo deste mito é perpetuar o
sistema dentro dos limites da classe dominante, alimentando o mito de
que a democracia está reduzida ao acto eleitoral.
Na verdade este aparente sistema pluri
ou bi-partidário é um sistema mono-partidário. Duas ou mais facções da
mesma organização política, partilhando políticas capitalistas idênticas
e complementares, alternam-se no poder, simulando partidos
independentes, com políticas alternativas. O que é dado escolher aos
povos não é o sistema que é sempre o capitalismo, mas apenas os agentes
partidários que estão de turno como seus guardiões e continuadores.
O mito de que os partidos burgueses têm
politicas independentes da classe dominante, chegando até a ser opostas,
é um dos mais propagandeados e importantes para manter o sistema a
funcionar.
• O eleito representa o povo e por isso pode decidir tudo por ele.
Pretende-se fazer crer que o político, uma vez eleito, adquire plenos poderes e pode governar como quiser.
O objectivo deste mito é iludir o povo com promessas vãs e escamotear as verdadeiras medidas que serão levadas à prática.
Na verdade, uma vez no poder, o eleito
auto-assume novos poderes. Não cumpre o que prometeu e, o que é ainda
mais grave, põe em prática medidas não enunciadas antes, muitas vezes em
sentido oposto e até inconstitucionais. Frequentemente são eleitos por
minorias de votantes. A meio dos mandatos já atingiram índices de
popularidade mínimos. Nestes casos de ausência ou perda progressiva de
representatividade, o sistema não contempla quaisquer formas
constitucionais de destituição. Esta perda de representatividade é uma
das razões que impede as “democracias” capitalistas de serem verdadeiras
democracias, tornando-se ditaduras disfarçadas.
A prática sistemática deste processo de
falsificação da democracia tornou este mito um dos mais desacreditados,
sendo uma das causas principais da crescente abstenção eleitoral.
• Não há alternativas à política capitalista.
Pretende-se fazer crer que o
capitalismo, embora não sendo perfeito, é o único regime
politico/económico possível e portanto o mais adequado.
O objectivo é impedir que outros
sistemas sejam conhecidos e comparados, usando todos os meios, incluindo
a força, para afastar a competição.
Na realidade existem outros sistemas
politico económicos, sendo o mais conhecido o socialismo cientifico.
Mesmo dentro do capitalismo há modalidades que vão desde o actual
neo-liberalismo aos reformistas do “socialismo democrático” ou
social-democrata.
Este mito faz parte da tentativa de
intimidação dos povos de impedir a discussão de alternativas ao
capitalismo, a que se convencionou chamar o pensamento único.
• A austeridade gera riqueza
Pretende-se fazer crer que a culpa das
crises económicas é originada pelo excesso de regalias dos
trabalhadores. Se estas forem retiradas, o Estado poupa e o país
enriquece.
O objectivo é fundamentalmente
transferir para o sector publico, para o povo em geral e para os
trabalhadores a responsabilidade do pagamento das dividas dos
capitalistas. Fazer o povo aceitar a pilhagem dos seus bens na crença de
que dias melhores virão mais tarde. Destina-se também a facilitar a
privatização dos bens públicos, “emagrecendo” o Estado, logo “poupando”,
sem referir que esses sectores eram os mais rentáveis do Estado, cujos
lucros futuros se perdem desta forma.
Na verdade, constata-se que estas
politicas conduzem, ano após ano, a uma empobrecimento das receitas do
Estado e a uma diminuição das regalias, direitos e do nível de vida dos
povos, que antes estavam assegurados por elas.
• Menos Estado, melhor Estado.
Pretende-se fazer crer que o sector privado administra melhor o Estado que o sector público.
O objectivo dos capitalistas é, “dourar a
pílula” para facilitar a apropriação do património, das funções e dos
bens rentáveis dos estados. É complementar do anterior.
Na verdade o que acontece em geral é o
contrário: os serviços públicos privatizados não só se tornam piores,
como as tributações e as prestações são agravadas. O balanço dos
resultados dos serviços prestados após passarem a privados é quase
sempre pior que o anterior. Na óptica capitalista a prestação de
serviços públicos não passa de mera oportunidade de negócio. Neste mito é
um dos mais “ideológicos” do capitalismo neoliberal. Nele está
subjacente a filosofia de que quem deve governar são os privados e o
Estado apenas dá apoio.
• A actual crise é passageira e será resolvida para o bem dos povos.
Pretende-se fazer crer que a actual
crise económico-financeira é mais uma crise cíclica habitual do
capitalismo e não uma crise sistémica ou final.
O objectivo dos capitalistas, com
destaque para os financeiros, é continuarem a pilhagem dos Estados e a
exploração dos povos enquanto puderem. Tem servido ainda para alguns
políticos se manterem no poder, alimentando a esperança junto dos povos
de que melhores dias virão se continuarem a votar neles.
Na verdade, tal como previu Marx, do que
se trata é da crise final do sistema capitalista, com o crescente
aumento da contradição entre o carácter social da produção e o lucro
privado até se tornar insolúvel.
Alguns, entre os quais os “socialistas” e
sociais-democratas, que afirmam poder manter o capitalismo, embora de
forma mitigada, afirmam que a crise deriva apenas de erros dos
políticos, da ganância dos banqueiros e especuladores ou da falta de
ideias dos dirigentes ou mecanismos que ainda falta resolver. No
entanto, aquilo a que assistimos é ao agravamento permanente do nível de
vida dos povos sem que esteja à vista qualquer esperança de melhoria.
Dentro do sistema capitalista já nada mais há a esperar de bom.
Nota final:
O capitalismo há-de acabar, mas só por
si tal decorrerá muito lentamente e com imensos sacrifícios dos povos.
Terá que ser empurrado. Devem ser combatidas as ilusões, quer daqueles
que julgam o capitalismo reformável, quer daqueles que acham que quanto
pior melhor, para o capitalismo cairá de podre, O capitalismo tudo fará
para vender cara a derrota. Por isso quanto mais rápido os povos se
libertarem desse sistema injusto e cruel mais sacrifícios inúteis se
poderão evitar.
Hoje, mais do que nunca, é necessário
criar barreiras ao assalto final da barbárie capitalista, e inverter a
situação, quer apresentando claramente outras soluções politicas, quer
combatendo o obscurantismo pelo esclarecimento, quer mobilizando e
organizando os povos.
(*) Os mitos criados pelas religiões
cristãs têm muito peso no pensamento único capitalista e são avidamente
apropriados por ele para facilitar a aceitação do sistema pelos mais
crédulos. Exemplos: “A pobreza é uma situação passageira da vida
terrena”. “Sempre houve ricos e pobres”. “O rico será castigado no juízo
final”. “Deve-se aguentar o sofrimento sem revolta para mais tarde ser
recompensado.”
12 mitos do capitalismo
4/
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Oleh
Rubens Ragone