Jacques Gruman
Queria falar sobre ETs e a origem da vida na Terra
(sem a permissão dos criacionistas), com pinceladas de Rod Serling e
Robert Wise. Fica para a próxima. No meio do caminho, fui atropelado – e
não fui o único – por um poema-bomba e não vou jogá-lo fora com um
peteleco blasé. Simplesmente não dá.
Quem é que ia dar bola para um poema, menos de trinta
linhas, publicado num pequeno jornal do sul da Alemanha? Acontece que o
autor era Günter Grass, prêmio Nobel de literatura, e o alvo uma
suposta ameaça de Israel à paz mundial. Um bombardeio pesado veio em
reação. Foi do patético (a embaixada israelense em Berlim não teve pudor
em divulgar uma nota, enquadrando Grass na mitologia antissemita do
assassinato ritual de gentios antes da Páscoa judaica) ao
comedido. Creio que vale a pena olhar de perto o que está por trás
dessa situação. Senão, caímos na histeria e no assassinato da Razão.
Grass, é verdade, serviu, por um breve período e no
final da Segunda Guerra Mundial, na SS, a tenebrosa tropa de elite
nazista, responsável por crimes hediondos. Era um adolescente que, como
tantos outros, foi provavelmente forçado a se alistar no ocaso do
Terceiro Reich, quando começavam a escassear recrutas. A ligação com a
SS foi um dos argumentos usados para desqualificar o grande escritor
alemão e acusá-lo de antissemita. Ora, sem levar em conta as
circunstâncias em que ele esteve na SS e a idade que tinha (quantos de
nós estão completamente amadurecidos com dezessete anos ?), é imoral
julgá-lo. Mais do que isso. Tristão de Athayde, San Tiago Dantas e Dom
Helder Câmara, para ficar nos mais conhecidos, foram integralistas na
juventude. Dantas chegou a contribuir para o jornal dos galinhas verdes
em São Paulo. Todos mudaram e, cada um à sua maneira, deram importante
contribuição humanista para a política brasileira. Se a lupa congelasse
nos anos 1930, seriam execrados.
Grass ousou criticar a pusilanimidade com que a
comunidade internacional trata o único estado nuclear do Oriente Médio:
Israel. O Estado judeu tem um arsenal atômico não determinado
(calcula-se em algumas dezenas de bombas), tecnologia militar para
alcançar qualquer país da região e se recusa a admitir fiscalização
independente (a mesma que exige, junto com seus aliados, do Irã). Não
assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e obteve parte do
material, que usou para fabricar as bombas, da África do Sul, durante o
regime de apartheid. Será que é ser antissemita exigir ao menos
igualdade de tratamento para as potências nucleares ? O escritor alemão
criticou a hipocrisia do Ocidente, que troca de lentes quando olha seus
aliados. Nisso, estou com ele. Serei um ingênuo perigoso ? Terei
auto-ódio ? Cartas para a redação.
Grass é “culpado” pela militância pró-palestina. Ah,
isso não lhe perdoam os que igualam, de forma pueril e inconsistente,
antissionismo e antissemitismo. O primeiro, é uma forma de manifestação
política legítima, com a qual, ao longo da História, muitos judeus se
identificaram. Ninguém é obrigado a concordar com ele. Os que discordam,
com argumentos igualmente legítimos, podem lutar com seus adversários
no terreno adequado: a política. O segundo, é uma patologia múltipla,
com braços religiosos, psicológicos, sociais. Claro que há casos em que
um se aninha nos braços do outro, a política servindo de biombo para a
patologia. Isso, no entanto, não é, em absoluto, obrigatório.
Grass vocalizou uma preocupação verdadeira: o que
acontecerá caso Israel lance um ataque contra o Irã ? Se isso for
antissemitismo, muitos israelenses se enquadram no figurino, a começar
pelos escritores David Grossman e Amos Óz. Grossman, que perdeu um filho
num dos conflitos com o Líbano, chegou a dizer que, caso aconteça, o
ataque será “uma aposta selvagem, apressada, passível de mudar o futuro
completamente, de maneira que eu sequer me atrevo a imaginar”. O fato de
Grass ser alemão tira-lhe o direito e o dever de pensar sobre ações que
envolvam um Estado nacional e, dentro dele, os judeus ?
Leio que o governo israelense proibiu a entrada de
uma missão da ONU, criada para apurar o impacto dos assentamentos
judaicos sobre a população palestina. Em 2010, autoridades israelenses
deportaram uma prêmio Nobel da Paz (certamente uma ameaça perigosíssima à
segurança nacional). Os falashas, judeus etíopes que vieram com
fanfarras, protestam contra a discriminação. Será que criticar essas e
outras mazelas deve ser monopólio dos patrícios ? Se os críticos não
pertencerem à tribo, serão antissemitas ? É tão constrangedor que me faz
lembrar um personagem do seriado Seinfeld, um dos meus vícios
declarados. É o tio Leo (uncle Leo). Judeu, ele via antissemitas em
todos os cantos. Serviam-lhe um hambúrguer mal passado na lanchonete ? O
cozinheiro é antissemita ! Não conseguia um bom lugar na sinagoga ? O
rabino é antissemita ! A paranoia do Leo é engraçada na televisão. Na
vida real, não tem graça nenhuma.
Sugestão 1: Leiam o poema de Grass (What must be
said) na íntegra. É fácil encontrar na internet. Não fiquem apenas em
trechos, que dão uma ideia muito pobre do conteúdo.
Sugestão 2: Leiam o artigo de Guila Flint , sobre a decisão do governo israelense proibir a entrada de Günter Grass no país.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/04/120409_guntergrass_israel_gf_ac.shtml
O poeta e os apressadinhos
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5
Oleh
Rubens Ragone