Peter Maahs*
Nós, comunistas, diante da manifestação aparentemente
consensual sobre a necessidade da redução da maioridade
penal de 18 para 16 anos, como solução para a delinquência
infanto-juvenil, não poderíamos deixar de manifestar nosso
posicionamento contrário a tal proposição. Entendemos que
qualquer medida de contenção da violência em nosso país
deve ser precedida por uma discussão séria e qualificada que,
atacando as verdadeiras raízes do problema, não utilize nossa
juventude como álibi para justificar a omissão do Estado e os
interesses econômicos inconsequentes de uma minoria privilegiada. A nosso
ver, os últimos acontecimentos envolvendo crimes cometidos por
adolescentes conduziram o debate sobre diminuição da maioridade penal
para o campo da marginalização da juventude e do oportunismo
eleitoreiro.
Por exemplo,
a pesquisa divulgada pela Folha de São Paulo, no dia 17/04/13, segundo a
qual 93% dos paulistanos desejariam a redução da maioridade penal,
é tendenciosa e expressa, na verdade, a opinião e os interesses de
uma parcela ínfima da sociedade. Parcela esta que, maliciosamente, almeja
influenciar a opinião pública, em detrimento do conjunto da
sociedade, para que seus interesses particulares sejam legitimados como vontade
da maioria. No geral, a forma como a delinquência infanto-juvenil vem
sendo abordada em nada contribui para a compreensão da gênese desse
problema, já que vinte anos de descaso com políticas públicas
integradas para a juventude no Estado de São Paulo não são
objeto de crítica da grande imprensa; talvez porque o grupo político
responsável por esse descaso seja o mesmo grupo ligado à grande
imprensa paulista.
Inicialmente,
poderíamos dizer que a referida pesquisa nasce morta, pois comete um erro
metodológico crasso: a aplicação da enquete logo após um
evento de grande comoção pública, como foi o assassinato do
jovem Victor Hugo Deppman (19), cometido por um adolescente de dezessete anos,
três dias antes de completar a maioridade penal. O impacto da notícia
induz, inevitavelmente, à criminalização da infância e da
adolescência, impedindo uma reflexão séria sobre a
relação entre o número de casos desse tipo e suas
motivações. É importante frisar que esse tipo de erro
metodológico parece ser comum na redação da Folha de São
Paulo. Em 2003, outro levantamento desse tipo foi realizado logo após o
assassinato do casal de namorados Liana Friedenbach (16) e Felipe Caffé
(19), pelo adolescente conhecido como Champinha (16). Na época, a pesquisa
revelou que 88 % da população paulistana defendia a redução
da maioridade penal.
Seja como for, a
grande imprensa de São Paulo (Globo, Folha, Veja, Estadão) continua
sua campanha preconceituosa, tendenciosa e irresponsável, ressaltando
notícias sobre crimes violentos cometidos por adolescentes. Crimes como o
assassinato da dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza, no ABC paulista, e o
estupro de uma mulher em um ônibus no Rio de Janeiro, cometidos por
adolescentes (de 17 e 16 anos, respectivamente), criam a atmosfera ideal para
que os verdadeiros interesses de grupos política e economicamente
privilegiados sejam assumidos como vontade geral da sociedade.
Mas, que
interesses seriam estes? O primeiro deles faz parte da própria
concepção de mundo de nossas elites, concepção de mundo
eugênica, que resolvem as contradições do desenvolvimento urbano
eliminando, literalmente, os “problemas sociais” das vistas da
sociedade; trata-se de uma política fascista, que visa se livrar dos
“estorvos” para que a “gente de bem” possa viver sem
ser perturbada. Um dos exemplos desse modo elitista de pensar foi a
“solução” dada pela prefeitura de São Paulo para o
problema dos mendigos que se alojavam sob viadutos e marquises da cidade.
Quando José Serra foi prefeito, foram instaladas as rampas antimendigos -
blocos de cimento que impediam a ocupação dos espaços por
moradores de rua; na administração Kassab, por sua vez, além da
proibição do sopão noturno de inverno, foram tomadas medidas
ainda mais preconceituosas e violentas, como a ordem para que a Guarda Civil
Metropolitana tomasse à força os colchões e cobertores doados
aos mendigos pela população. Ou seja, o problema da indigência,
longe de ser resolvido, foi apenas deslocado, gerando a impressão de
eficiência que a administração municipal desejava causar no
munícipe/eleitor.
O outro tipo
de interesse é, obviamente, aquele ligado à manutenção do
poder político. O ar de organização e seriedade, de
solução rápida e simples de um problema, pode render votos nas
eleições; trata-se, aqui, da boa e velha demagogia.
Foi nesse
sentido que, apesar de negar peremptoriamente o oportunismo eleitoreiro, o
governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi a Brasília,
em 16 de abril último, reuniu-se com o presidente da Câmara dos
Deputados, o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), para defender o projeto
de lei que, apresentado pelo líder do PSDB na Câmara, o deputado
Carlos Sampaio (SP), altera o ECA e o Código Penal, aumentando o rigor
para crimes cometidos por adolescentes. Tal projeto de lei defende o aumento do
tempo de internação de três para oito anos, em casos graves e de
reincidência, cumprimento da pena em regime diferenciado após 18 anos
completos, ou seja, separação entre internos menores e maiores de 18
anos, e, finalmente, a possibilidade de permanência de
internação em caso de doença mental comprovada, que ofereça
riscos à sociedade. O projeto defende também maior rigor para o
adulto que cooptar o menor para a prática criminosa.
Mas qual
seria então a solução para conter a escalada da violência
no Brasil? Devemos cruzar os braços e esperar uma solução
espontânea? Evidentemente que não! Defendemos ações que
partam das origens do fenômeno social. Para encontrarmos as raízes do
problema, é preciso analisar a questão a partir de dados objetivos,
de realidades concretas, da experiência prática. Assim, é
importante conhecermos alguns dados quantitativos sobre a juventude brasileira
e sua parcela marginalizada.
Segundo o
IBGE, em 2010, os jovens entre 15 e 17 anos de idade perfaziam aproximadamente
5,1% da população brasileira, algo em torno de 9.700.000 pessoas.
Comparando os dados gerais do IBGE com dados mais específicos, como os
do Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la
Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente (Ilanud),
em São Paulo, é possível dimensionar mais claramente o problema
da delinquência infanto-juvenil entre nós. O Ilanud apresentou os
resultados de uma pesquisa realizada em São Paulo entre junho de 2.000 e
abril de 2.001 e constatou que 2.100 adolescentes foram acusados por delitos no
período. Destes, 34, ou 1,6%, havia cometido algum crime contra a vida,
como homicídio. Ou seja, a maior parte dos delitos cometidos por
adolescentes está relacionada a crimes contra o patrimônio ou
tráfico de drogas, o que indica falta de políticas públicas de
educação, saúde, assistência social, esporte, lazer,
distribuição de renda e, principalmente, emprego.
Os
números da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São
Paulo confirmam esses dados: dos 9.068 internos da Fundação Casa,
apenas 0,9% estão envolvidos com latrocínio; 39% cometeram crimes
contra o patrimônio (roubo), 60,1% cometeram crimes ligados ao
tráfico de drogas. Dos 9.068 internos, 4% são meninas. Contudo, a
questão não pode ser tratada apenas de forma quantitativa, é
preciso abordá-la também em seu aspecto qualitativo. Os crimes
cometidos por adolescentes nos últimos dias – utilizados, de forma
oportunista, pela imprensa golpista de São Paulo, a fim de confundir a
opinião pública e favorecer o surgimento dos baluartes da moralidade
que salvarão a sociedade - possuem caráter inegavelmente hediondo e
não devem ser admitidos em uma sociedade saudável. Mas para que a
sociedade seja curada é preciso investir em medidas preventivas e não
punitivas. Mesmo porque, como sabemos, o sistema carcerário brasileiro
não ressocializa ninguém.
Além
disso, a violência vem sendo produzida entre nós de maneira
silenciosa, anos a fio. A saúde e a educação públicas
são constantemente negligenciadas em benefício dos empresários
dos grandes sistemas privados de ensino e dos planos de saúde e
convênios privados. O investimento em saúde mental, por exemplo, para
tratar pessoas viciadas em cocaína, crack, álcool etc., mesmo para
tratar de processos depressivos, nunca foi levado a sério, marginalizando
um sem número de pessoas. A política de emprego, tanto para a
juventude quanto para os arrimos de família, responsáveis pelos
primeiros cuidados de nossas crianças – a socialização
primária – não pode fazer parte de uma pauta séria em uma
sociedade concorrencial. Em outras palavras, nós, brasileiros, ainda
não percebemos que, na corrida social em que estamos inseridos, não
há vencedores.
Por
último, em uma sociedade dividida em classes, acaba sendo
“natural” a distribuição desigual da própria
justiça. Jovens das classes mais favorecidas, mesmo com maioridade penal
comprovada, não são punidos com o mesmo rigor que os filhos das
classes populares. Basta citarmos aqui dois casos emblemáticos: o
assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos pelos garotos de
Brasília, Max Rogério Alves (19), Antônio Novely Cardoso
Villanova (19), Eron Chaves Oliveira (19), Tomás Oliveira de Almeida (18)
e G. N. A. J. (16), que atearam fogo em seu corpo enquanto aquele dormia em um
ponto de ônibus; ou, o atropelamento do ajudante Wanderson Pereira dos
Santos (30) pelo bilionário Thor de Oliveira Fuhrken Batista (20), que no
máximo pagará uma indenização à família do morto.
Aumentando o
abismo entre as classes sociais, acirrando a violência urbana e
também no campo, criando o pior dos mundos possível, o governo do
Estado de São Paulo “inova” com o bônus desempenho, para
polícias militares que conseguirem manter bons índices de
segurança em suas respectivas regiões de atuação. O valor
das gratificações, que não será incorporada aos
salários base e não contemplará os aposentados, tomará como
critérios a redução de indicadores criminais, a produtividade
operacional (sic), o índice de satisfação da
população, o índice de confiança da população e o
índice de integridade dos policiais. Assim, o governo sinaliza que
não adotará políticas públicas inclusivas, integradas e
sérias para solucionar o problema da violência. Enquanto isso, a
realidade prática demonstra que a violência contra crianças e
jovens, principalmente nas periferias, tende a aumentar. É possível
esperar que não haja reação, consequências? Certamente que
não.
São
estes os motivos que nos levam ao posicionamento contrário à
redução da maioridade penal, como forma de inibir a violência
juvenil. Em nossa sociedade, a violência não possui raízes na
juventude, mas sim na própria forma como os adultos, principalmente
aqueles com maior poder de decisão nas esferas política e
econômica, concebem os mecanismos de produção e
distribuição das riquezas. Enquanto os interesses privados,
mascarados de interesses públicos, subjulgarem os verdadeiros interesses
coletivos nas políticas públicas do Estado, enquanto a mercadoria
valer mais que a vida humana, a sociedade será obrigada a conviver com a
escalada da violência. O populismo penal e a banalização das
prisões, que levam o governador de São Paulo a se orgulhar de possuir
a maior população carcerária do país (o Brasil possui a
quarta maior população carcerária do mundo!), somados à
falta de políticas públicas integradas e à
concentração de renda monstruosa, constituem os verdadeiros
obstáculos à pacificação da sociedade brasileira.
* Professor, diretor de escola da Rede Municipal de Cubatão, estudante do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP), e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Os comunistas e a redução da maioridade penal
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Oleh
Kaizim