12 de junho de 2013

Os comunistas e a redução da maioridade penal


Peter Maahs*
Nós, comunistas, diante da manifestação aparentemente  consensual sobre a necessidade da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, como solução para a delinquência infanto-juvenil, não poderíamos deixar de manifestar nosso posicionamento contrário a tal proposição. Entendemos que qualquer medida de contenção da violência em nosso país deve ser precedida por uma discussão séria e qualificada que, atacando as verdadeiras raízes do problema, não utilize nossa juventude como álibi para justificar a omissão do Estado e os interesses econômicos inconsequentes de uma minoria privilegiada. A nosso ver, os últimos acontecimentos envolvendo crimes cometidos por adolescentes conduziram o debate sobre diminuição da maioridade penal para o campo da marginalização da juventude e do oportunismo eleitoreiro.
Por exemplo, a pesquisa divulgada pela Folha de São Paulo, no dia 17/04/13, segundo a qual 93% dos paulistanos desejariam a redução da maioridade penal, é tendenciosa e expressa, na verdade, a opinião e os interesses de uma parcela ínfima da sociedade. Parcela esta que, maliciosamente, almeja influenciar a opinião pública, em detrimento do conjunto da sociedade, para que seus interesses particulares sejam legitimados como vontade da maioria. No geral, a forma como a delinquência infanto-juvenil vem sendo abordada em nada contribui para a compreensão da gênese desse problema, já que vinte anos de descaso com políticas públicas integradas para a juventude no Estado de São Paulo não são objeto de crítica da grande imprensa; talvez porque o grupo político responsável por esse descaso seja o mesmo grupo ligado à grande imprensa paulista.
Inicialmente, poderíamos dizer que a referida pesquisa nasce morta, pois comete um erro metodológico crasso: a aplicação da enquete logo após um evento de grande comoção pública, como foi o assassinato do jovem Victor Hugo Deppman (19), cometido por um adolescente de dezessete anos, três dias antes de completar a maioridade penal. O impacto da notícia induz, inevitavelmente, à criminalização da infância e da adolescência, impedindo uma reflexão séria sobre a relação entre o número de casos desse tipo e suas motivações. É importante frisar que esse tipo de erro metodológico parece ser comum na redação da Folha de São Paulo. Em 2003, outro levantamento desse tipo foi realizado logo após o assassinato do casal de namorados Liana Friedenbach (16) e Felipe Caffé (19), pelo adolescente conhecido como Champinha (16). Na época, a pesquisa revelou que 88 % da população paulistana defendia a redução da maioridade penal.
Seja como for, a grande imprensa de São Paulo (Globo, Folha, Veja, Estadão) continua sua campanha preconceituosa, tendenciosa e irresponsável, ressaltando notícias sobre crimes violentos cometidos por adolescentes. Crimes como o assassinato da dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza, no ABC paulista, e o estupro de uma mulher em um ônibus no Rio de Janeiro, cometidos por adolescentes (de 17 e 16 anos, respectivamente), criam a atmosfera ideal para que os verdadeiros interesses de grupos política e economicamente privilegiados sejam assumidos como vontade geral da sociedade.
Mas, que interesses seriam estes? O primeiro deles faz parte da própria concepção de mundo de nossas elites, concepção de mundo eugênica, que resolvem as contradições do desenvolvimento urbano eliminando, literalmente, os “problemas sociais” das vistas da sociedade; trata-se de uma política fascista, que visa se livrar dos “estorvos” para que a “gente de bem” possa viver sem ser perturbada. Um dos exemplos desse modo elitista de pensar foi a “solução” dada pela prefeitura de São Paulo para o problema dos mendigos que se alojavam sob viadutos e marquises da cidade. Quando José Serra foi prefeito, foram instaladas as rampas antimendigos - blocos de cimento que impediam a ocupação dos espaços por moradores de rua; na administração Kassab, por sua vez, além da proibição do sopão noturno de inverno, foram tomadas medidas ainda mais preconceituosas e violentas, como a ordem para que a Guarda Civil Metropolitana tomasse à força os colchões e cobertores doados aos mendigos pela população. Ou seja, o problema da indigência, longe de ser resolvido, foi apenas deslocado, gerando a impressão de eficiência que a administração municipal desejava causar no munícipe/eleitor.
O outro tipo de interesse é, obviamente, aquele ligado à manutenção do poder político. O ar de organização e seriedade, de solução rápida e simples de um problema, pode render votos nas eleições; trata-se, aqui, da boa e velha demagogia.
Foi nesse sentido que, apesar de negar peremptoriamente o oportunismo eleitoreiro, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi a Brasília, em 16 de abril último, reuniu-se com o presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), para defender o projeto de lei que, apresentado pelo líder do PSDB na Câmara, o deputado Carlos Sampaio (SP), altera o ECA e o Código Penal, aumentando o rigor para crimes cometidos por adolescentes. Tal projeto de lei defende o aumento do tempo de internação de três para oito anos, em casos graves e de reincidência, cumprimento da pena em regime diferenciado após 18 anos completos, ou seja, separação entre internos menores e maiores de 18 anos, e, finalmente, a possibilidade de permanência de internação em caso de doença mental comprovada, que ofereça riscos à sociedade. O projeto defende também maior rigor para o adulto que cooptar o menor para a prática criminosa.
Mas qual seria então a solução para conter a escalada da violência no Brasil? Devemos cruzar os braços e esperar uma solução espontânea? Evidentemente que não! Defendemos ações que partam das origens do fenômeno social. Para encontrarmos as raízes do problema, é preciso analisar a questão a partir de dados objetivos, de realidades concretas, da experiência prática. Assim, é importante conhecermos alguns dados quantitativos sobre a juventude brasileira e sua parcela marginalizada.
Segundo o IBGE, em 2010, os jovens entre 15 e 17 anos de idade perfaziam aproximadamente 5,1% da população brasileira, algo em torno de 9.700.000 pessoas. Comparando os dados gerais do IBGE com dados mais específicos, como os do Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente (Ilanud), em São Paulo, é possível dimensionar mais claramente o problema da delinquência infanto-juvenil entre nós. O Ilanud apresentou os resultados de uma pesquisa realizada em São Paulo entre junho de 2.000 e abril de 2.001 e constatou que 2.100 adolescentes foram acusados por delitos no período. Destes, 34, ou 1,6%, havia cometido algum crime contra a vida, como homicídio. Ou seja, a maior parte dos delitos cometidos por adolescentes está relacionada a crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas, o que indica falta de políticas públicas de educação, saúde, assistência social, esporte, lazer, distribuição de renda e, principalmente, emprego.
Os números da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo confirmam esses dados: dos 9.068 internos da Fundação Casa, apenas 0,9% estão envolvidos com latrocínio; 39% cometeram crimes contra o patrimônio (roubo), 60,1% cometeram crimes ligados ao tráfico de drogas. Dos 9.068 internos, 4% são meninas. Contudo, a questão não pode ser tratada apenas de forma quantitativa, é preciso abordá-la também em seu aspecto qualitativo. Os crimes cometidos por adolescentes nos últimos dias – utilizados, de forma oportunista, pela imprensa golpista de São Paulo, a fim de confundir a opinião pública e favorecer o surgimento dos baluartes da moralidade que salvarão a sociedade - possuem caráter inegavelmente hediondo e não devem ser admitidos em uma sociedade saudável. Mas para que a sociedade seja curada é preciso investir em medidas preventivas e não punitivas. Mesmo porque, como sabemos, o sistema carcerário brasileiro não ressocializa ninguém.
Além disso, a violência vem sendo produzida entre nós de maneira silenciosa, anos a fio. A saúde e a educação públicas são constantemente negligenciadas em benefício dos empresários dos grandes sistemas privados de ensino e dos planos de saúde e convênios privados. O investimento em saúde mental, por exemplo, para tratar pessoas viciadas em cocaína, crack, álcool etc., mesmo para tratar de processos depressivos, nunca foi levado a sério, marginalizando um sem número de pessoas. A política de emprego, tanto para a juventude quanto para os arrimos de família, responsáveis pelos primeiros cuidados de nossas crianças – a socialização primária – não pode fazer parte de uma pauta séria em uma sociedade concorrencial. Em outras palavras, nós, brasileiros, ainda não percebemos que, na corrida social em que estamos inseridos, não há vencedores.
Por último, em uma sociedade dividida em classes, acaba sendo “natural” a distribuição desigual da própria justiça. Jovens das classes mais favorecidas, mesmo com maioridade penal comprovada, não são punidos com o mesmo rigor que os filhos das classes populares. Basta citarmos aqui dois casos emblemáticos: o assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos pelos garotos de Brasília, Max Rogério Alves (19), Antônio Novely Cardoso Villanova (19), Eron Chaves Oliveira (19), Tomás Oliveira de Almeida (18) e G. N. A. J. (16), que atearam fogo em seu corpo enquanto aquele dormia em um ponto de ônibus; ou, o atropelamento do ajudante Wanderson Pereira dos Santos (30) pelo bilionário Thor de Oliveira Fuhrken Batista (20), que no máximo pagará uma indenização à família do morto.
Aumentando o abismo entre as classes sociais, acirrando a violência urbana e também no campo, criando o pior dos mundos possível, o governo do Estado de São Paulo “inova” com o bônus desempenho, para polícias militares que conseguirem manter bons índices de segurança em suas respectivas regiões de atuação. O valor das gratificações, que não será incorporada aos salários base e não contemplará os aposentados, tomará como critérios a redução de indicadores criminais, a produtividade operacional (sic), o índice de satisfação da população, o índice de confiança da população e o índice de integridade dos policiais. Assim, o governo sinaliza que não adotará políticas públicas inclusivas, integradas e sérias para solucionar o problema da violência. Enquanto isso, a realidade prática demonstra que a violência contra crianças e jovens, principalmente nas periferias, tende a aumentar. É possível esperar que não haja reação, consequências? Certamente que não.
São estes os motivos que nos levam ao posicionamento contrário à redução da maioridade penal, como forma de inibir a violência juvenil. Em nossa sociedade, a violência não possui raízes na juventude, mas sim na própria forma como os adultos, principalmente aqueles com maior poder de decisão nas esferas política e econômica, concebem os mecanismos de produção e distribuição das riquezas. Enquanto os interesses privados, mascarados de interesses públicos, subjulgarem os verdadeiros interesses coletivos nas políticas públicas do Estado, enquanto a mercadoria valer mais que a vida humana, a sociedade será obrigada a conviver com a escalada da violência. O populismo penal e a banalização das prisões, que levam o governador de São Paulo a se orgulhar de possuir a maior população carcerária do país (o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo!), somados à falta de políticas públicas integradas e à concentração de renda monstruosa, constituem os verdadeiros obstáculos à pacificação da sociedade brasileira.
* Professor, diretor de escola da Rede Municipal de Cubatão, estudante do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP), e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
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