30 de julho de 2009

“JUSTA CAUSA” - Por: Laerte Braga [*]



Tente associar a figura do presidente golpista de Honduras Roberto Michelletti a de políticos brasileiros para que se possa ter uma idéia mais clara do que de fato acontece em Honduras. José Sarney? Fernando Henrique Cardoso? José Serra? Artur Virgílio? Tasso Jereissati? Aécio Neves? Onze entre dez senadores?

A soma de todos eles e mais alguma coisa de lambuja.

O poder de figuras como Michelletti se constrói nas perigosas relações entre grupos econômicos e políticos. Para que se compre o presidente do Senado José Sarney, ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é preciso que haja um comprador. Um Ermírio de Moraes, um Daniel Dantas, etc. Um banco Itaú da vida.

Por exemplo. Os que “compraram” a VALE (foi doada). Ou os que contribuíram para a campanha da reeleição em 1998 – a Telefónica Espanhola –. Seja na campanha propriamente dita ou na compra de deputados e senadores para aprovar a reeleição.

O fim da União Soviética resultou na imposição de um modelo político e econômico único. Ditado a partir dos interesses do conglomerado de empresas, bancos e latifúndios que conhecemos como Estados Unidos. O formidável arsenal militar norte-americano garante e assegura esse modelo. São bases militares espalhadas pelo mundo inteiro para garantir a “paz”.

Quando a União Soviética invadiu o Afeganistão os norte-americanos financiaram Osama bin Laden e a guerrilha Talebã para combater os “invasores”. Osama bin Laden é de uma família saudita do ramo de petróleo e construção civil – empreiteiros – e o que existe de obra pública no Sudão, por exemplo, foi feito a partir do engenheiro civil Osama bin Laden. São sócios da família Bush no negócio do petróleo. Isso está revelado com todas as letras no documentário “O 11 de setembro” do diretor Michael Moore. Naquele dia o único avião a levantar vôo num aeroporto norte-americano foi para levar os bin Laden à Arábia Saudita. Estavam em visita de negócios aos EUA.

A ordem partiu diretamente do presidente George Bush.

Eleito presidente dos EUA em 1980 o ator Ronald Reagan iniciou uma aproximação com o ditador iraquiano Saddam Hussein e financiou em seguida a guerra Iraque versus Irã. Armas químicas e biológicas foram usadas num conflito que matou milhões de pessoas. O objetivo de Reagan era derrubar o que chamam de “regime dos aiatolás”, mas é a revolução popular islâmica.

Foi no governo de George Bush pai que o ditador do Iraque invadiu o Kwait como “prêmio” por sua “colaboração” com a “paz mundial”. E foram alguns meses depois que Bush percebeu que Saddam Hussein acumulara tal poder em petróleo – com o Kwait – que era necessário eliminar o já ex-aliado. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes assim o exigiam, tudo em nome dos negócios.

E foi assim que aconteceu a primeira guerra do golfo.

Esse tipo de política cínica, imperialista, é típica dos norte-americanos desde que foi proclamada a independência do país. Roubaram ao México a Califórnia e o Texas.

Intervenções militares norte-americanas na América Central foram e são rotina desde o século XIX. No século XX um presidente dos EUA, Theodore Sorensen Roosevelt, definiu essa política como sendo a do “big stik” – grande porrete –. Em países como Cuba, República Dominicana, Nicarágua, Honduras, El Salvador, associaram-se generais corruptos, empresários, latifundiários e a United Fruit tornou-se dona, literalmente, dos negócios. Associou-se às elites locais (bem remuneradas, vale dizer, bem compradas) e isso incorporava o crime organizado. Tráfico de drogas, mulheres, contrabando, jogo, toda a sorte de bandalheiras possíveis.

Se um ditador como Trujillo – República Dominicana – tinha delírios de faraó e mudava o nome da capital do seu país para Ciudad Trujillo e isso causava engulhos a alguns políticos norte-americanos, na hora de conferir o balanço os engulhos sumiam. Somoza, cuja família governou a Nicarágua por décadas, vendia a mãe na feira se significasse lucro.

Yes, nós temos banana. Um dos principais produtos de exportação desses países e tudo sob a batuta da United Fruit.

E nem estou falando no território ocupado de Porto Rico que, em manobra característica de imperialistas, agregaram aos EUA como se estado norte-americano fosse. O Panamá foi “inventado” no final do século XIX, início do século XX para que pudessem controlar o canal e assim melhorar os lucros nos negócios.

Parte arrancada da Colômbia.

Não era diferente na América do Sul. Financiavam ditaduras como a de Marco Perez Jimenez na Venezuela. Ou de Rojas Pinilla na Colômbia. Uma infinidade de ditadores na Bolívia, um general ou um coronel por semana, por dia. E mantinham governos ditos democráticos sob controle.

Ao longo de todo esse processo revoluções populares foram sendo esmagadas. Sandino, José Martí, Arbenz e outros. Quando Trujillo foi derrubado, logo inventaram Joaquim Balaguer, ministro do ditador. Nas primeiras eleições livres na República Dominicana venceu Juan Bosh. Como tratou de cuidar dos interesses de seu povo foi deposto pelos EUA. Na forma usual. A soma de generais corruptos com elites podres e malas de dinheiro, pronto, está aí o golpe.

Ao receber um relatório sobre direitos humanos no Brasil durante o governo do ditador Médice, o presidente Nixon disse que “lamentava”, mas “fazer o que, ele é um bom aliado”. Cinismo à potência máxima. A lógica dos negócios.

A revolução cubana foi um marco. Fidel Castro, Guevara, o início de uma nova época, uma nova etapa da luta popular na América Latina.

Em 1961 percebendo a ânsia dos povos latino-americanos de livrarem-se do jugo capitalista o presidente John Kennedy criou um programa chamado Aliança para o Progresso. A pretexto de combate à pobreza. Toneladas de leite em pó com esterilizadores foram distribuídos em países latino-americanos junto com agentes da CIA e convênios com a Agência Internacional de Desenvolvimento – USAID –, a substituição do porrete, da areia, pela vaselina.

Chegam aí, pela primeira vez à América do Sul pastores neopentecostais ligados ao líder “religioso” Billy Graham. Entram pelo Chile e começam a formar os “edir macedo” de hoje.

Todo um conjunto de grupos, fatos, todo um processo de dominação.

Manuel Noriega era um tenente-coronel do exército do Panamá que cismou de acrescentar aos ganhos normais (soldo, contribuição da CIA, etc, etc, propinas) o fantástico lucro do mundo do tráfico de drogas. Não afetou em nada os negócios com os EUA....

E, assim o foi até o dia que o escândalo explodiu na imprensa dos EUA e George Bush para abafar a cumplicidade nos negócios entre empresas norte-americanas e elites panamenhas, mandou invadir o Panamá, destituir o aliado Noriega, que ainda por cima cismara de nacionalizar o canal e prendê-lo.

“Operação Justa Causa”, em 1989. Milhares de civis panamenhos morreram durante as atrocidades cometidas por fuzileiros dos EUA. Noriega exilou-se na Nunciatura Apostólica – embaixada do Vaticano – e acabou entregue pelo núncio – embaixador – ao governo de Bush. Foi levado de avião para Miami, antes que pudesse abrir a boca e trancafiado numa cela. Condenado a trinta anos de prisão.

René Barrientos, Ovando Candia, generais bolivianos que enfrentaram a guerrilha liderada por Chê Guevara, eram notórios traficantes de drogas, mas aliados sustentados pelos EUA.

Todo o espectro de terror que varreu a América Latina nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado, que pode ser sintetizado na Operação Condor, foi montado nos EUA.

Operação Condor foi a associação dos aparelhos repressores de países governados por generais a serviço dos EUA. Eufemismo para o assassinato de líderes de oposição como Orlando Letelier (chileno, ex-ministro de Allende). Carlos Pratt (general chileno que se opunha a Pinochet). Juan José Torres, ex-presidente da Bolívia que se opôs aos EUA. Um sem número de militantes de movimentos de luta contra as ditaduras nessa parte do mundo. Presos, torturados, assassinados, mulheres estupradas, famílias devastadas pela violência e boçalidade dos ditadores e seus esbirros, toda essa mancha sombria que cobre a nossa História e aqui, em nosso País, ainda permanece oculta e livres os torturadores.

A principal base de operações dos EUA na América Central é Honduras. O país chegou a ser ironicamente chamado de “porta-aviões norte-americano”.

A Colômbia se presta hoje a esse papel na América do Sul. A mesma lógica que levou Kennedy a criar a Aliança para o Progresso e permitiu a construção do processo golpista.

Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, é narcotraficante. A denúncia foi feita pelo próprio departamento de combate ao tráfico do governo dos EUA.

O fato de Uribe ter construído sua carreira política a soldo de Pablo Escobar, um dos maiores traficantes da América do Sul, não é empecilho para uma aliança com os norte-americanos, desde que os norte-americanos possam manter o controle dos negócios e possam montar políticas golpistas contra governos populares. O de Chávez, o de Evo Morales, o de Rafael Correa, o de Fernando Lugo. Ou manter o governo brasileiro de Lula dentro de limites aceitáveis para o império e com vergonhosa contribuição na presença militar do Brasil no Haiti.

E acima de tudo impedir que essa parte do mundo, a América Latina, forme um bloco político e econômico à revelia dos interesses de Wall Street/Washington, ganhe dignidade e nós, latino-americanos, tenhamos a nossa identidade estampada na nossa real liberdade a ser conquistada, como estão conquistando outros irmãos latinos.

Isso não interessa a Washington e pouco importa que seja Obama ou Bush, a política é a mesma variando apenas o estilo. No caso de Obama há outros aspectos a serem levados em conta. Mas isso é outra história.

Roberto Michelletti é um mafioso, filho de italianos, que construiu sua carreira política associado a elites hondurenhas. Existem aos montes aqui no Brasil. Uma espécie de Gilmar Mendes que se Daniel Dantas pedir as botas, lustra com a própria língua para agradar ao chefe e receber mimos maiores.

O presidente constitucional de Honduras, Manuel Zelaya não é necessariamente um homem de esquerda. É um dono de terras, madeireiro, de um partido de centro-direita. Num determinado momento resolveu ouvir o povo de seu país sobre que rumos os hondurenhos queriam para Honduras e para eles.

Elites imaginam que povo seja aquela massa disforme, sem rosto, que apinha ônibus em direção às suas fábricas, às suas fazendas, na exploração brutal e violenta do trabalho escravo que assistimos a cada dia, a cada minuto, não importa que se possa comprar uma calça, ou um tênis de marca. Essa é uma das marcas da escravidão. O carimbo carimbado na testa das classes médias. O chicote nas costas dos trabalhadores e camponeses.

Ouvir o povo significa contrariar os negócios. Depuseram Zelaya. Comprar um general não é tão difícil assim. Boa parte se acha à venda no patriotismo canalha de sempre. O que não quer dizer que não existam militares decentes. A história está cheia de exemplos de gente assim, íntegra.

Mas transborda de canalhas.

Michelletti traz consigo a garantia às empresas norte-americanas, às elites hondurenhas, ao tráfico de drogas – foi apontado como financiado pelo tráfico em suas campanhas –, o tráfico de mulheres e a prostituição, o jogo, toda a sorte de negócios. E de quebra a bênção do cardeal hondurenho e o silêncio cúmplice de Bento XVI.

Foi só entregar a borduna a generais e seus comandados que o golpe estava desfechado e o povo hondurenho mantido sob o domínio dos senhores de terras, de empresas, de tudo o que significa lucro, ganho.

A condenação do presidente Obama ao golpe foi formal. Como se costuma dizer, para inglês ver. O cinismo logo desvelado na postura da secretária de Estado Hilary Clinton. Ou na ação de senadores e empresários norte-americanos. De traficantes de Miami.

Não contavam com a reação do povo hondurenho. Nem de longe imaginavam que os cidadãos estavam dispostos a resistir, como os venezuelanos resistiram ao golpe contra Chávez em 2002 e o recolocaram no governo, confirmando-o em sucessivas eleições e referendos.

Controlam a mídia, controlam a mente das pessoas, mas não conseguem controlar a incontrolável vontade de encontrar a dignidade nacional e construir um país, a nação, com o rosto e a marca de cada latino-americano, somos um povo só em muitos povos.

E o velho porrete. Prisões, tortura, estupros, assassinatos, o cinismo dos direitos humanos nas bombas atiradas de dentro de ambulâncias da Cruz Vermelha contra manifestantes pró-Zelaya.

Zelaya, Ortega, Chávez, todos simbolizam em maior ou menor escala, não importa, o ideal de luta de povos oprimidos e que muitas vezes nem se percebem assim, tamanhas as doses cavalares de colonização aplicadas em injeções diárias de redes de tevês como a GLOBO aqui, ou jornais como a FOLHA DE SÃO PAULO, ou revistas como a VEJA, em todo o processo de controle das informações. Não foi diferente em Honduras.

Você pode saber que o nariz de Michael Jackson está desaparecido. Você não pode saber que milhares de hondurenhos estão desaparecidos, muitos foram assassinados, mulheres estupradas, que milhares estão sem alimentos, sem água, sem medicamentos, mas resistem.

Não é uma ação isolada. É só o capitalismo em sua forma mais selvagem, vivendo uma de suas muitas crises. Que leva, por exemplo, mulheres espanholas a se prostituírem para manter em dia as contas das lojas nos shoppings. O modelo político e econômico não permite que as pessoas se deixem mostrar fracas, pois o capitalismo é o triunfo dos fortes, vale dizer, dos opressores.

Pouco importa que o primeiro-ministro da Itália seja Sílvio Berlusconi e que Berlusconi, um banqueiro, queira eleger prostitutas para o parlamento de seu país, para o parlamento europeu. Importa que Berlusconi siga à risca as regras do negócio.

O mal menor aí são as prostitutas. Ou prostitutas são figuras como Berlusconi. Como Obama. Como Michelletti. Como Sarney. Como FHC. Como Serra. Como Aécio. Como Jereissati. Existem em toda a América Latina.

Se Uribe se mantiver na linha, traficar seus “bagulhos” sem maiores atropelos, ou sem afetar os negócios, os bagulhos também são negócios, fica lá impávido defensor da democracia. Onde você acha que o dinheiro desses caras vai? Para os bancos deles, lógico.

Chamam isso de “operação justa causa”. No Iraque foi “justiça infinita”. No Afeganistão foi “liberdade duradoura”.

Matam hondurenhos, matam palestinos, matam colombianos, matam afegãos, matam iraquianos. Seqüestram, torturam, mantêm um campo de concentração em Guantánamo.

Imagine se não fosse “justa causa”.

[*] Laerte Braga é jornalista. Nascido em Juiz de Fora, trabalhou no Estado de Minas e no Diário Mercantil.

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