Discurso de Nikos Seretakis (PC da Grécia)
Seminário sobre os 140 anos da Comuna do Paris
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, 14/09/2011)
Caros amigos;
Em nome do KKE (Partido Comunista de
Grécia), gostaria de agradecê-los por seu gentil convite para participar
e contribuir neste seminário importante sobre os 140 anos da Comuna de
Paris.
Aproveito esta oportunidade para
agradecer todos os camaradas, trabalhadores e jovens do Brasil que
manifestam sua solidariedade com as lutas do KKE e da PAME (Frente
Militante de Todos os Trabalhadores), o movimento sindical classista em
nosso país.
O tema que este seminário aborda é de
grande importância teórica, política e prática, especialmente em
condições de crise capitalista, porque o estudo das experiências,
positivas e negativas, das revoluções anteriores e da construção
socialista, a defesa das leis do desenvolvimento do socialismo e a
defesa da contribuição histórica da União Soviética e em geral do
socialismo no século XX, são condições imprescindíveis para construir
hoje uma estratégia revolucionária, cientificamente elaborada.
O legado político da Comuna de Paris
O grande heroísmo de homens, mulheres e
até crianças que deram suas vidas por uma nova sociedade no primeiro
assalto operário ao céu, a experiência da Comuna de Paris e as lições
tiradas do curso dos 72 dias do primeiro poder operário no mundo,
continuam vigentes.
A burguesia mostrou-se capaz de cometer
os maiores crimes, a fim de salvar o poder do capital. Optou por se
aliar aos invasores do exército prussiano, para massacrar a classe
trabalhadora de Paris. Provou que tinha deixado para trás
definitivamente seu papel progressista anterior.
A principal lição das experiências da Comuna de Paris é, como escreveu Marx, que "a
classe operária não pode simplesmente tomar posse da máquina estatal
existente e colocá-la em movimento para os seus próprios fins." Ao contrário, como afirmou Lenin, "a classe operária deve quebrar, destruir a “máquina do Estado", não se limitando apenas a se assenhorear dela ". A ditadura do proletariado, o poder mais democrático até quando haja estado, em vez da ditadura do capital.
A segunda lição fundamental que a
história da Comuna nos ensina é que o novo poder deve começar
imediatamente "a expropriação dos expropriadores", isto é, a
socialização dos meios de produção concentrados.
A Comuna de Paris dá resposta a todos os
derrotistas e conformistas que consideram a correlação de forças como
algo estático, que fecham os olhos à objetiva agudização das
contradições e a maturação da luta de classes.
Finalmente, a história da Comuna ensina,
através da experiência de sua derrota, que o proletariado deve ter
estratégia e tática com base científica, conhecimento profundo das leis
que regem a luta de classes. Esta tarefa pode ser realizada apenas por
um partido comunista com teoria revolucionária, em conflito com a
ideologia burguesa, o reformismo e o oportunismo.
Estas conclusões têm importância vital
para o movimento revolucionário. Foram confirmados pelas experiências
seguintes, ou seja, da Grande Revolução de Outubro, na Russia, da
Revolução Cubana e da construção socialista no século passado. As lições
extraídas das experiências das revoluções e contra-revoluções, dos
êxitos e retrocessos nos dão força para a luta que travamos hoje.
Avançamos para o futuro ensinados pelo passado.
Essas experiências tiram ilusões de que
seja possível um governo colocar o Estado burguês a serviço dos
interesses do povo. Tais ilusões custaram caro ao movimento popular no
passado (como no caso do Chile) e hoje em dia tornam-se ainda mais
perigosas, sendo que o movimento operário encontra-se perante desafios
muito grandes, onde a escolha entre a linha de ruptura e a adaptação
determinará a direção dos acontecimentos.
As contra-revoluções, os retrocessos do
socialismo na União Soviética e em outros países socialistas, não
alteram o caráter da nossa época, como época da transição do capitalismo
para o socialismo.
A necessidade da revolução socialista, a
derrubada do capitalismo e a construção da nova formação
sócio-econômica comunista, não é determinada pela correlação de forças
num dado momento histórico, mas pela exigência histórica da resolução da
contradição fundamental entre o capital e o trabalho, a abolição da
exploração do homem pelo homem, a abolição das classes.
A Crise Capitalista e as Lutas na Grécia
Permitam-me apresentar alguns aspectos
da luta atual do KKE que talvez sejam interessantes para vocês, do ponto
de vista da troca de experiências.
A crise econômica capitalista encontrou
o KKE ideológica e politicamente preparado, em razão de nossas
análises sobre as seguintes questões:
- o desenvolvimento do capitalismo grego, nas condições da sua incorporação à União Européia;
- a política de alianças, que aperfeiçoamos e que se baseia na estrutura social e de classes do país;
- o trabalho que desenvolvemos nos
últimos dezoito anos para tirarmos conclusões científicas sobre a
construção socialista no século XX e sobre as causas da vitória da
contra-revolução, particularmente aquelas de caráter interno.
O KKE enfatizou, desde o primeiro
momento, que a crise atual é uma crise de superprodução capitalista, que
exprime a agudização da contradição principal do capitalismo. Mostrou
que as medidas antipopulares expressaram necessidades do capital para
assegurar sua competitividade e rentabilidade.
O nosso Partido chamou atenção para as
contradições dentro da União Européia, os conflitos entre as potências
imperialistas principais e com as forças capitalistas emergentes, como a
China – onde todos os fatos provam que as relações de produção
capitalista já predominam - a Índia, o Brasil, o papel da Rússia, etc.
Mais de 20 greves gerais no âmbito
nacional foram organizadas com êxito, de 2010 até agora, além de
inúmeras greves por ramos, setores e empresas, manifestações, ocupações,
com a participação de centenas de milhares de trabalhadores.
Os comunistas estão na vanguarda destas
batalhas, lutando nas fileiras da PAME, que congrega todos os
Sindicatos, Federações, Centros Laborais e Comitês de Luta das empresas e
setoriais de orientação classista, envolvendo milhares de
trabalhadores.
A organização das lutas se faz em
condições de polêmica aguda com as forças do sindicalismo a serviço do
patronato, com as direções das confederações gerais no setor privado e
público, cujas maiorias são compostas por quadros do PASOK (partido
socialdemocrata, atualmente no poder) e da ND (partido liberal) tendo,
ao mesmo tempo, o apoio das forças oportunistas. Este bloco constitui
um pilar para a estratégia do capital. Defende a União Européia, semeia
ilusões e mistificações e cultiva a colaboração de classes.
Organização Nos Locais do Trabalho – Aliança Social
Tomamos medidas adicionais para
consolidar a intervenção do partido e realizar trabalho de massas nas
fábricas e na indústria em geral, porque aqui se coloca o terreno
principal da luta e serão decididos o desenvolvimento da luta de classes
e a perspectiva das alianças sociais. Neste quadro, procedemos a uma
reestruturação interna na organização dos membros do Partido e à
unificação das organizações partidárias que têm um campo de ação
unificado.
Colocamos a questão do reagrupamento do
movimento operário como questão ainda mais urgente. Elaboramos um quadro
de ação e de revindicações comuns para o movimento operário e sua
aliança com as camadas médias mais pobres, os autônomos, os artesãos, os
pequenos comerciantes e agricultores, os movimentos da juventude e das
mulheres.
Déramos impulso à formação duma aliança
social a nível nacional na base desse quadro comum de objectivos de
luta. É um acontecimento que se dá pela primeira vez na Grécia em tal
direção. Esta iniciativa tomada pela PAME foi apoiada pela Frente
Militante dos Camponeses (PASY), a Frente Antimonopolista dos
Trabalhadores por conta própria e Pequenos Comerciantes (PASEVE). Este
agrupamento alargou-se com a participação da Frente de Luta dos
Estudantes (MAS) e a Federação das Mulheres Gregas (OGE). Nasceu assim
um núcleo da aliança social sustentada em organizações e forças
classistas e radicais. Isto levou à formação de comités populares desta
aliança em bairros, comités de luta em locais de trabalho etc.
Nós queremos que os comités populares
sejam formados de maneira bem preparada, através de amplos processos de
massas, que não sejam uma mera “etiqueta”. Que se dirijam às mais vastas
massas populares em volta de problemas específicos ou de um conjunto de
problemas. Cada parte constituinte desta aliança (sindicato, associação
de mulheres, outra organização) continua a sua atividade no seu campo
ou setor, em locais de trabalho, zonas industriais, bairros,
universidades e escolas. Não se trata de um agrupamento temporário, mas
de uma força que facilita a entrada dos trabalhadores e outras camadas
populares à luta organizada numa direção antimonopolista e
antiimperialista.
O êxito e força desta aliança jogam-se
nas fábricas, nos locais de trabalho, onde o conflito entre o trabalho e
o capital se expressa clara e directamente. Tem havido já alguns
resultados positivos na readmissão de trabalhadores despedidos, no
pagamento de salários e indenizações e na ligação da eletricidade a
famílias que não pagaram as faturas, devido à sua pobreza. Têm-se dado e
continuam a dar-se importantes mobilizações pela abolição dos pedágios
nas auto-estradas, os novos impostos, as problemas da saúde, contra o
fechamento de escolas e outros.
Reivindicações e Politização da Luta
Prestamos cuidado imenso às
reivindicações do movimento operário. As lutas que se limitam a certas
reivindicações parciais, cujo objetivo é mitigar as consequências da
crise, não são eficazes; os governos mostram dureza, correm riscos,
contudo, não podem fazer as concessões que faziam no passado.
Cada luta por questões específicas deve
contribuir na organização, concentração e preparação das forças
populares para a derrubada do sistema explorador, e abrir o caminho para
o poder do povo e a economia do povo, para o socialismo.
O critério nosso é se as exigências
forem ao encontro das necessidades atuais dos trabalhadores. Ponto de
partida é a afirmação de que a classe operária é a produtora da riqueza e
deve reivindicá-la. Desta maneira, elevamos a exigência dos
trabalhadores, promovemos a consciência dos interesses de classe comuns
entre as camadas populares e forjamos a aliança social.
Existe hoje uma oportunidade histórica
no terreno da incessante luta de classes: dirigir o pensamento e a ação
dos povos em luta – sob a direção da classe operária – para o poder da
classe trabalhadora. Deve-se entender que, se mesmo num determinado
país, for eleita pelo povo uma maioria parlamentar favorável aos
trabalhadores e se nessa base se formar um governo, este não será capaz
de ultrapassar os limites das leis básicas do capitalismo se não
resolver as questões da socialização dos principais meios de produção,
da desvinculação do país da União Europeia e da OTAN, da planificação da
economia e do estabelecimento do controle operário. É uma oportunidade
para amadurecer a ideia de que é imperativa a mudança da classe que
detém o poder estatal e não apenas uma mudança de governo.
A Proposta Politica do KKE
Α proposta
politica do KKE resume-se à consigna: Frente Democrática,
Anti-Imperialista, Anti-Monopolista pelo poder popular e economia
Popular.
Para que a economia popular possa
existir, visando satisfazer as necessidades da população e não às
necessidades do lucro, é necessário resolver a questão da propriedade.
Isto implica: mudança nas relações
sociais de propriedade, historicamente ultrapassadas, que determinam o
sistema politico. Socialização dos meios de produção básicos e
concentrados nas seguintes áreas: energia, telecomunicações, riqueza
mineral, mineração, indústria, abastecimento e distribuição de água,
transportes. Socialização do sistema bancário, do sistema de extração,
transporte e gestão dos recursos naturais; do comércio exterior;
construção de uma rede centralizada de comércio interno. Sistemas
exclusivamente públicos, gratuitos e universais de educação, saúde, de
bem estar e de previdência social.
Ao lado do setor socializado, poderá se
formar um setor de cooperativas de produção em nível de pequena
agricultura, em ramos onde a concentração tenha um nível baixo. Ambos
setores estarão incluídos num mecanismo central de planejamento
econômico.
O planejamento central é imprescindível
para que se formulem as escolhas e os objetivos estratégicos, para
priorizar setores e ramos da produção, para determinar aonde nossas
forças e nossos meios deverão ser concentrados. É uma necessidade que
deriva do próprio desenvolvimento social.
Que Poder Pode Assegurar Um Tal Rumo de Desenvolvimento
Hoje é possível agrupar a classe
operária, camadas intermédias da cidade e do campo, todos os
trabalhadores apesar do nível de acordo com a concepção do KKE sobre o
socialismo, em torno de reivindicações e de objetivos anti-imperialistas
e antimonopolistas. No âmbito da aliança popular podem existir forças
com diferentes concepções sobre o poder. Para nós comunistas, o poder
popular não pode ser outro senão o poder da classe operária, o poder
socialista.
O nosso partido em seu 18º congresso
enriqueceu sua concepção programática sobre o socialismo, utilizando as
conclusões sobre a construção do socialismo na URSS durante o século XX.
O Estado revolucionário da classe
operária, a ditadura do proletariado, tem o dever de obstruir as
tentativas da classe burguesa e da reação internacional para restaurar o
domínio do capital. Tem o dever de criar uma sociedade nova com a
abolição da exploração do homem pelo homem. As suas funções
organizativa, cultural, política, educacional e defensiva são guiadas
pelo Partido da classe operária. Dará expressão a uma forma mais elevada
de democracia, tendo como característica fundamental a participação
enérgica da classe operária, do povo, na resolução dos problemas básicos
da construção da sociedade socialista e no controle do poder de Estado e
dos seus órgãos. É um órgão da classe operária na luta de classes, que
continua através de outras formas e sob novas condições.
O centralismo democrático é princípio
fundamental do Estado socialista. É indispensável que o exercício do
controle operário seja garantido na prática.
O poder revolucionário da classe
operária basear-se-á nas instituições que nascerão da luta
revolucionária. As instituições parlamentares burguesas serão
substituídas por novas instituições do poder operário.
O poder de Estado da classe operária
será baseado nas unidades de produção, nos locais de trabalho, através
dos quais a classe operária exercerá o controle social da administração e
eleger a maioria dos representantes para os órgãos de poder (outras
vias de eleição são as escolas e faculdades, as organizações de massas e
das mulheres).
A representação das cooperativas de
agricultores e de pequenos produtores autónomos assegura sua aliança com
a classe operária. O poder popular cuida da composição social dos
órgãos em todos os níveis e em particular dos órgãos superiores do
poder.
O mais alto órgão do poder de Estado
será um organismo de trabalho – que legislará e governará ao mesmo tempo
– investido dos poderes executivo e legislativo dentro do seu âmbito de
competências. Não é um parlamento, os seus representantes não são
permanentes, podem ser destituídos, não se desligam da produção e não
têm nenhum benefício económico especial pela sua participação nos órgãos
de poder do Estado.
As conclusões sobre o caráter do poder
popular, a importância da organização dos trabalhadores nos locais do
trabalho constituem provisões valiosas. Nos dão força, nos ajudam na
luta quotidiana, reforçando a nossa orientação principal para a
organização da classe operária dentro das empresas e dos locais do
trabalho e a consciência sobre os limites objetivos que têm as
instituições e as estruturas que o movimento operário desenvolve nos
marcos do capitalismo, promovendo formas da aliança popular que puderem,
em viragens da luta de classes, tornarem-se embriões do novo poder.
Estimados amigos e camaradas,
Temos a convicção firme de que o século
XXI será marcado por uma nova onda de revoluções socialistas ou seja,
como o grande poeta comunista grego Yianis Ritsos afirmou, vivemos «o
último século antes do homem».
Discurso de Nikos Seretakis (PC da Grécia)
4/
5
Oleh
Rubens Ragone